W. Somerset Maugham
O Véu Pintado (1925)
O Véu Pintado – The
Painted Veil no título original – é uma história de
adultério. Ao terceiro livro deste escritor, fico com a impressão
de que Somerset Maugham parece ter uma especial propensão para
escavar no lado mais obscuro das fraquezas humanas, num exercício
metódico de dissecação psicológica.
Kitty Garstin, uma mulher de 25 anos,
bonita mas fútil, é cortejada por Walter Fane, bacteriologista numa
cidade do extremo oriente, que passa um temporada em Londres. Quando
Walter lhe propõe casamento ela aceita, mesmo sem gostar dele,
porque, já com escassez de pretendentes, considera que aquela poderá
ser a sua última oportunidade. Com o marido de volta à China (à
cidade fictícia de Tching-Yen, dado que Somerset Maugham foi
impedido, por um processo em tribunal, de usar Hong Kong), Kitty é
seduzida por Charlie Townsend, titular de um cargo secundário na
administração local. Descoberta a traição, Kitty supõe,
erradamente, que Charlie se divorciaria para se casar com ela, mas o
escândalo significa o fim das suas ambições profissionais, das
quais ele não abdicaria por nenhum preço. Kitty vê assim gorados
os seus planos e com a obrigação de acompanhar Walter a outra
cidade, Mei-tan-fu, assolada pela cólera, sem compreender
inteiramente os motivos que levaram o marido, que passou a tratá-la
friamente, a tomar essa decisão.
Com o desenrolar do tempo e dos
acontecimentos, Kitty desenvolve uma auto-repulsão pelo seu
comportamento, tanto mais angustiante quanto ela reconhece o seu mau
proceder e se sente incapaz de conjurar a vontade para o evitar.
Ela fitou-o sem expressão. O que ele
acabava de dizer era tão inesperado que no primeiro momento o
sentido de suas palavras quase lhe escapara.
– Mas de que diabo está você
falando? – gaguejou.
Até para ela essa pergunta soava
falso, e no rosto grave de Walter a resposta foi um olhar de
desprezo.
– Quer me parecer que você me julgou
um tolo maior do que sou.
Ela não sabia ao certo o que dizer.
Hesitava entre uma indignada manifestação de inocência e uma
furiosa torrente de censuras. Ele pareceu ler-lhe os pensamentos.
– Tenho todas as provas necessárias.
Kitty começou a chorar. As lágrimas
lhe caíam sem angústia, e ela não as enxugava; o choro lhe dava
certo tempo para recompor-se. Mas nenhuma ideia lhe ocorria. Ele a
observava sem interesse, e sua calma assustava-a. Walter
impacientou-se.
– Não é chorando que você
remediará a situação.
O tom áspero e frio com que ele disse
estas palavras despertou nela certa indignação. Kitty começou a
recuperar o domínio de si mesma.
– Pouco me importa. Acho que você
não se oporá ao divórcio. Para um homem isso não significa coisa
alguma.
– Permita-me perguntar-lhe por que
motivo eu me daria o menor incómodo por sua causa?
– Isso não lhe fará nenhuma
diferença. Não é muito pedir que você proceda como um cavalheiro.
– Tenho demasiada consideração pelo
seu bem-estar.
Ela aprumou-se na cadeira e enxugou os
olhos.
– Que quer dizer com isso?
– Townsend somente se casaria com
você se houvesse um processo e o caso fosse tão vergonhoso que a
mulher dele se visse forçada ao divórcio.
– Você não sabe de que está
falando – exclamou ela.
– Sua tola!
Havia tal desprezo na voz dele que
Kitty ficou vermelha de raiva. E essa raiva talvez fosse maior porque
ela nunca lhe ouvira senão palavras doces, agradáveis e
lisonjeiras. Estava habituada a vê-lo submisso diante de todos os
seus caprichos.
– Se você quer saber a verdade, pode
saber. Ele está ansioso por casar-se comigo. Dorothy Townsend está
perfeitamente disposta a conceder o divórcio, e nós nos casaremos
assim que estivermos livres.
– Ele lhe disse tal coisa com essas
mesmas palavras ou é você que tem essa impressão?
Os olhos de Walter brilhavam com acerba
zombaria. E faziam-na sentir-se um tanto inquieta. Ela não estava
muito certa de que Charlie tivesse dito aquilo com tantas palavras.
– Disse e redisse.
– Isso é mentira, e você sabe que é
mentira.
Li anteriormente:
Um Gosto e Seis Vinténs (1919)
Servidão Humana (1915)
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