Robert A.
Heinlein
To Sail Beyond
The Sunset (1987)
To Sail Beyond
The Sunset é o último livro do ciclo Future History, o
terceiro da sub-divisão The World as Myth, publicado no ano
anterior ao da morte de Heinlein. O livro é centrado na personagem
de Maureen Johnson, mãe de Lazarus Long, que assume o papel de
narradora, na primeira pessoa. Maureen, foi apresentada ao leitor na
parte final de Time Enough for Love, quando Lazarus viaja no
tempo até à sua infância; em The Number of The Beast,
Lazarus, com a ajuda das quatro personagens principais e da sua nave
senciente Gay Deceiver, concebem uma manobra que resulta na resgate
de Maureen, retirada do seu tempo no momento em que historicamente
morre por acidente, para ser transportada para Tertius no futuro
distante onde Lazarus e o seu clã vivem. Em The Cat Who Walks
Through Walls, Maureen era já uma das personagens secundárias
integradas no círculo familiar de Lazarus. Daqui facilmente se
poderá deduzir que To Sail Beyond The Sunset é novamente
ambientado na temática dos universos paralelos, tornada
preponderante a partir de The Number of The Beast; na
realidade, contém numerosas referências a factos passados nos
livros anteriores, mas quatro quintos deste tomo não não têm
qualquer assomo de ficção científica.
No capítulo 1
encontramos Maureen, acompanhada de Pixel (o gato que atravessa as
paredes), aparentemente apanhada num universo paralelo que não
consegue identificar nem se recorda como lá chegou; o
desenvolvimento dessa situação é retomado normalmente nos escassos
primeiros parágrafos de cada um dos capítulos seguintes, acabando
por se mencionar a sua integração no já conhecido Time Corps –
uma organização que interfere em diversas linhas temporais tentando
“consertar” a História, ou seja, fazer com que ela decorra “no
bom sentido”. Será necessário esperar pelos três últimos
capítulos para o desenlace desta trama. Entretanto, o grosso de To
Sail Beyond The Sunset acompanha em retrospectiva a vida de
Maureen Johnson, desde a sua adolescência, em finais do séc. XIX. A
educação transmitida pelo pai, Ira Johnson, a revelação dos
planos da Howard Foundation, ainda nos primórdios; depois a vida
adulta e familiar, o casamento com Brian Smith (personagem que reúne
várias características autobiográficas), o nascimento dos
dezassete filhos. Como pano de fundo, o panorama histórico da época
– as guerras, as mudanças tecnológicas, as convulsões sociais –
o que dá a Heinlein a oportunidade para um pequeno e incisivo ajuste
de contas com o séc. XX, do qual o excerto abaixo transcrito é um
belíssimo exemplo.
O tempo narrativo
decorre mais lentamente até aos anos da Grande Guerra – quando se
revisita o encontro de Maureen e Lazarus (sob o nome Theodore
Bronson) em 1917, já descrito em Time Enough For Love, agora
sob a perspectiva de Maureen – e vai progressivamente acelerando à
medida que passa pela Terça-feira Negra de 1929, pela II Guerra
Mundial e pelas décadas seguintes, com uma paragem em 1952 para
descrever com detalhe a relação conflituosa com dois filhos
adolescentes; volta a abrandar depois, no capítulo 23, para efectuar
a ligação ao argumento de The Man Who Sold the Moon. O
capítulo seguinte resume os anos decorridos até 1982, e termina com
a sua morte e renascimento em Tertius. E tudo isto com um grande
enfoque na sua vida sexual ou dos seus familiares. Nesse aspecto, não
fica pedra sobre pedra: os homens deste livro têm uma forte vontade
de usar um grande par de chifres, há swingers com fartura e o
incesto é coisa pouca – como, aliás, já se havia visto nos
livros anteriores. A diferença, aqui, é que o tempo histórico e o
fundo sociológico não servem de desculpa, ao contrário de outras
circunstâncias verificadas ao longo da Future History (por
exemplo em The Moon is a Harsh Mistress).
Isto leva-nos
directamente à análise das ideias que Robert A. Heinlein veicula
através das suas personagens. Recorde-se que Heinlein seguiu uma
carreira militar, a qual se viu forçado a abandonar, por motivos de
saúde, aos 27 anos; por isso não surpreende a sua tendência para
valorizar a ordem e a hierarquia nem o facto de ser referir sempre em
termos apologéticos à instituição militar e respectivos valores.
