7 de novembro de 2015

O Eterno Marido

Fiodor Dostoievski
O Eterno Marido (1870)

O Eterno Marido foi publicado pela primeira vez na revista “Zariá”, em 1870, e em livro no ano seguinte. Não se contando entre as obras mais reconhecidas de Dostoievski, é, ainda assim, considerada uma das mais completas e mais conseguidas.
Dominada pelo sentimento do ciúme, a história gira em redor do reencontro de Veltchanínov e o recém-enviuvado Pável Pávlovitch, dez anos passados sobre uma amizade que os ligara (com a mulher de Pável pelo meio). Veltchanínov, atormentado por problemas pessoais, deixa-se arrastar por Pável, por quem nutre uma profunda antipatia, para situações desconfortáveis que lhe escapam ao controlo, sem conseguir avaliar com precisão as motivações que o movem.

Veltchanínov conheceu-a quando ela já tinha vinte e oito anos. O seu rosto pouco bonito tinha às vezes a capacidade de animar-se de um modo muito agradável, mas os seus olhos não eram bondosos: havia demasiada firmeza no seu olhar. Era muito magra. Apesar de uma formação bastante fraca, o seu intelecto era incontestavelmente perspicaz, mas quase sempre unilateral. Tinha as maneiras de uma senhora da alta sociedade provinciana e, ao mesmo tempo, diga-se, muita delicadeza; um gosto elegante, com preponderância no saber vestir-se. Era de carácter resoluto e dominador; com ela, em caso algum poderia haver consenso parcial: "ou tudo, ou nada". Nos casos complicados, tinha uma firmeza e uma resistência surpreendentes. Possuía o dom da magnanimidade e, paralelamente, era de uma injustiça desmedida. Era impossível discutir com essa senhora: o "dois vezes dois quatro" nunca tinha qualquer significado para ela. Nunca e em caso algum se considerava injusta ou culpada. As traições permanentes e incontáveis ao marido nunca lhe oprimiam minimamente a consciência. O próprio Veltchanínov a comparava a uma "mãe de Deus dos Khlisti" que acredita piamente que é de facto mãe de Deus — Natália Vassílievna também tinha uma fé absoluta em cada um dos seus próprios procedimentos. Era fiel ao amante — só enquanto não se aborrecia com ele. Gostava de atormentar o amante, mas também gostava de o recompensar. Era um tipo de mulher apaixonada, cruel e sensual. Odiava a depravação, censurava-a com um incrível encarniçamento... e ela própria era uma depravada. Nenhum facto era capaz de a levar a consciencializar a sua depravação. "Pelos vistos, acredita sinceramente na sua virtude" — pensava Veltchanínov ainda em T... (Observemos, a propósito: ele próprio era participante dessa depravação.) "É uma daquelas mulheres — pensava Veltchanínov — que parecem ter nascido para ser infiéis. Tais mulheres nunca perdem a inocência em solteiras: a sua lei da natureza exige que se casem para tal. O marido é o seu primeiro amante, mas só depois do casamento. Ninguém sabe casar-se com mais facilidade e esperteza do que elas. Quando a seguir surge um amante, a culpa é sempre do marido. E tudo acontece com toda a sinceridade: estas mulheres sentem-se sempre com razão e, claro, absolutamente inocentes."
Veltchanínov estava convencido de que existia, de facto, este tipo de mulheres e, também, de que existia o tipo correspondente de maridos, cujo único destino seria precisamente o de corresponder a este tipo feminino. Na sua opinião, a essência de tais maridos consiste em serem, por assim dizer, "eternos maridos" ou, melhor, serem na vida apenas maridos e mais nada. "Um homem assim nasce e desenvolve-se unicamente para se casar e para, depois do casamento, se tornar imediatamente num apêndice da sua mulher, mesmo no caso de ter um carácter individual incontestável. A principal característica deste marido é um enfeite bem conhecido. Não pode deixar de ser cornudo, do mesmo modo que o sol não pode deixar de brilhar; mas não só nunca sabe disso, como também, de acordo com as leis da própria natureza, é incapaz de sabê-lo." Veltchanínov tinha a fé profunda de que existiam realmente tais tipos, feminino e masculino, e que Pável Pávlovitch Trussótski da cidade de T... era um representante típico do masculino. O Pável Pávlovitch de ontem, obviamente, não era o Pável Pávlovitch que Veltchanínov conhecera em T... Achou-o incrivelmente mudado, embora sabendo que ele não podia deixar de mudar e que tal mudança era absolutamente natural; o senhor Trussótski só podia ser tudo o que foi antes em vida da mulher; presentemente era apenas um fragmento do conjunto, deixado de repente em liberdade, ou seja, uma curiosidade que não podia comparar-se com nada.


Li anteriormente:
O Idiota (1869)
O Jogador (1867)
Crime e Castigo (1866)