22 de xullo de 2017

Por Quem os Sinos Dobram

Ernest Hemingway
Por Quem os Sinos Dobram (1940)

Como afirma Ricardo de la Cierva na Historia Total de España, a mitologia da guerra civil deve-se à plêiade de escritores estrangeiros que visitaram e, por vezes, intervieram activamente na guerra espanhola, quase sempre do lado republicano, quando já eram famosos ou estavam prestes a sê-lo; e foram precisamente as suas obras sobre Espanha, quase sempre, que os consagraram de forma definitiva. Embora não tenham faltado autores importantes a escrever sobre o lado franquista – e nomeia-os –, é evidente que o lado republicano contou com uma autêntica constelação de estrelas: Hemingway, Orwell, Bernanos, Malraux, Koestler, Ehrenburg, Koltsov ou Maritain. E – continua – ninguém parece ter percebido que essas obras imortais eram novelas, ou seja, obras de ficção; e que, portanto, a imagem histórica que se forjou noutros países sobre a guerra civil espanhola era uma imagem de ficção.
Ernest Hemingway passou por Madrid, em 1937, no papel de repórter, antes de contribuir para a citada mitologia com este livro, For Whom the Bell Tolls no título original, editado quando as cinzas da guerra ainda fumegavam. Nele se acompanha Robert Jordan, um americano das Brigadas Internacionais, que se junta aos guerrilheiros da montanha, na região de Segóvia, com a missão de dinamitar uma ponte. As quase 500 páginas do livro decorrem nos quase quatro dias que precedem a destruição da ponte e nos momentos seguintes, para as consequências e o desfecho.
A Jordan, o Inglés, pergunta-lhe uma das personagens: «És comunista?» «Não. Sou antifascista» responde ele, numa evasiva dir-se-ia, sendo sabido que, naquela guerra, lutar ao lado dos republicanos era lutar do lado dos soviéticos pelo triunfo do bolchevismo em Espanha – e sem a desculpa da ignorância, porque, já então, era facto bem conhecido que Estaline tinha as mãos sujas de sangue. Depois das descrições de violência gratuita e da relação amorosa com a jovem Maria, a semente da dúvida instala-se na mente de Robert Jordan, agora já não tão indiferente pelo destino dos que o rodeiam. As dúvidas que o assaltam nunca põem em causa as suas convicções, e a razão do lado pelo qual combate, «em prol de todos os pobres do mundo, contra todas as tiranias», conforme a mentirosa cartilha sobejamente conhecida. Mesmo assim, Hemingway resiste a pintar a história a um preto-e-branco panfletário, sendo que a coragem e a generosidade, tal como a malvadez e a estupidez, podem ser encontradas nos dois lados em contenda. A própria citação de John Donne, que abre o livro, onde se diz «a morte de qualquer homem diminui-me, porque sou parte do género humano», dá o tom apropriado.
Mas, ao escolher o seu «lado», Hemingway, tal como muitos outros ao longo do tempo, terá sentido o suporte de uma duvidosa «superioridade moral» devida a um Governo tido por «legítimo», derrubado pela «tenebrosa revolta fascista». (Em nome desse princípio, quanta asneira se tem feito em Espanha nos últimos 40 anos!). Pois bem: até essa cartada estava viciada, já que os estudos mais recentes (Manuel Álvarez Tardío, Roberto Villa García) e a documentação trazida à luz do dia (as recuperadas memórias de Niceto Alcalá-Zamora, Presidente da República entre 1931 e 1936, roubadas da caixa-forte de um banco madrileno, em 1937, pelo Governo republicano) provam, sem margem para dúvidas, que a Frente Popular foi derrotada na eleições de Fevereiro de 1936 e não teve qualquer pejo em recorrer a um «pucherazo», uma fraude eleitoral, para contornar uma desvantagem de 700 mil votos.

Não, ele executaria as ordens, embora tivesse a infelicidade de gostar das pessoas de quem tinha de servir-se e iria sacrificar.
Todos os trabalhos que os partizans tinham feito sempre haviam dado azar e sempre pioraram a situação dos que os acolhiam e auxiliavam. E para quê? Para que, no fim de contas, o país se visse livre de todos os males e se tomasse um lugar agradável para viver. Era verdade, por mais banal que isso pudesse parecer.
Se a República se desmoronasse tornar-se-ia impossível para os que nela acreditavam viver em Espanha. Mas seria assim? Era, estava certo disso pelo que sabia que vinha acontecendo nas zonas onde os fascistas já dominavam.
Pablo era um porco, mas os outros eram gente espantosa e não seria traição arrastá-los para aquele trabalho? Talvez. Mas se eles não o fizessem, dois esquadrões de cavalaria viriam dentro em pouco caçá-los naquelas montanhas, dentro de uma semana talvez.
Não. Não havia nada a ganhar em deixá-los em paz. A menos que toda a gente fosse deixada em paz e ninguém se metesse com o próximo. Então tu acreditas verdadeiramente que o ideal é deixar toda a gente tranquila? Sim, acreditava em tal. Mas então a sociedade organizada e tudo o mais? Isso competia aos outros. Ele tinha mais que fazer, terminada a guerra. Ele combatia naquela guerra porque a luta irrompera num país que ele amava e porque acreditava na República, e se a República fosse destruída a vida tornar-se-ia impossível para os que acreditavam nela. Estava sob o comando comunista enquanto durassem as operações. Aqui, em Espanha, eram os comunistas que revelavam a melhor disciplina, a mais razoável e a mais sã porque, na condução da guerra, eram o único partido cujo programa e disciplina lhe inspiravam respeito.
Mas que opiniões políticas eram então as suas? Não tinha nenhuma de momento. Mas não iria dizer isso a ninguém. Nunca. É que vais fazer depois? Voltar ao meu país para ganhar a vida a ensinar o espanhol, como dantes e escrever um livro verdadeiro. Tenho a impressão, sonhava ele, tenho a impressão de que me será fácil.

Li anteriormente:
O Sol Nasce Sempre (Fiesta) (1926)
O Adeus às Armas (1929)
Ilhas na Corrente (1970)