Ernest Hemingway
O Adeus às Armas (1929)
De Hemingway li um punhado de livros há
já muitos anos, quase todos eles publicados depois de 1950; a
excepção era O Adeus às Armas. Pretendendo agora ler
algumas das obras pertencentes à sua primeira fase, decidi reler
este livro, cujo argumento tinha praticamente esquecido.
O Adeus às Armas, largamente
autobiográfico, narra a história de Frederic Henry, um
norte-americano alistado no exército italiano durante a Grande
Guerra, com a missão de condutor de ambulâncias, e o seu encontro
com uma enfermeira inglesa, Catherine Barkley, com quem viverá uma
grande paixão. Ferido num bombardeamento na frente de combate, o
período de convalescença e o regresso à frente, decorridos muitos
meses, trazem a Henry uma mudança de perspectiva e um sentimento
anti-militarista à medida que se vai confrontando com o imobilismo,
a perpetuação e a aparente inutilidade dos combates. Durante a
confusão de uma retirada, a polícia do exército confunde-o com um
espião, devido à sua nacionalidade estrangeira, e, na iminência de
ser fuzilado, Henry foge, para se reunir a Catherine, e abandonar de
uma vez o exército...
– Sou patriota
– disse Gino –, mas não posso gostar de Brindisi nem de Tarento.
– Você gosta
do Bainsizza? – perguntei.
– O solo é
sagrado – disse ele –, mas preferia que desse mais batatas. Sabe,
quando cá chegámos achámos batatais plantados pelos Austríacos.
– Tem havido
realmente falta de abastecimentos?
– Eu próprio
nunca tive o suficiente para comer, mas como muito, e não cheguei a
passar fome. A messe é razoável. Nas trincheiras, as tropas são
bem alimentadas, mas as de reforço nem tanto. Há algures qualquer
coisa que não funciona bem. Devia haver víveres mais que
suficientes.
– Os
especuladores vendem-nos por outro lado.
– Sim, dão aos
batalhões que estão nas trincheiras o mais que podem, mas os da
retaguarda ficam prejudicados. Comeram todas as batatas dos
Austríacos e as castanhas dos bosques. Era preciso que os
alimentassem melhor. Somos grandes comilões. Tenho a certeza de que
há comida em abundância. É muito mau para os soldados não comerem
o suficiente. Já reparou alguma vez como isso influencia a maneira
de eles pensarem?
– Reparei –
disse eu. – Não é coisa que faça ganhar uma guerra, mas pode
fazê-la perder.
– Não falemos
em perder a guerra. Já se fala de mais nisso. O que se fez este
Verão não pode ter sido em vão.
Eu não disse
nada. As palavras "sagrado", "glorioso" e
"sacrifício" e a expressão "em vão"
deixavam-me sempre embaraçado. Tínhamo-lo ouvido, muitas vezes, de
pé, à chuva, quase fora do alcance do ouvido, de forma que só nos
chegavam as palavras gritadas, e tínhamo-las lido em proclamações
que eram coladas sobre outras proclamações vezes sem conta, e eu
não tinha visto nada sagrado, e as coisas que eram gloriosas não
tinham glória e os sacrifícios eram como os matadouros de Chicago,
com a diferença de que a carne servia só para ser enterrada. Havia
muitas palavras que não se podiam suportar, e por fim só os nomes
dos lugares conservavam ainda dignidade. Com certos números
acontecia o mesmo, e também com certas datas, e estas, assim como os
nomes dos lugares, eram tudo quanto significava ainda alguma coisa.
Palavras abstractas como "glória", "honra",
"coragem" ou "santidade" tornavam-se obscenas
comparadas aos nomes concretos das aldeias, aos números das
estradas, aos nomes dos rios, aos números dos regimentos e às
datas. Gino era um patriota, e por isso dizia coisas que às vezes
nos separavam, mas era ao mesmo tempo um excelente moço, e eu
compreendia que ele fosse patriota. Tinha nascido assim. Regressou no
carro a Gorizia, juntamente com Peduzzi.
Li anteriormente:
Ilhas na Corrente (1970)
Na Outra Margem entre as Árvores
(1950)
O Jardim do Éden (1986)
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