Natural do estado do Missouri, no midwest, a cultura do
chamado “Bible Belt” deve tê-lo vacinado de algum modo, pois
tornou-se ateu. Apesar do desenfreamento das personagens e das
constantes agulhadas à moral e crenças cristãs, isso não
transborda da sua esfera privada e participam na vida religiosa da
comunidade, cuidando de manter as aparências; afirma-se, algures no
capítulo 7, que o Maio de 68 não trouxe o “comportamento de uma
cultura verdadeiramente livre; foi apenas a oscilação do pêndulo”.
Apesar das mulheres desinibidas que estão no centro deste livro –
e noutros da mesma série –, a igualdade de direitos nunca se
confunde com o feminismo, pois elas interiorizam e assumem
simultaneamente a sua posição mais ou menos tradicional na
sociedade. Para além de todas estas contradições há outra ideia,
mais que subliminar, a atravessar a narrativa e que se poderia
resumir na frase «In Money we trust»... Inicialmente um democrata,
Heinlein acabou por se aproximar dos republicanos, embora se
considerasse libertário. Acusado de quase tudo – libertino,
fascista, fetichista, racista, etc. – este escritor é mais um
produto da cultura estado-unidense (ou da falta dela), liberal,
eminentemente materialista, e incongruente até ao fim.
Time
line three, code Neil Armstrong, is the native world of my
sister-wife Hazel Stone (Gwen Campbell) and of our husband Dr Jubal
Harshaw. This is an unattractive world in which Venus is
uninhabitable and Mars is a bleak, almost airless desert, and Earth
itself seems to have gone crazy, led by the United States in a
lemming-like suicide stampede.
I
dislike studying time line three; it is so horrid. Yet it fascinates
me. In this time line (as in mine) United States historians call the
second half of the twentieth century the Crazy Years — and well
they might! Hearken to the evidence:
a)
The largest, longest, bloodiest war in United States history, fought
by conscript troops without a declaration of war, without any clear
purpose, without any intention of winning — a war that was ended
simply by walking away and abandoning the people for whom it was
putatively fought;
b)
Another war that was never declared — this one was never concluded
and still existed as an armed truce forty years after it started...
while the United States engaged in renewed diplomatic and trade
relations with the very government it had warred against without
admitting it;
c)
An assassinated president, an assassinated presidential candidate, a
president seriously wounded in an assassination attempt by a known
psychotic who nevertheless was allowed to move freely, an
assassinated leading Negro national politician, endless other
assassination attempts, unsuccessful, partly successful, and
successful;
d)
So many casual killings in public streets and public parks and public
transports that most lawful citizens avoided going out after dark,
especially the elderly;
e)
Public school teachers and state university professors who taught
that patriotism was an obsolete concept, that marriage was an
obsolete concept, that sin was an obsolete concept, that politeness
was an obsolete concept — that the United States itself was an
obsolete concept;
f)
School teachers who could not speak or write grammatically, could not
spell, could not cipher;
g)
The nation's leading farm state had as its biggest cash crop an
outlawed plant that was the source of the major outlawed drug;
h)
Cocaine and heroin called ‘recreational drugs’, felonious theft
called ‘joyriding’, vandalism by gangs called ‘trashing’,
burglary called ‘ripping off’, felonious assault by gangs called
‘mugging’ and all of these treated as ‘boys will be boys’, so
scold them and put them on probation but don't ruin their lives by
treating them as criminals;
i)
Millions of women who found it more rewarding to have babies out of
wedlock than it would be to get married or to go to work.
I
don't understand time line three (code Neil Armstrong) so I had
better quote Jubal Harshaw, who lived through it. ‘Mama Maureen,’
he said to me, ‘the America of my time line is a laboratory example
of what can happen to democracies, what has eventually happened to
all perfect democracies throughout all histories. A perfect
democracy, a "warm body" democracy in which every adult may
vote and all votes count equally, has no internal feedback for
self-correction. It depends solely on the wisdom and self-restraint
of citizens... which is opposed by the folly and-lack of
self-restraint of other citizens. What is supposed to happen in a
democracy is that each sovereign citizen will always vote in the
public interest for the safety and welfare of all. But what does
happen is that he votes for his own self-interest as he sees it...
which for the majority translates as "Bread and Circuses".
‘"Bread
and Circuses" is the cancer of democracy, the fatal disease for
which there is no cure. Democracy often works beautifully at first.
But once a state extends the franchise to every warm body, be he
producer or parasite, the day marks the beginning of the end of that
state. For when the plebs discover that they can vote themselves
bread and circuses without limit and that the productive members of
the body politic cannot stop them, they will do so, until the state
bleeds to death, or in its weakened condition the state succumbs to
an invader — the barbarians enter Rome.’
Li anteriormente:
The Cat Who Walks
Through Walls (1985)
The Number of the
Beast (1979)
Amor Sem Limites
(1973)