Aleksandr Dugin
Introdução à Noomaquia (2018)
As dez "lições" que compõem a Introdução à
Noomaquia são o resultado de outras tantas palestras, dadas por
Aleksandr Dugin em Belgrado, em Março de 2018, na apresentação do
seu vasto projecto editorial, ainda em curso, Noomaquia. Sendo um
livro de filosofia pura, há alguns conceitos-base que é necessário
dominar, explicados logo no início, dos quais se destacam: o Nous,
que designa o pensamento, que se expressa através do Logos,
uma identidade cultural colectiva. Já Nietzsche tinha abordado a
questão do Logos, a forma de entender o mundo, atribuindo-lhe
um carácter apolíneo ou dionisíaco, aos quais Dugin acrescenta
agora o cibelino, que vem complementar e fechar o edifício teórico
dos conceitos anteriores. Todas as culturas, ou civilizações,
possuem estes três Logoi, em proporções diferentes, num
equilíbrio designado por momento noomáquico, que lhes
transmite a sua peculiaridade; este equilíbrio não é estático e,
com o tempo, o Logos predominante pode ser modificado, por causas
internas ou externas. A Noomaquia é essa guerra do Nous, do
pensamento, da visão do mundo, sempre latente como realidade
dinâmica.
A Noologia, o estudo do Nous, é aqui apresentada como
a base filosófica e metafísica da multipolaridade, no
reconhecimento da pluralidade das culturas, descartando desde logo
caminhos de desenvolvimento universal e normativos do pensamento. O
respeito pelas diferentes culturas no tempo e espaço, sem tentar
impor valores falsamente universais, nem enganosas escalas de
avaliação, torna a Noologia num instrumento ao serviço da Quarta
Teoria Política, também da autoria de Dugin, que está a construir
um dos mais importantes legados filosóficos dos pensadores da sua
geração.
Apesar do que o título possa sugerir, não é o livro de entrada no
tema – esse intitula-se «Em Busca do Logos Negro» – e,
neste momento, Aleksandr Dugin tem já uma longa série de obras a
ele dedicadas, sobretudo na análise do Logos particular dos
povos e respectivas culturas. A Introdução à Noomaquia
debruça-se essencialmente sobre as linhas de força da cultura
indo-europeia, desde a pré-História ao séc. XXI, sendo um livro
altamente recomendável para quem procura as chaves que ajudam a
entender os tempos presentes, bem como a razão de ser dos nossos
esquemas de pensamento.
A tradição da Grande Mãe, de origem balcânica e anatólia,
continuou assim a viver na cultura agrícola das sociedades
indo-europeias sedentárias. Primeiro houve uma expansão da
civilização matriarcal pré-indo-europeia por toda a Europa. Depois
houve a onda das invasões indo-europeias, que criaram sociedades
europeias mistas e sedentárias, sob hegemonia indo-europeia. E a
realidade é que essa camada campesina pré-indo-europeia matriarcal
sempre constituiu parte considerável da população da Europa. Isso
explica por que nos nossos contos populares, nos nossos mitos, nas
nossas tradições, existem tantos elementos e figuras matriarcais,
mais ou menos ocultos. No nível da casta dos trabalhadores, na
terceira função das sociedades indo-europeias, foram integradas ao
longo do tempo muitas histórias sobre cobras, rainhas, deusas,
espíritos, demónios e outras criaturas mitológicas femininas de
vários tipos — por exemplo, pense-se na Rusalka eslava. Isto
aconteceu porque, quando as tribos indo-europeias se estabeleceram,
assimilaram esse horizonte existencial na sua estrutura.
É como um “pacto histórico” entre vencedores e perdedores.
Oficialmente, a civilização da Grande Mãe perdeu essa batalha
titânica contra os deuses olímpicos, e essa vitória fundou todo o
nosso sistema ético e toda a sequência da história europeia, que é
a história de como os turanianos conquistaram a “Velha Europa”,
a civilização paleo-europeia. No entanto, o horizonte existencial
conquistado viveu e ainda vive em nossa sociedade, na terceira
função. Poderíamos até escrever uma história da casta europeia
de cultivo completamente paralela à “história oficial”, isso é
a história das obras e empreendimentos das duas primeiras castas
(reis, heróis, santos, aristocratas, etc.), como se estivéssemos a
lidar com uma civilização específica incorporada na “civilização
oficial”. Não sabemos quase nada sobre esse mundo, já que sempre
celebramos apenas os feitos das castas superiores. Só nos séculos
XVIII e XIX se passou a compilar o folclore desse mundo campesino,
num renascimento da tradição nacional que reagia contra o Medievo e
o feudalismo. E aí descobrimos que havia uma imensa quantidade de
narrativas e elementos sobreviventes da tradição europeia arcaica,
temas que no Medievo estava totalmente fora da esfera de interesses
das castas eruditas. [...]
Podemos definir o universo agrícola e camponês como o ponto de encontro de dois horizontes existenciais, dois Dasein, ambos pertencentes à nossa civilização europeia: o horizonte do Logos de Apolo, representado pela ideologia trifuncional oficial, e o horizonte do Logos de Cibele, uma ideologia paralela, que conota a tradição de matriarcal e está presente na parte escura, no subconsciente da sociedade agrícola e sedentária. A nossa sociedade é baseada neste momento de Noomaquia. Mas a Noomaquia é um conflito contínuo; por outras palavras, ele continua no presente. O Logos de Cibele continua a existir dentro da nossa civilização. Não podemos acreditar na vitória de um Logos de uma vez por todas. Se o Logos de Apolo enfraquece, significa que outro Logos está a tornar-se mais forte. Assim, se o patriarcado começar a dissolver-se — é o caso da modernidade ocidental e, em particular, da pós-modernidade — outra tendência contrária começará a aparecer, a tornar-se cada vez mais explícita.