2 de marzo de 2025

Leviathan


Paul Auster
Leviathan (1992)

Leviathan não é o romance mais considerado de Paul Auster, recentemente desaparecido, mas foi o título que me deu a conhecer o nome do autor, na altura em que foi publicado.
É a narrativa, na primeira pessoa, de um escritor, Paul Aaron, sobre outro escritor, Benjamin Sachs, que conheceu numa sessão de leitura falhada, em meados dos anos 70. Na verdade, o livro começa pelo fim, quinze anos depois, com uma explosão, na qual Sachs perece, e com a visita de dois agentes do FBI a Aaron, em busca de informações sobre o falecido. Depois, toda a história é contada na reconstrução e recordação daquela amizade que ligou os dois escritores, o seu círculo pessoal e a interação dessas pessoas, com acercamentos e afastamentos, e de como Sachs abandonou a escrita, e os amigos, para se dedicar ao activismo bombista que acabaria por lhe custar a vida.
Como livro dentro do livro, Aaron decide escrever um livro chamado Leviathan em homenagem ao amigo desaparecido (o título pertenceria a uma obra que Sachs desistiu de terminar), e resumir a sua passagem por esses quinze anos. Aparte algumas coincidências inverosímeis que estruturam a narrativa, Aaron junta a sua experiência pessoal aos diálogos e divagações das várias personagens na construção de um percurso, que nem sempre é coerente, deixando propositadamente versões contraditórias dos acontecimentos, ou seja, verdades subjectivas, para que o leitor, de alguma forma imerso numa história com pontas soltas, possa fazer a sua própria reflexão.

Subimos para o telhado com os outros e, apesar da minha relutância inicial, estava contente por assistir ao fogo-de-artifício. As explosões tinham transformado Nova Iorque numa cidade espectral, uma metrópole sitiada, e eu saboreava a absoluta violência de tudo aquilo: o barulho incessante, as corolas de luz das explosões, as cores flutuando através de imensos dirigíveis de fumo. A Estátua da Liberdade erguia-se no porto à nossa esquerda, incandescente na glória das suas iluminações, e parecia-me que a todo o momento os edifícios de Manhattan iam saltar pela raiz, erguer-se do chão para nunca mais voltarem. Fanny e eu estávamos sentados atrás dos outros, com os saltos dos sapatos fincados para resistir à inclinação do telhado, os ombros encostados, falando sobre nada em particular. Reminiscências, as cartas que Iris mandava da China, David, o artigo de Ben, o museu. Não quero dar muita importância ao caso, mas, uns momentos antes de Ben cair, tínhamos desviado a conversa para a história que ele e a mãe nos tinham contado acerca da visita à Estátua da Liberdade em 1951. Dadas as circunstâncias, é natural que a história tenha surgido, mas não deixa de ser horrível, pois, mal tínhamos acabado de rir os dois perante a ideia de alguém cair da Estátua da Liberdade, Ben caía da escada de salvação. No instante seguinte, Maria e Agnes começaram a gritar. Foi como se o facto de pronunciarmos a palavra queda tivesse precipitado uma verdadeira queda e, mesmo que não houvesse uma relação entre os dois acontecimentos, continuo a sentir uma náusea sempre que penso no que aconteceu. Continuo a ouvir aqueles gritos das duas mulheres e continuo a lembrar-me da expressão no rosto de Fanny quando alguém gritou o nome de Ben, a expressão de medo que invadiu os seus olhos enquanto as luzes coloridas das explosões continuavam a fazer ricochete contra a sua pele.

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