24 de setembro de 2016

The Cat Who Walks Through Walls

Robert A. Heinlein
The Cat Who Walks Through Walls (1985)

"Precisamos de si para matar um homem." – Esta é a primeira frase do livro, dita à mesa de um restaurante, e dirigida a Richard Ames, o narrador; quem a pronuncia acaba presumivelmente morto, por um atirador invisível, antes de se passarem cinco minutos. É assim que começa esta história de contornos policiais, cuja primeira parte descreve a fuga de Richard e sua mulher Gwen (as coisas complicaram-se após o atentado), de Golden Rule, uma espécie de cidade-estado na órbita de Luna. A segunda parte, consumada a fuga, passa-se maioritariamente em Hong Kong Luna e Luna City, cenários de The Moon is a Harsh Mistress, quase um século volvido sobre a independência, com a sociedade lunar a caminhar rapidamente para uma autocracia. Mas, também aí a permanência do casal, com a cabeça de Richard posta a prémio, é tudo menos tranquila. No limiar da terceira parte, depois de alguns diálogos prenunciadores, entram em cena muitos dos personagens conhecidos dos anteriores livros da série, como as gémeas Laz e Lor, Tamara, Minerva, Galahad, Maureen, o quarteto protagonista de The Number Of The Beast, e o próprio Lazarus Long, como seria de esperar, entre muitos outros.
Este livro, O Gato que Atravessa as Paredes na versão portuguesa que li em 1991, integra a série História do Futuro; reli-o agora na versão original, na série de livros pertencentes ao ciclo, por ordem cronológica de publicação – o que faz muito mais sentido. É sobretudo na terceira parte, grande parte decorrida em Tertius, que se retoma o fio narrativo condutor da série, aprofundando o tema dos universos paralelos, sendo bastante útil ter lido os livros anteriores para entender as alusões e referências a factos passados.

"Gretchen, when I first met you, less than a week ago, you were as I recall 'going on thirteen.' So how dare you be five centimeters taller, five kilos heavier, and at least five years older? Careful how you answer, as anything you say will be taken down by Teena and held against you at another time and place."
"Did someone mention my name? Hi, Gretchen! Welcome home."
"Hi, Teena. It's great to be back!"
I squeezed Xia. "You, too. You look five years younger and you've got to explain it."
"No mystery about me. I'm studying molecular biology just as I was in Luna—but here they know far more about it—and paying my way by working in Howard Clinic doing unprogrammed 'George' jobs—and spending every spare minute in this pool. Richard, I've learned to swim! Why, back Loonie side I didn't know anyone who knew anyone who knew how to swim. And sunshine, and fresh air! In Kongville I sat indoors, breathing canned air under artificial light, and dickered with dudes over bundling bins." She took a deep breath, raising her bust past the danger point, and sighed it out. "I've come alive! No wonder I look younger."
"All right, you're excused. But don't let it happen again. Gretchen?"
"Grandma Hazel, is he teasing? He talks just like Lazarus."
"He's teasing, love. Tell him what you've been doing and why you are older."
"Well... the morning we got here I asked Grandma Hazel for advice—"
"No need to call me 'Grandma,' dear."
"But that's what Cas and Pol call you and I'm two generations junior to them. They require me to call them 'Uncle.'"
"I'll make them say 'Uncle'! Pay no attention to Castor and Pollux, Gretchen; they're a bad influence."
"All right. But I think they're kind o' nice. But teases. Mr. Richard—"
"And no need to call me 'Mister.'"
"Yes, sir. Hazel was busy—you were so terribly ill!—so she turned me over to Maureen, who assigned me to Deety, who got me started on Galacta and gave me some history to read and taught me basic six-axes space-time theory and the literary paradox. Conceptual metaphysics—"
"Slow down! You lost me."

Li anteriormente:
The Number of the Beast (1979)
Amor Sem Limites (1973)
The Moon is a Harsh Mistress (1966)

7 de setembro de 2016

A Jangada de Pedra

José Saramago
A Jangada de Pedra (1986)

