Por Quem os
Sinos Dobram (1940)
Como afirma
Ricardo de la Cierva na Historia Total de España,
a mitologia da guerra civil
deve-se à plêiade de escritores estrangeiros
que visitaram e, por vezes,
intervieram activamente na guerra espanhola, quase sempre do lado
republicano, quando já eram famosos ou estavam prestes a sê-lo; e
foram precisamente as suas obras sobre Espanha, quase sempre, que os
consagraram de forma definitiva. Embora não tenham faltado autores
importantes a escrever sobre o lado franquista – e nomeia-os
–, é evidente que o lado republicano contou com uma autêntica
constelação de estrelas:
Hemingway, Orwell, Bernanos, Malraux, Koestler, Ehrenburg, Koltsov ou
Maritain. E – continua – ninguém parece ter percebido que
essas obras imortais eram novelas, ou seja, obras de ficção; e que,
portanto, a imagem histórica que se forjou noutros países sobre a
guerra civil espanhola era uma imagem de ficção.
Ernest
Hemingway passou por Madrid, em 1937, no papel de repórter, antes
de contribuir para a citada
mitologia com este livro, For Whom the Bell Tolls
no título original,
editado quando as cinzas da
guerra ainda fumegavam. Nele
se acompanha
Robert Jordan, um americano das Brigadas Internacionais, que se junta
aos guerrilheiros da montanha, na
região de Segóvia, com a
missão de dinamitar uma ponte. As
quase 500 páginas do livro decorrem nos quase quatro dias que
precedem a destruição da ponte e nos momentos
seguintes, para as consequências e o
desfecho.
A
Jordan, o Inglés,
pergunta-lhe uma das personagens: «És comunista?» «Não. Sou
antifascista» responde ele, numa
evasiva dir-se-ia, sendo
sabido
que, naquela
guerra, lutar ao lado dos republicanos era lutar do
lado dos soviéticos pelo triunfo do bolchevismo em Espanha – e sem
a desculpa da ignorância, porque, já então, era facto bem
conhecido que Estaline tinha as mãos sujas de sangue. Depois
das descrições de
violência gratuita e da
relação amorosa com a jovem Maria, a semente da dúvida instala-se
na mente de Robert Jordan, agora
já não tão indiferente pelo destino dos que o rodeiam. As
dúvidas que o assaltam nunca põem em causa as suas convicções, e
a razão do lado pelo qual combate, «em
prol de todos os pobres do mundo, contra todas as tiranias»,
conforme a mentirosa cartilha
sobejamente conhecida.
Mesmo assim, Hemingway
resiste a pintar a história a um preto-e-branco panfletário, sendo
que a coragem e a generosidade, tal como a malvadez e a estupidez,
podem ser encontradas nos dois lados em contenda. A
própria citação de John Donne, que abre o livro, onde se diz «a
morte de qualquer homem diminui-me, porque sou parte do género
humano», dá o tom apropriado.
Mas,
ao escolher o seu «lado»,
Hemingway, tal como muitos outros ao longo do tempo, terá sentido o
suporte
de uma duvidosa
«superioridade
moral»
devida
a um
Governo
tido por
«legítimo»,
derrubado pela «tenebrosa
revolta fascista».
(Em
nome desse princípio, quanta
asneira se tem feito
em Espanha nos últimos 40 anos!).
Pois bem: até essa cartada estava viciada, já
que os estudos mais recentes
(Manuel Álvarez Tardío, Roberto Villa García) e a documentação
trazida à luz do dia (as recuperadas memórias de Niceto
Alcalá-Zamora, Presidente
da República
entre 1931 e 1936,
roubadas da caixa-forte de um banco madrileno, em 1937, pelo Governo
republicano) provam, sem margem para dúvidas, que a Frente Popular
foi derrotada na eleições de Fevereiro de 1936 e não teve qualquer
pejo em recorrer a um «pucherazo»,
uma fraude eleitoral, para contornar uma desvantagem
de 700 mil votos.
Não, ele
executaria as ordens, embora tivesse a infelicidade de gostar das
pessoas de quem tinha de servir-se e iria sacrificar.
Todos os
trabalhos que os partizans tinham feito sempre haviam dado
azar e sempre pioraram a situação dos que os acolhiam e auxiliavam.
E para quê? Para que, no fim de contas, o país se visse livre de
todos os males e se tomasse um lugar agradável para viver. Era
verdade, por mais banal que isso pudesse parecer.
Se a República
se desmoronasse tornar-se-ia impossível para os que nela acreditavam
viver em Espanha. Mas seria assim? Era, estava certo disso pelo que
sabia que vinha acontecendo nas zonas onde os fascistas já
dominavam.
Pablo era um
porco, mas os outros eram gente espantosa e não seria traição
arrastá-los para aquele trabalho? Talvez. Mas se eles não o
fizessem, dois esquadrões de cavalaria viriam dentro em pouco
caçá-los naquelas montanhas, dentro de uma semana talvez.
Não. Não havia
nada a ganhar em deixá-los em paz. A menos que toda a gente fosse
deixada em paz e ninguém se metesse com o próximo. Então tu
acreditas verdadeiramente que o ideal é deixar toda a gente
tranquila? Sim, acreditava em tal. Mas então a sociedade organizada
e tudo o mais? Isso competia aos outros. Ele tinha mais que fazer,
terminada a guerra. Ele combatia naquela guerra porque a luta
irrompera num país que ele amava e porque acreditava na República,
e se a República fosse destruída a vida tornar-se-ia impossível
para os que acreditavam nela. Estava sob o comando comunista enquanto
durassem as operações. Aqui, em Espanha, eram os comunistas que
revelavam a melhor disciplina, a mais razoável e a mais sã porque,
na condução da guerra, eram o único partido cujo programa e
disciplina lhe inspiravam respeito.
Mas que opiniões
políticas eram então as suas? Não tinha nenhuma de momento. Mas
não iria dizer isso a ninguém. Nunca. É que vais fazer depois?
Voltar ao meu país para ganhar a vida a ensinar o espanhol, como
dantes e escrever um livro verdadeiro. Tenho a impressão, sonhava
ele, tenho a impressão de que me será fácil.
Li anteriormente:
O Sol Nasce Sempre (Fiesta) (1926)
O Adeus às Armas (1929)
Ilhas na Corrente (1970)
O Adeus às Armas (1929)
Ilhas na Corrente (1970)