16 de novembro de 2025
A Brasileira de Prazins
Camilo Castelo Branco
A Brasileira de Prazins (1882)
O enredo desta obra, considerada o último grande romance do autor, passa-se no Minho, a partir de 1845, mais de uma década volvida sobre a convenção de Évora Monte e o triunfo da monarquia constitucional. Quando, entre antigos combatentes da causa realista, personagens miguelistas que aguardam o regresso do rei, corre o boato que D. Miguel I está na Póvoa de Lanhoso, para encabeçar a revolta destinada a repor o antigo regime, estas pessoas tomam o desejo pela realidade. Alguns chegam à fala com o "rei", que distribui prodigamente títulos nobiliários, promoções e prebendas, para quando voltar a ocupar o trono, espoliando pelo caminho o ouro entregue pelos crentes para ajudar a causa, até que o equívoco se desfaz e o impostor é desmascarado.
É neste fundo de rebelião miguelista que se desenvolve a história principal; Marta, filha de Simeão de Prazins, é prometida em casamento, pelo pai, a Zeferino das Lamelas, abastado mestre pedreiro, disposto a dar um considerável dote ao futuro sogro. Entretanto, Marta enamora-se do estudante José Dias, da família Vilalva, grandes proprietários agrários, que a pretende desposar e Simeão rompe o acordo com Zeferino, vendo em José Dias um melhor partido. Mas a mãe deste está disposta a tudo para impedir o casamento, e enquanto a situação se arrasta, anuncia-se o regresso do Brasil de Feliciano, irmão de Simeão, na posse de uma grande fortuna. José Dias acaba por morrer tuberculoso. Simeão, que tentara inutilmente convencer Marta a casar com o tio, é alvo de uma emboscada e, no leito de morte, obtém da filha a promessa de se casar com Feliciano.
O sargento parou á porta a familiarisar-se com a escassa luz da adega : — O' padre! isto aqui é que é a sala do throno? ou é o subterraneo da inquisição? Mande lá acender uma candeia, se não tem um archote.
— Ó mulher, traz d'ahi uma placa accêsa — disse o abbade Marcos, contrafazendo o seu terror.
E o homem, lá dentro atraz das pipas, tiritava como Heliogabalo na latrina, seu derradeiro refugio.
A Senhorinha entrou adiante com a placa, um luzeiro mortiço de cêbo com murrão que parecia condensar mais as trevas da lobrega caverna.
— Arranja ahi um fachoqueiro de palha, ó 14! Que raio de placa você cá traz, mulher!
— E' emquanto não pega bem a torcida — explicou a creada caminhando atraz do padre para o lado opposto ao esconderijo. Com effeito, a claridade difundia-se, mas tão de vagar que ninguém diria a velocidade que os naturalistas marcam a um raio de luz. Os soldados batiam com os nós dos dedos nos tampos das pipas que toavam o som abafado de cheias.
E o 14: — ó meu sargento, o tanso do abbade casca-lhe rijo no verdasco! Estão cheiinhas! E apontando para as duas pipas vasias do canto, o sargento perguntava se o vinho d'aquellas já lhe tinha cahido na sachristia — e dava piparotes na barriga do padre.
O abbade tinha uns sorrisos pallidos, compromettedores como uma denuncia. O 24 escutava e dizia que a modos que ouvira mexer coisa atraz das pipas!
— Hade ser ratos — conjecturou o abbade, tremulo, engasgado.
— Palpa com a bayoneta por traz das pipas, ó 24! — disse o sargento.
Assim que o aço da bayoneta raspou na parede, a Senhorinha começou a dar gritos, sentou-se a espernear, e perdeu os sentidos.
— Que diabo tem a velha?! — perguntou o Pilula — Dão-lhe estupores, eim?
— É flato, costuma-lhe a dar — elucidou o abbade. — O 24 voltara-se a vêr a velha escabujar, e retirara a bayoneta de traz das pipas. O abbade teve um momento de esperança, cuidando que o exame estava feito:
— Tem visto, snr. sargento? Aqui não ha nada. Os senhores vieram enganados a minha caza. — E caminhou para a porta com a luz.
— Espere ahi, seu padre! Anda-me com a bayoneta, 24. Escarafuncha-me esses ratos.
O outro soldado entrou no mesmo exame; e, apenas as bayonetas resvalaram por corpo que lhes abafava os tinidos metalicos das pontuadas, ouviu-se um grande estrupido de coisa que trepava pelas pipas. E n'isto appareceu uma cabeça com enormes barbas sobre um dos tampos.
— Oh! — bradou o Pilula! — muito bem apparecido n'esta funcção, snr. D. Miguel I! Suba p'ra cima d'esse throno e dê lá de cima um bocado de cavaco ás tropas! Mas o melhor é descer cá p'ra baixo, real senhor!
O 24, muito espantado, a olhar para a cabeça do homem:
— Parece o padre eterno, ó meu sargento!
— Com quem elle se parece com o Remexido do Algarve, — affirmava o 14.
— Desça d'ahi que ninguem lhe faz mal, homem. Está prezo á ordem do governador civil — concluiu o sargento com seriedade imponente.
— Este senhor?... não... — disse o abbade com as mãos postas.
— Não seja asno! — volveu o sargento. Este homem não é D. Miguel. É um faiante que o está aqui a comer a você e mais aos patólas da sua laia. Vá-lhe buscar a roupa, senão entra na escolta em mangas de camisa.
Li anteriormente:
Perfil do Marquês de Pombal (1882)
A Corja (1880)
Eusébio Macário (1879)
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