A Jangada de Pedra é um romance que tem como tema principal a misteriosa separação da Península Ibérica do continente europeu, e o igualmente misterioso percurso que a leva a rumar Atlântico fora. Nas primeiras páginas descrevem-se alguns prodígios sucedidos com as principais personagens da obra – Joaquim Sassa, que lança uma pedra a uma distância impossível; José Anaiço, sempre acompanhado por uma nuvem de estorninhos; Pedro Orce, que sente o chão a tremer, apesar de nenhum instrumento de medição o registar; e também um cão dos Pirinéus, Joana Carda, Maria Guavaira e Roque Lozano, todos de alguma forma ligados a pormenores insólitos. Ora, no decurso da narrativa, todos estes personagens acabam por se encontrar e associar, numa viagem nómada que percorre o território da península num grande círculo. Editado numa época em que Espanha e Portugal tinha acabado de entrar na CEE, o livro levanta subtilmente a questão, se seria esse horizonte europeu, realmente, o que mais se adequava aos interesses das nações ibéricas.
José Saramago é um autor controverso, mas, na meia-dúzia de livros que li dele, agradou-me um certo recurso ao fantástico, que me parece aparentado do realismo mágico. Depois de ter lido O Ano da Morte de Ricardo Reis e Memorial do Convento, obras maiores da bibliografia do autor, cheguei a considerar parar por aí. Afinal, seis anos depois, voltei a Saramago...

Avançaram para o interior do círculo, aproximaram-se, o risco lá estava, vivo, como se tivesse sido acabado de traçar, a terra apartada para os lados, húmida a da camada inferior apesar do sol quente. Agora estão calados, os homens não sabem que dizer, Joana Carda não tem que acrescentar mais palavras, é a vez de um acto arriscado que pode tornar em motivo de escárnio toda a sua história maravilhosa. Arrasta o pé pelo chão, arrasa o risco como uma rasoira, pisa e calca, é como um sacrilégio. No instante seguinte, diante dos olhos assombrados de todos, o risco refaz-se, recompõe-se exactamente como fora antes, os torrões minúsculos, os grãos de areia reformam-se, reorganizam-se, reocupam o seu lugar, e o risco reaparece. Entre a parte que fora destruída e o resto, para um lado e para o outro, nenhum sinal se percebe de separação dos efeitos, primeiro e segundo. Diz Joana Carda, numa voz um pouco estridente de nervosismo, Já varri o risco todo, já lhe deitei água, aparece sempre, se quiserem experimentar, até lhe pus pedras em cima, quando as tirei voltou tudo à mesma, experimentem para poderem acreditar. Joaquim Sassa baixou-se, enterrou os dedos no chão fofo, arrancou um punhado de terra, lançou-o para longe, e acto contínuo o risco restabeleceu-se. Foi a vez de José Anaiço, mas esse pediu a vara a Joana Carda, fez com ela um risco profundo ao lado do primeiro, depois pisou-o em todo o comprimento. O risco não se refez. Faça você agora o mesmo, disse José Anaiço a Joana Carda. A ponta da vara cravou-se no chão, foi arrastada, abriu uma ferida longa, logo fechada como uma cicatriz defeituosa quando a calcaram, e assim ficou. Disse José Anaiço, Não é da vara, não é da pessoa, foi do momento, o momento é que conta.

Li anteriormente:
Memorial do Convento (1982)
O Ano da Morte de Ricardo Reis (1984)
As Intermitências da Morte (2005)

4 de setembro de 2016

Solaris


Stanislaw Lem
Solaris (1961)

De Stanislaw Lem apenas havia lido um único livro até hoje, A Nave Invencível, já lá vão demasiados anos para me recordar com clareza do argumento, tendo perdurado uma opinião positiva, apesar de o considerar um livro de leitura "difícil" – nada mau, para um leitor que acabara de completar 15 anos. Já Solaris, significava para mim o inesquecível filme de Andrei Tarkovski, que vi duas vezes, primeiro na televisão e depois no cinema, aguçando-me a curiosidade sobre a obra que lhe serviu de inspiração, na qual acabei por tropeçar, em tradução de português do Brasil.
E posso dizer que Solaris esteve à altura das minhas expectativas. Reconheci nele os pontos essenciais da adaptação cinematográfica, na história que decorre numa estação-observatório a pairar sobre um planeta coberto por um oceano plasmático, vivo, interactivo e consciente. Nessa estação permanecem três cientistas que sofrem daquilo que inicialmente tomam por alucinações, mas que são obra desse imenso organismo para além da compreensão: projecções materializadas do conteúdo cerebral do indivíduo, as impressões mais marcantes da sua memória, que o assombram e perseguem até à insanidade. É também uma estranha história de amor, entre Kris Kelvin, recém-chegado a Solaris, e Rheya, sua jovem mulher, morta dez anos antes, e inexplicavelmente materializada num ser que parece tornar-se cada dia emocionalmente mais complexo e distinto, desafiando simultaneamente a racionalidade e a linha de fronteira entre o ser humano e o seu duplicado autonomizado. Como pano de fundo – a comprovar como, tantas vezes, uma frase vale mais do que mil imagens –, os silêncios da obra cinematográfica têm aqui correspondência numa análise aprofundada do tema "contacto", com as suas implicações filosóficas, sociológicas e religiosas, tal como a identificação das armadilhas da interpretação antropomórfica, tanto mais quando o objecto desse "contacto" é um ser absolutamente ininteligível.

