Umberto Eco
A Ilha do Dia Antes (1994)
Pela voz de um narrador que acedeu aos
escritos de Roberto de La Grive, um fidalgo italiano do séc. XVII,
ficamos a saber do seu naufrágio e salvamento, após subir a bordo
de um outro navio, ancorado e abandonado ao largo de uma ilha nos
antípodas. O primeiro terço do livro relata a adolescência de
Roberto e a sua experiência no cerco de Casale durante a Guerra dos
30 Anos, bem como as peripécias que depois o levaram à sua situação
actual, algures no Pacífico à vista do meridiano 180. Depois do
ajuste ao presente narrativo, a história prossegue, guiada sempre
pela escrita de Roberto - dedicada à Senhora, Lilia, por quem se
apaixonou em Paris - e pelo Romance dentro do Romance (dentro do
Romance) com as façanhas de Ferrante, o seu imaginado irmão e
némesis negra, como antagonista e rival.
Passado num mundo em transição entre
o pensamento medieval e as novas concepções originadas pelos
Descobrimentos, o livro explora a aventura do conhecimento humano, em
diálogos e reflexões que se debruçam sobre questões intemporais,
enquadradas pelos horizontes científicos e metafísicos de há 350
anos.
– Então na verdade não acreditais
em Deus?
– Não vejo na natureza nenhum motivo
para isso. Nem sou o único. Estrabão diz que os Galicianos não
tinham nenhuma noção de um ser superior. Quando os missionários
tiveram de falar de Deus aos indígenas das índias Ocidentais,
conta-nos Acosta (que no entanto era jesuíta), tiveram de usar a
palavra espanhola Dios. Não acreditareis, mas na sua língua não
existia nenhum termo adequado. Se a ideia de Deus não é conhecida
na natureza, deve portanto tratar-se de uma invenção humana... Mas
não me olheis como se eu não tivesse sãos princípios e não fosse
um fiel servidor do meu rei. Um verdadeiro filósofo não pretende de
modo algum subverter a ordem natural das coisas. Aceita-a. Só
pretende que o deixem cultivar os pensamentos que consolam uma alma
forte. Para os outros, é uma sorte que existam papas e bispos para
reter as multidões da revolta e do crime. A ordem do Estado exige
uma uniformidade do comportamento, a religião é necessária ao povo
e o sábio deve sacrificar parte da sua independência para que a
sociedade se mantenha firme. Quanto a mim, creio que sou um homem
probo: sou fiel aos amigos, não minto senão quando faço uma
declaração de amor, amo o saber e, pelo que dizem, faço bons
versos. Por isso as damas consideram-me galante. Queria escrever
romances, que estão muito na moda, mas penso em muitos deles e não
me atrevo a escrever nenhum...
Li anteriormente:
O Pêndulo de Foucault (1988)
O Nome da Rosa (1980)
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