18 de setembro de 2024

História da Literatura Universal, I - III


Eduardo Iáñez
História da Literatura Universal, I - III
Vol. I – As Literaturas Antigas e Clássicas (1989)
Vol. II – A Idade Média (1989)
Vol. III – O Renascimento Literário Europeu (1989)


A História da Literatura Universal, de Eduardo Iáñez, foi publicada inicialmente em Espanha e, poucos anos depois, conheceu edição portuguesa. É uma extensa monografia, em nove volumes, de informação necessariamente abreviada. Cada parágrafo poderia ser tema para um livro, e o mesmo até se aplicará, por vezes, a cada frase. Uma vida inteira não seria suficiente para ler os livros inventariados, sendo, não obstante, uma boa sistematização de nomes e títulos, com a informação essencial, ordenada cronológica e geograficamente, extremamente útil como livro de consulta, ou como sugestão de leituras.
O Vol. I divide-se entre a literatura oriental antiga (egípcia, mesopotâmica, hebraica, indiana, chinesa), as literaturas clássicas (grega, romana) e a literatura cristã. O Vol. II inclui a literatura greco-latina medieval (bizantina, latina medieval), literatura islâmica clássica (árabe, persa, hispano-islâmica), literaturas célticas, germânicas (anglo-saxónica, germana, islandesa) e as literaturas nacionais europeias (francesa, provençal, galaico-portuguesa, catalã, castelhana, alemã, inglesa, italiana). O Vol. III inclui as literaturas do Renascimento europeu na Itália, França, Espanha, Portugal, Alemanha e Inglaterra.
Como exemplo, fica um excerto de cada um dos volumes.

Temos de ter em conta, para toda a produção de Homero e, em geral, para a produção clássica ocidental, que a lenda era a forma usual de transmissão das grandes façanhas históricas, isto é, a maneira como o povo vivia a sua história e à qual concedia um valor no todo similar ao que hoje concedemos ao trabalho historiográfico de cariz científico. Não é por isso de estranhar que todas estas lendas que se vinham transmitindo oralmente tomassem posteriormente uma forma literária e – concretamente para as gestas heróicas – épica.
Para o que em particular nos interessa, não se pode esquecer que existiam muitos destes poemas épicos referentes à Guerra de Tróia, êxito que haveria de revelar-se como transcendente para o povo grego. Isto não quer dizer que Homero, para a sua Ilíada, fizesse com eles uma espécie de selecção, simplificação ou justaposição, mas que o autor apenas se serviu do antigo material que a tradição lhe oferecia para realizar a sua obra como uma produção totalmente nova. No que toca ao ambiente, o da Odisseia é totalmente distinto do mundo da Ilíada: aquela não deve a sua origem a lendas heróicas ou a feitos históricos, sendo os seus motivos geralmente fabulosos e míticos, numa linha que a aproxima grandemente – pelo que a trama tem de intrincado – do novelesco. Enquanto a Ilíada é de carácter plenamente marcial e belicoso, a Odisseia apresenta-se mais suave e tranquila, facto que leva a considerá-las, até quase à entrada da época contemporânea, como produção, respectivamente, de juventude e madureza, e, por sua vez, consideradas, por estas mesmas características, epopeia e novela épica claramente diferenciadas no seu tom e orientação.

Mas a sua melhor produção é, sem dúvida, Persival (ou Conto do Graal), escrito entre os anos 1181 e 1190, e inacabada, talvez pela complexidade que a sua composição encerra. Sucesso magistral no lendário, este roman foi, até aos nossos dias, a compilação mais perfeita do tema arturiano naquilo que contém de misterioso, irreal e simbólico. As interpretações sucederam-se, sobretudo devido ao seu carácter incompleto, e ainda hoje não se conhece claramente qual era a intenção última de Chrétien ao compor a obra. Persival torna-se o símbolo do cavaleiro que aí chegou por convencimento íntimo e, sobretudo, pela fé nos seus ideais.
Separado da corte pela sua mãe, vive, em criança, como um selvagem num bosque; mas ao passarem por ali uns cavaleiros, fica deslumbrado com a beleza das suas armas e decide ir à corte de Artur, onde recebe ensinamentos de cavalaria, até se armar. Ali, apaixona-se por Brancaflor e, numa das suas aventuras, surge frente a um castelo onde é acolhido pelo rei Pescador e onde um pajem e uma donzela aparecem com uma lança gotejante de sangue e um graal (taça de pé comprido) que irradia uma grande luminosidade. Não pergunta o seu significado e, ao deixar o castelo, este desaparece. Regressado à corte, narra a estranha aventura e todos os cavaleiros da Távola Redonda saem em busca do castelo e do graal, que julgam conter uma hóstia da qual se alimenta o pai do rei Pescador, o rei Tulido, por sua vez tio de Persival, doente devido a um encantamento do qual poderia ter-se livrado apenas se o cavaleiro tivesse perguntado o significado dos objectos (que parecem inequivocamente relacionados com a Paixão de Jesus Cristo e a Eucaristia). A obra fica inacabada, e todo o simbolismo que encerra, inconcluído, serviu para que a lenda fosse continuada posteriormente.

Prosador por excelência, Cervantes transcende com a sua obra o simples nome de «prosa» que temos dado até agora às obras narrativas europeias e, por isso, produz uma verdadeira «novela» conforme hoje a entendemos. E isto não porque, como afirma nas suas Novelas Exemplares, seja ele «o primeiro que enovelou em prosa na língua castelhana; que as muitas novelas que nela já estavam impressas, todas são traduzidas de línguas estrangeiras», mas sobretudo porque a sua obra não se limita a uma concepção novelística conforme era entendida no Renascimento. Ou seja, Cervantes supera os pressupostos novelísticos da narrativa europeia – devedora da italianizante, via Bocácio e mais tarde através de Bandellon –, a que ele mesmo esteve limitado nas suas Novelas Exemplares, graças a uma obra magistral, o Quixote, a primeira novela em sentido moderno que encontramos na história da literatura universal, até ao ponto de não ser compreendida senão no século XIX, momento de criação do que hoje consideramos como verdadeira «novela» na tradição ocidental.
Em Espanha, os sucessos narrativos de Cervantes, em si magistrais, não foram prosseguidos até ao século XIX: no que diz respeito à novela longa, de que é um prelúdio, não se segue a tradição cervantina; a novela de cavalaria, pelo seu lado, estava já esgotada quando Cervantes escreve o Quixote; o mesmo sucedia com a novela pastoril, de pouca importância em Espanha, e com a novela bizantina, recuperada à luz de certas condições muito particulares. Depois de Cervantes, portanto, o género revelou-se em franca decadência, embora autores tradicionais e satíricos posteriores tivessem conseguido produzir obras realmente válidas, mas pouco «narrativas», ou seja, desinteressadas pelos aspectos de construção novelística e seguidoras da linha tradicional de narração, mais cingida ao quadro descritivo do que à acção e à integração estrutural, praticamente nula.

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