Aldous Huxley
Regresso ao Admirável Mundo Novo
(1959)
Regresso ao Admirável Mundo Novo
(Brave New World Revisited, no título original) é uma
compilação de ensaios publicados na revista “Newsday”,
26 anos após a apresentação da novela Admirável Mundo Novo,
em que Huxley analisa a evolução da sociedade ocidental no tempo
entretanto decorrido, e constata que “o futuro chegou demasiado
depressa”, para utilizar uma expressão em voga por estes dias.
Traçando frequentes paralelismos entre
a sua própria novela e o 1984 de Orwell, Huxley considera que
a distopia de Orwell já não parece realizável, na sua brutalidade
totalitária, à luz das recentes evoluções históricas e sociais;
quanto ao Admirável Mundo Novo, mais “benigno” na sua
aparência, encontra-lhe ainda demasiados motivos de preocupação,
bem como determinadas facetas que parecem estar a materializar-se.
Quase 60 anos volvidos, pode-se dizer que vivemos já, em vários
aspectos, nesse Admirável Mundo Novo.
Os ensaios debruçam-se sobre diversas
questões, como as preocupações malthusianas acerca da
superpopulação e o esgotamento dos recursos, os prós e contras do
eugenismo, o preço do chamado progresso técnico, a alienação dos
mass media, a propaganda e manipulação das massas, etc., na
urgência com que se colocavam – e ainda se colocam... cada vez
mais! – no confronto com as soluções preconizadas no Admirável
Mundo Novo.
Huxley previu neste livro um futuro
superpopulado, dominado por ditaduras comunistas; mas também fala
dos perigos de uma democracia puramente formal, onde os destinos das
pessoas são decididos por aquilo que designa como o “Alto Negócio”
e o “Grande Governo”. Se a previsão falhou na segunda metade da
primeira afirmação, acertou em cheio na segunda.
No
que diz respeito à propaganda, os primeiros defensores da instrução
obrigatória e de uma Imprensa livre só enfrentavam duas
possibilidades: a propaganda podia ser verdadeira ou falsa. Não
previam o que realmente sucedeu, principalmente nas nossas
democracias capitalistas acidentais – o crescimento de uma vasta
indústria de comunicações com as massas, que na sua maior parte
não se preocupa nem com o verdadeiro nem com o falso, mas com o
irreal, o mais ou menos totalmente irrelevante. Numa palavra, não
levaram em conta o quase infinito apetite humano de distrações.
No
passado, a maioria das pessoas nunca teve oportunidade de satisfazer
completamente este apetite. Desejavam demais distrações, mas não
lhas forneciam. O Natal só surgia uma vez por ano, as festas eram
“solenes e raras”, havia poucos leitores e muito pouco que ler, e
o que havia mais aproximado de um cinema de bairro era a igreja
paroquial, onde os espetáculos, se bem que freqüentes, eram
bastante monótonos. Para encontrar condições, mesmo de longe
comparáveis às atualmente existentes, temos de recuar até à Roma
Imperial, onde o povo era mantido de bom humor graças a doses
repetidas e gratuitas das mais variadas distrações – desde os
dramas em verso até os combates dos gladiadores, desde recitais de
Virgílio até os combates de pugilismo, desde festivais de música
até paradas militares e execuções públicas. Mas, mesmo em Roma,
não havia nada de semelhante à distração contínua agora
fornecida por jornais e magazines, pelo rádio, televisão e cinema.
No Admirável Mundo Novo, as distrações contínuas da mais
fascinante natureza são deliberadamente empregadas como instrumentos
de governo, com a finalidade de obstar o povo de prestar demasiada
atenção às realidades da situação social e política. O mundo da
religião é diferente do mundo do divertimento; mas parecem-se um
com o outro por, decididamente, “não serem deste mundo”. Ambos
são divertimentos e, se vivemos neles de forma excessivamente
contínua, ambos podem tornar-se, segundo a frase de Marx, “o ópio
do povo”, tornando-se assim uma ameaça à liberdade. Só uma
pessoa vigilante consegue conservar a liberdade, e apenas os que
estão constante e inteligentemente despertos podem alimentar a
esperança de se governar a si próprios eficazmente por meios
democráticos. Uma sociedade, cuja maioria dos membros dissipa uma
grande parte do seu tempo não na vigília, não aqui e agora e no
futuro previsível, mas em outra parte, nos outros mundos
irrelevantes do prazer e das obras superficiais, da mitologia e da
fantasia metafísica, terá dificuldade em resistir às investidas
daqueles que quiserem orientá-la e controlá-la.
Na
sua propaganda, os ditadores atuais limitam-se, na maioria das vezes,
à repetição, supressão e racionalização – repetição de
estribilhos que pretendem sejam aceitos como verdades, à supressão
de fatos que eles pretendem sejam ignorados, ao desencadeamento e à
racionalização de paixões que podem ser aplicadas nos interesses
do Partido ou do Estado. Quando a arte e a ciência da manipulação
vierem a ser mais bem conhecidas, os ditadores do futuro aprenderão,
sem dúvida, a combinar estas técnicas com as distrações
ininterruptas que, no Ocidente, ameaçam agora submergir num mar de
irrelevância a propaganda racional indispensável à manutenção da
liberdade individual e à sobrevivência das instituições
democráticas.
Li anteriormente:
A Ilha (1962)
As Portas da
Percepção / Céu e Inferno (1954 / 1956)
Admirável Mundo
Novo (1932)