Robert A. Heinlein
Amor sem Limites (1973)
Publicada em Portugal em 1977 na
Colecção Argonauta sob o enganador título A História do
Futuro, dividida em três volumes, esta é, de longe, a obra que
mais anos esperei para ler. Comprei em 1980 ou 81 os volumes 2 e 3, e
vim a descobrir que o volume 1 estava completamente esgotado; durante
anos continuei a ver os dois últimos volumes nos escaparates, mas a
Livros do Brasil nunca se dignou reeditar o primeiro. Consegui por
fim encontrá-la, numa versão diferente.
Amor sem Limites é a tradução
brasileira de Time Enough for Love, e um dos títulos centrais
da série Future History. Passada no futuro distante do ano
4272, reencontramos aqui a personagem de Lazarus Long, então o mais
velho ser humano vivo, com 2360 anos! A humanidade tornou-se
praticamente imortal, através de uma técnica de rejuvenescimento
periódico, e a morte só acontece por acidente ou por suicídio.
Lazarus Long, cansado da vida, decidiu não rejuvenescer e
desapareceu na cidade de Nova Roma, em Secundus, para morrer
tranquilamente. Foi porém resgatado in extremis a mando de
Ira Weatheral, um seu descendente, e levado para uma clínica para
lhe ser aplicado o rejuvenescimento. Ira Weatheral está interessado
em registar a experiência e o conhecimento do Sénior, e convence-o
a fazer com ele um trato semelhante ao de Xerazade, das Mil e uma
Noites: Lazarus Long não se suicidará enquanto ele estiver
disposto a escutar as suas histórias.
Amor sem Limites é assim
dividido em várias partes, intituladas segundo uma nomenclatura
própria de uma obra musical, onde o presente narrativo se intercala
com as memórias de Lazarus Long. Determinadas partes, retiradas do
texto principal, quase poderiam funcionar como contos ou novelas
independentes. Temos assim a divertida "História do Homem que
era Preguiçoso demais para Fracassar" (de onde retirei o
excerto abaixo), "A História dos Gémeos que não eram Gémeos"
sobre um caso de manipulação genética — um tema recorrente ao
longo de todo o livro —, ou "A História da Filha Adoptiva",
sobre a colonização e a vida rústica num planeta recém-descoberto.
No quarto final desta extensa obra, Lazarus Long faz uma viagem no
tempo e regressa à sua Kansas City natal, na época em que os
Estados Unidos entram na Grande Guerra, e trava conhecimento com a
família onde nasceu — e consigo próprio, como um rapazinho de
cinco anos.
Depois a guerra acabou.
Dave
olhou em volta e avaliou a situação. Havia centenas de
capitães-de-mar-e-guerra que, como ele, tinham sido
capitães-de-corveta apenas três anos antes. Já que a paz era "para
sempre", como os políticos sempre insistem, poucos seriam algum
dia promovidos. Dave pôde ver que não seria promovido; não tinha
nem a antigüidade, padrão tradicionalmente aprovado nas forças
armadas, nem as ligações apropriadas, políticas e sociais.
O
que ele tinha eram quase vinte anos de serviço, o mínimo para se
reformar a meio soldo. Ou podia permanecer até ser forçado a se
reformar por não ser escolhido para almirante.
Não
havia necessidade de decidir imediatamente; a reforma aos vinte anos
era para daí a um ou dois anos.
Mas
ele se reformou quase imediatamente, por motivos de saúde. O
diagnóstico foi "psicose situacional", o que significava
que ele ficava doido quando trabalhava.
Ira,
não sei como avaliar isto. Dave me impressionou como um dos poucos
homens completamente sãos que já conheci. Mas eu não estava lá
quando ele se reformou, e a "psicose situacional" era a
segunda causa mais comum para reforma por motivos de saúde dos
oficiais de marinha naquele tempo; mas como podiam eles saber? Ficar
maluco não era nenhum empecilho para um oficial de marinha, não
mais do que o era para um escritor, um professor, um pregador ou
várias outras ocupações respeitáveis. Desde que David chegasse na
hora e assinasse a documentação que algum escriturário preparava,
e nunca desse respostas malcriadas aos seus superiores, isso nunca
seria notado. Lembro-me de um oficial da marinha que tinha uma
coleção espantosa de ligas de senhoras; ele costumava trancar-se em
sua sala e examiná-las; e de outro que fazia exatamente a mesma
coisa com uma coleção de rótulos de papel usados para franquia
postal. Qual deles era maluco? Ambos? Ou nenhum dos dois?
Outro
aspecto da reforma de Dave exige conhecimento das leis da época.
Reformar-se com vinte anos de serviço resultava em meio soldo,
sujeito ao imposto de renda, que era pesado. Reformar-se por
incapacidade física resultava em três quartos de soldo, ficando-se
isento do imposto de renda.
Não sei, simplesmente não
sei. Mas toda a questão se enquadra no talento de Dave para obter
resultados máximos com o mínimo de esforço. Vamos aceitar que ele
estivesse maluco, mas estaria ele completamente maluco?
Li anteriormente:
The Moon Is A Harsh Mistress (1966)
Stranger in a Strange Land (1961)
O Homem que Vendeu a Lua (1951)