Julius Evola
Revolta Contra
o Mundo Moderno (1934)
Há
menos de três anos o nome de Julius Evola era para mim absolutamente
desconhecido. Uma série de artigos publicados num semanário
prenderam-me a atenção e, desde então, devo ter lido centenas de
páginas em artigos e excertos da sua obra. Estas
leituras não só o transformaram, a meus olhos, no mais importante
pensador do séc. XX, como me levaram a outros filósofos – René
Guénon, por exemplo –
nas
referências aí contidas.
Datado
de 1934 – e certamente
objecto de revisões em edições posteriores, pois refere-se
factos sucedidos após essa data – Revolta
Contra o Mundo Moderno
é, como eu já sabia, uma análise demolidora da
modernidade, das suas crenças e fundamentos, da causas
da involução
e degradação
civilizacional que atinge o Ocidente em geral e a Europa em
particular; Evola
descreve as características da civilização
tradicional e os factores que, uma vez postos em marcha, a arrastam
fatalmente à queda.
Por isso não
existe aqui qualquer réstia de esperança; identificado tempo
presente como a Idade última, que
antecederá uma restauração das condições primordiais
(em Evola o
tempo é cíclico e não linear), não nos caberá viver o novo
amanhecer. Neste combate de causa perdida, «preocupemo-nos
só com uma coisa: manter-nos de pé num mundo de
ruínas».
Essa
será
a precisa
razão porque
Julius Evola continuará
a ser um ilustre desconhecido: num
mundo em que o materialismo triunfou
sobre a espiritualidade, as
suas ideias e
os valores que promove parecem
deslocados,
ultrapassados,
para além da “razoabilidade”
– ninguém
gosta de más notícias, o discurso do “progresso” parece
muito mais atraente.
Daí a
profunda cortina de silêncio sobre o autor e respectiva obra, a
desvalorização e
o enviesamento
– basta ler o que qualquer enciclopédia corriqueira dirá sobre
ele, suficiente para afugentar quem lá tiver chegado por acaso –,
quando não o
apagamento puro e simples.
É
uma palavra de ordem que faz parte das convenções da historiografia
moderna a exaltação polémica da civilização do Renascimento
contra a medieval. Se não se tratasse de uma das numerosas sugestões
difundidas na cultura moderna pelos dirigentes da subversão mundial,
teria de se ver nisso a expressão de uma incompreensão típica. Se,
depois do fim do mundo antigo, houve
uma civilização que tenha merecido o nome de Renascimento
foi precisamente a Idade Média.
Na sua objectividade, no seu «virilismo», na sua estrutura
hierárquica, na sua soberba elementaridade anti-humanística, tão
frequentemente penetrada de sacro, a Idade Média foi como que uma
nova chama do espírito da civilização una e universal das origens.
A verdadeira Idade Média surge-nos sob características clássicas,
e em nada românticas. O carácter da civilização que se lhe
sucedeu tem um significado totalmente diferente. A tensão que
durante a Idade Média tinha tido uma orientação essencialmente
metafísica degrada-se e muda de polaridade. O potencial
anteriormente recolhido sobre a direcção vertical — para cima,
como no símbolo das catedrais góticas — descarrega-se no presente
na direcção horizontal, para fora, produzindo, por sobressaturação
de planos subordinados, fenómenos capazes de sensibilizar o
observador superficial: na cultura a irrupção tumultuosa de
múltiplas manifestações de uma criatividade quase totalmente
privada de toda a base tradicional ou meramente simbólica, e
portanto profana e dessacralizada; no plano exterior, a expansão
quase explosiva dos povos europeus no conjunto de todo o mundo no
período dos Descobrimentos, das explorações e das conquistas
coloniais, que corresponde mais ou menos ao do Renascimento e do
Humanismo. São os efeitos de uma libertação de forças idêntica à
que se produz durante a decomposição de um organismo.
Pretendeu-se
ver no Renascimento, em muitos dos seus aspectos, um retomar da
civilização antiga, descoberta de novo e reafirmada contra o
sombrio mundo do cristianismo medieval. Trata-se
de um grave equívoco. O Renascimento só retomou do mundo antigo
formas decadentes, e não as das origens, que estavam penetradas de
elementos sacros e suprapessoais, ou então retomou-as desprezando
completamente estes elementos e utilizando a herança antiga numa
direcção absolutamente diferente. No Renascimento a «paganidade»,
de facto, serviu essencialmente para desenvolver a simples afirmação
do Homem, para fomentar uma exaltação do indivíduo, que passa a
inebriar-se com as produções de uma arte, de uma erudição e de
uma especulação privadas de qualquer elemento transcendente e
metafísico.
[...]
No seu sentido
mais geral, o humanismo pode-se dizer que é o estigma e a
palavra de ordem de toda a civilização que se libertou das «trevas
da Idade Média». Com efeito, esta civilização já só conhecerá
o homem: é no homem que começarão e acabarão todas as coisas; é
só no homem que assentam os céus e os infernos, as glorificações
e as maldições que agora serão conhecidas. É este mundo —
o outro do verdadeiro mundo — com as suas criações da
febre e da sede, com as suas vaidades artísticas e os seus «génios»,
com a selva das suas máquinas e das suas fábricas e, por fim, com
os seus chefes populares, que constituirá o limite para o homem.
A primeira forma
sob a qual aparece o humanismo é o individualismo. Este
caracteriza-se pela constituição de um centro ilusório fora do
centro verdadeiro, como pretensa prevaricação de um «Eu» que é
simplesmente o mortal do corpo — e como construção por
meio de faculdades puramente naturais, que agora criam e defendem,
através das artes e ciências profanas, aparências diferentes que,
fora deste centro falso e vazio, não têm a menor consistência;
verdades e leis essas marcadas pela contingência e pela caducidade
próprias de tudo o que pertence ao mundo do devir.
Daí, um
irrealismo radical, uma radical organicidade em tudo o que é
moderno. Tanto por dentro como por fora, já nada será vida, tudo
será construção: ao ser agora extinto, substituem-se
em todos os aspectos o «querer» e o «Eu», como que num sinistro
sustentáculo racionalista e mecanicista de um corpo morto. Tal como
no pulular vermicular das putrefacções, desenvolvem-se então as
mil conquistas, as mil superações e as mil criações do homem
novo. Abre-se o caminho a todos os paroxismos, a todas as manias
inovadoras e iconoclastas, a todo um mundo de uma retórica
fundamental em que, tendo-se substituído o espírito pela imagem
do espírito, já não conhecerão limites as fornicações
incestuosas do homem nos campos da religião, da filosofia, da arte,
da ciência e da política.
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