Luís de Sttau Monteiro
Angústia Para o Jantar (1961)
Luís Sttau Monteiro afirmou-se
sobretudo como dramaturgo, a partir de Felizmente há Luar!,
peça que tem no seu currículo a dúbia honra de ter sido proibida
pela censura. Angústia Para o Jantar, datada do ano anterior
e segunda novela, após Um Homem Não Chora (1960), denota na
sua forma uma aproximação à escrita para teatro, dominada pelos diálogos
curtos e pelo monólogo interior. Adaptada para série televisiva em
1975 com leve aura de escândalo, talvez, imagino – eu era
demasiado novo para me deixarem ver “estas coisas” –, por uma
linguagem um tanto crua e cínica na descrição das luzes e sombras
de uma certa alta burguesia lisboeta de meados do século XX,
sociedade que o autor devia conhecer bem, já que ele próprio era
descendente de nobres e de altos funcionários do Estado.
Angústia Para o Jantar, encena
(é a palavra certa) o contraste entre Gonçalo, um próspero
industrial, e António, um funcionário humilde e falhado, antigos
condiscípulos que há 30 anos se encontram num jantar mensal, que é,
para ambos, um fardo do qual não querem ou não sabem como se
libertar. Pelo meio, surge Alexandra, amante do primeiro, que acaba
por ter um encontro fortuito com o segundo. Entretanto, a teorização
sobre as “pegas”, meticulosamente feita em parte de alguns
capítulos, ou as “regras dos jogos que não levam a nada”, estão
entre os trechos mais interessantes de um livro cujo maior defeito
será, talvez, a brevidade.
O jogador senta-se à mesa sozinho e dá
as cartas. Tantas para si, tantas para o ser imaginário com quem vai
jogar. Primeiramente pega nas suas. Estuda-se, escolhe uma e dá
início ao jogo. Cabe agora a vez ao parceiro imaginário. O jogador
pousa as suas próprias cartas e pega nas outras. Para que o jogo
exista, é forçado a jogar pelo parceiro como se não conhecesse o
seu próprio jogo e a ripostar como se não tivesse o jogo do
parceiro. Primeira jogada, segunda jogada, terceira jogada.
Cada vez se torna mais difícil
distinguir entre a cartada imposta pelo jogo que está na mesa e a
cartada que deriva do conhecimento do jogo alheio. O jogador quer
ganhar sem habilidades. Está na sua natureza detestar o caminho mais
fácil. Está na sua natureza respeitar o outro jogador. Está na sua
natureza respeitá-lo e destruí-lo assim que lhe for possível
fazê-lo. Sabe que o adversário lhe pagará na mesma moeda.
Presta-lhe essa homenagem. É a única homenagem que o jogador sabe
prestar e que deseja receber. Quarta jogada, quinta jogada, sexta
jogada. Quando joga sozinho, o jogador assume a posição do seu
adversário e não se poupa. Antes pelo contrário: para conservar o
respeito que tem por si próprio é ainda mais inteligente e mais
prudente ao jogar com as cartas do outro. O resultado está duvidoso.
Tanto o jogador como o ser imaginário que ele representa estão a
jogar com técnica e prudência. Ao jogar pelo outro, o jogador não
toma um só risco que não tomaria ao jogar com as suas próprias
cartas. Um deles vai perder. O jogador sabe que o resultado pode ser
definitivo. Sétima jogada, oitava jogada, nona jogada. É a última
cartada. Como está a jogar sozinho, o jogador pode evitar a derrota,
interrompendo o jogo. Pode e não pode. Se o fizesse não seria
jogador. Não admite sequer tal hipótese. Uma vez dadas as cartas, o
jogo seguirá até que um seja vencido. Ou eu ou ele. O jogador sente
que se aproxima a última cartada. Não pode voltar atrás. Não o
desejaria fazer. Respeita-se e respeita o adversário. Quando um
homem se mede, mede-se até ao fim. Quando um homem é capaz de se
medir até ao fim, confere ao seu semelhante o direito de fazer o
mesmo. A única cartada é a hora da verdade. Quem vencerá. Talvez o
adversário. O jogador admite-o sem rancor. Admite-o mesmo com certa
ternura, a ternura que une os homens que andaram na mesma guerra. O
jogador concentra-se. Joga.
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