24 de xullo de 2025

O Príncipe e o Pobre


Mark Twain
O Príncipe e o Pobre (1881)

O Príncipe e o Pobre, que foi publicado pela primeira vez em 1881 no Canadá, segue as normas de um romance histórico, tendo por pano de fundo a Inglaterra de meados do séc. XVI.
O livro conta uma história curiosa, no final do reinado de Henrique VIII, em que o Príncipe de Gales, e futuro Eduardo VI, se compadece de um maltrapilho agredido por um dos guardas reais, intervém e convida o mendigo para a sua mesa. Da conversa entre as duas crianças, cada um lamenta a própria situação e romantiza a vida do outro, pelo que decidem trocar de indumentária e de posição, temporariamente. Como são extremamente parecidos, ninguém nota a troca. E Tom Canty, o mendigo, vê-se de um momento para o outro a cumprir papel do príncipe na corte, onde ninguém toma a sério as suas declarações, ao tentar repor a verdade, acreditando-se antes que o "príncipe" está com um problema mental. Quanto a Eduardo, vai parar à vida dura do submundo, onde todos fazem chacota quando afirma ser príncipe — e depois rei, porque Henrique VIII morre naquela ocasião. Apenas Miles Hendon, um nobre que regressa da guerra, se apieda da situação de Eduardo e, sem acreditar na sua pretensa realeza, decide tomá-lo à sua protecção. Mas também Miles Hendon, quando regressa às suas propriedades, não é reconhecido pelo próprio irmão, e percebe o paralelo da sua situação com a de Edward. Depois de muitas peripécias, o equívoco é resolvido "in extremis" na cerimónia de coroação do novo rei, quando Tom Canty ajuda à recuperação do título que era devido ao verdadeiro rei, Eduardo VI.
O livro tem uma especial sensibilidade para o exercício da justiça e dos poderes reais, denunciando a arbitrariedade, e mesmo a desproporcionalidade e desumanidade que frequentes vezes resultava da aplicação da dita justiça.

Enquanto o verdadeiro rei vagueava pelo reino, mal vestido, mal alimentado, umas vezes algemado e achincalhado por vadios, outras misturado na prisão com ladrões e assassinos e era chamado de idiota e impostor por todos eles, o falso rei Tom Canty divertia-se com uma experiência diferente.
Quando o vimos pela última vez, a realeza estava a começar a mostrar-lhe um lado agradável. Esse lado tornava-se mais satisfatório ainda de dia para dia; em muito pouco tempo tinha-se tornado uma delícia tão boa como o brilho do Sol. Perdeu o medo; as vergonhas foram esquecidas e deram lugar a uma postura fácil e cheia de autoconfiança. Tirava tudo o que podia do apanhador de chibatadas, com resultados cada vez melhores.
Mandava vir Lady Elizabeth e Lady Jane Grey à sua presença, sempre que queria brincar ou conversar, e dispensava-as quando estava farto delas, com o ar de alguém familiarizado com tais situações. Não o atrapalhava mais que à saída essas importantes personagens lhe beijassem a mão.
Acabou por gostar de ser levado para a cama à noite com toda a cerimónia e de ser vestido de manhã com toda a complicação e solenidade. Dava-lhe um orgulhoso prazer ir para o jantar acompanhado por uma brilhante procissão de funcionários e cavalheiros pensionistas; de tal maneira, na verdade, que duplicou a quantidade destes últimos, passando-os a cem. Gostava de ouvir as trompas soarem pelos corredores e as vozes distantes responderem «Passagem para o rei!».
Até aprendeu mesmo a gostar de se sentar no trono da sala do conselho e a parecer alguma coisa mais do que o porta-voz do lorde protector. Gostava de receber os grandes embaixadores com as suas maravilhosas comitivas e de ouvir as mensagens de afecto vindas de ilustres monarcas, que lhe chamavam «irmão». Oh, feliz Tom Canty, vindo de Offal Court!
Gostava das suas esplêndidas roupagens e mandou fazer mais; achou que os seus quatrocentos criados eram muito poucos para a grandeza que lhe era devida e triplicou o seu número. A adulação e os salamaleques dos cortesãos entravam como música nas suas orelhas. Continuava bom e gentil, era um enérgico e determinado campeão da causa de todos os oprimidos e mantinha uma guerra sem tréguas contra as leis injustas; contudo, em certas ocasiões, ao sentir-se ofendido, podia-se virar contra um conde, ou mesmo um duque, e olhá-lo de tal maneira que o fazia tremer. Uma vez, quando sua real «irmã», a aborrecida e beata Lady Mary, decidiu discutir com ele a sabedoria da sua política de perdoar a tanta gente, que de outro modo estaria na prisão, ou seria enforcada, ou queimada, e lhe lembrou que as prisões do seu augusto e falecido pai tinham às vezes uma população de sessenta mil condenados, e que durante o seu magnífico reinado tinha mandado setenta e dois mil ladrões e gatunos para a forca, o menino encheu-se de generosa indignação, mandou-a meter‑se no seu quarto e pedir a Deus que lhe retirasse a pedra que tinha no peito e colocasse um coração.


Li anteriormente:
Histórias Alegres (1958)
As Aventuras de Tom Sawyer (1876)
As Aventuras de Huckleberry Finn (1884)

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