Volfrâmio
(1943)
Os
restos mortais de Aquilino Ribeiro foram trasladados em 2007 para o
Panteão Nacional, facto que, nos
tempos que
correm,
não constitui
propriamente a melhor das recomendações.
O escritor
associou-se, durante a juventude, à maçonaria e ao terrorismo
carbonário, foi perseguido e encarcerado por conspiração durante a
Monarquia. Após a Revolução Nacional de 1926 foi novamente preso,
por participação numa revolta, e evadiu-se para França, onde já
tinha permanecido em diferentes períodos desde a implantação da
República. A partir de 1933, com a atribuição de prémios
literários e o reconhecimento da sua obra, Aquilino parece ter
esmorecido a veia «activista», excepção feita no apoio da
candidatura à presidência de Humberto Delgado, em 1957; contudo,
nunca deixou de ser persona
non grata
no Estado Novo. É considerado um dos romancistas portugueses mais
notáveis da primeira metade do séc. XX, e este título está entre
os mais
representativos da sua obra.
Volfrâmio
decorre nos anos da II Guerra Mundial, num ambiente de ruralidade que
há muito desapareceu. A exploração desse minério valioso,
disputado na indústria bélica, e a miragem de riqueza que
proporciona da noite para o dia, afecta profundamente a aldeia e o
quotidiano de quantos nela vivem, modificando comportamentos,
corroendo a comunidade, deixando um rasto de morte. O volfrâmio, diz
uma personagem, «...só lhes serviu para ganhar vícios e maus
costumes. Como havia de dar pão uma coisa que é para matar...?!»
A prosa de
Volfrâmio é escorreita e atractiva, apesar da catadupa de
regionalismos e da escolha de um vocabulário que me obrigaram a
interromper constantemente a leitura — obrigado, Priberam!
Lavradores
patudos, tão fonas como suspicazes, que noutros tempos seriam
insusceptíveis de arriscar uma coroa com o veterinário, se tinham a
vaca doente, ou ir à consulta do subdelegado de saúde, se lhes
sobreviesse uma tifóide, associavam-se uns com os outros,
desmentindo o princípio de que o português era um primário na fase
da inaglutinação.
Associavam-se às
três pancadas e um pouco à toa revolviam o solo onde aflorasse veio
de quartzo, ou qualquer filão encasquetado em granito, rasgando
valados e fojos absurdos. Por montes e vales a terra aparecia picada
desta furunculose, esvurmadoiros de saibro e rimas de pedra,
estilhaçada a pólvora bombardeira e a gatilho. O resultado as mais
das vezes era calamitoso. Mas no meio da vesânia geral não havia
maneira de um insucesso pôr entraves aos despaurérios da cobiça.
Cavavam onde lhes sugeria o sonho, onde punham nada mais que o
palpite, à falta dum indicador no género do Livro de S. Cipriano, e
em muitos casos sem outra razão que a de serem donos de duas
aguilhadas de saibro ou de fraga.
— Vamos
experimentar na belga — avisava-se de dizer um belo dia o
visionário à tribo congregada. — Pode ser que lá se encontre
mamara.
A mamara era o
volfro, porque às qualidades nutritivas do leite maternal reunia a
vantagem de ser grato Deo. E, dito e feito, viravam a courela
desde os penetrais ao húmus. Esgaivavam na seara e no maninho, por
baixo das casas e das ruas, e para as bandas do Ladário o fosso foi
de tal ordem que se assapou sobre os pesquisadores a capela dum
santo. Nas arribas a pique do Cairria, cerca da ponte da Mizarela,
trabalhavam firmados em andaimes sucessivos, suspensos por amarras do
alto cairel. Uma martelada imprudente cortou a corda e três homens
vieram britar-se nos abismos rochosos da torrente. Aqui era uma
família que fazia a lavra por sua conta e risco, além um poviléu
inteiro que, animado de espírito comunal, manobrava a toque de sino
a picareta e a enxada. E acontecia da manhã para a noite ficarem uns
podres de ricos, devorarem outros o seu e o alheio.
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