Quando tornei a abrir os olhos, tive a impressão de haver cochilado alguns minutos. O quarto estava banhado por uma penumbra vermelha. Fazia menos calor. Eu estava me sentindo bem, deitado, com as cobertas afastadas, inteiramente nu. A cortina só cobria metade da janela e lá, defronte de mim, ao lado da vidraça, iluminada pelo sol vermelho, havia alguém sentado. Reconheci Rheya. Usava um vestido de praia, branco, cujo tecido estava esticado no bico dos seios. Tinha as pernas cruzadas e pés descalços. Imóvel, com os braços abertos bronzeados até os cotovelos, olhava-me por entre os cílios escuros. Rheya, com seus cabelos pretos penteados para trás.
Encarei-a durante muito tempo, calmamente. Meu primeiro pensamento foi reconfortante: eu estava sonhando e consciente disso. Não obstante, preferia que ela sumisse. Fechei os olhos e tratei de varrer aquele sonho. Quando tornei a abri-los, Rheya estava sentada ao meu lado. Tinha os lábios entreabertos, como de costume, num gesto de assoviar.
Mas seu olhar era sério. Lembrei-me da véspera, quando fizera aquelas especulações a respeito dos sonhos. Rheya não havia mudado desde o dia em que a vira pela última vez. Tinha, naquela época, dezenove anos. Hoje teria vinte nove. Mas, evidentemente, os mortos não mudam, ficam eternamente jovens. Ela fixava-me com o olhar espantado de sempre. Tive vontade de atirar alguma coisa sobre ela. No entanto, apesar de se tratar de um sonho, não tive coragem – mesmo em sonho – de maltratar uma morta.

Li anteriormente:
A Nave Invencível (1964)

2 de setembro de 2016

Mundo del Fin del Mundo


Luis Sepúlveda
Mundo del Fin del Mundo (1994)

Mundo del Fin del Mundo é uma curta novela passada a dois tempos: os quatro capítulos que compõem a Primeira parte, de fundo autobiográfico, descrevem a aventura de férias escolares de um rapaz, influenciado pelo avô e pela leitura de Moby Dick, a quem é permitida uma viagem a bordo de um navio baleeiro nas imediações do Estreito de Magalhães. No restante, reencontramos já o adulto, que parte de Londres e regressa a essas paragens da infância, desta vez como um jornalista ligado à Greenpeace, empenhado na luta contra os modernos baleeiros e a caça ilegal que ameaça de extinção os cetáceos.

Hay que señalar que no son solamente los depredadores japoneses los que practican el juego de la doble moral que caracteriza a un mundo regido por la ética del mercado. Japón es uno de los siete países más ricos del planeta y un interlocutor fundamental; a veces hasta da la impresión de ser una nación con patente de corso. Por ejemplo: todos los países de Europa, Estados Unidos, la Unión Soviética y la mayoría de los Estados africanos condenan la caza del elefante y reconocen el peligro de extinción en que se encuentran los gigantes grises de África. Pero ningún país condena a Japón, el gran incentivador de la caza y el mayor comprador de marfil del planeta. De más está señalar que controla el mercado y que es el principal proveedor de marfil de Europa, Estados Unidos y la Unión Soviética. ¿Y para qué sirve el marfil? Toda su utilidad se limita a la fabricación de unos pocos artículos de lujo; con toda seguridad podemos afirmar que el talento de una Paloma O'Shea o de un Claudio Arrau no se verá disminuido al sentarse frente a pianos cuyo teclado no sea de marfil, y continuarán con sus formidables interpretaciones de Mozart o Scarlatti sin que para ello haya que exterminar animales de seis u ocho toneladas, de los cuales se obtienen cuarenta miserables kilos de marfil.

Li anteriormente:
Patagonia Express (1995)
Nombre de Torero (1994)
Un Viejo que Leía Novelas de Amor (1989)