W. Somerset Maugham
Um Gosto e Seis Vinténs (1919)
O narrador, um jovem com pretensões a
escritor que se move em círculos artístico-literários, dá-nos a
conhecer a história de Charles Strickland, um corretor londrino já
entrado nos quarentas que, inopinadamente, decide abandonar a mulher
e os filhos adolescentes para se mudar para Paris, em busca da sua
realização como pintor, apesar de nada fazer supor o seu interesse
pela arte. O narrador segue no seu encalço, a pedido da Sra.
Strickland, para o fazer mudar de ideias; do seu contacto com
Strickland, que mal conhecera enquanto frequentara a sua casa de
Londres, e das suas peripécias em Paris e, posteriormente, através
das descrições de terceiros, da sua passagem por Marselha e,
finalmente, pela sua vida no Taiti, constrói-se o argumento de Um
Gosto e Seis Vinténs (The Moon and Sixpence). A descrição de
Strickland e da sua pintura foi sem dúvida inspirada na
personalidade de Paul Gaugin; mas, curiosamente, na relação de Dirk
Stroeve e sua mulher Blanche - duas personagens secundárias que
emolduram o episódio parisiense - voltamos a encontrar o tipo de
ligação doentia e humilhante que serviu de tema a Servidão
Humana.
– Stroeve – disse eu.
Ele teve um ligeiro sobressalto, e
então sorriu, mas o sorriso era triste.
– Por que está andando dessa
maneira? – perguntei jovialmente.
– Faz muito tempo que não vinha ao
Louvre. Resolvi vir e dar uma olhada para ver se havia algo de novo.
– Mas você falou que devia terminar
um quadro esta semana.
– Strickland está pintando no meu
estúdio.
– E daí?
– Fui eu que sugeri isso. Ainda não
está forte o suficiente para voltar para o lugar dele. Achei que nós
dois podíamos pintar juntos. Tem vários artistas no Quartier que
dividem o estúdio. Achei que seria divertido. Sempre achei que seria
agradável ter alguém com quem conversar quando se está cansado de
trabalhar.
Disse isso lentamente, destacando frase
por frase com um silêncio estranho, e mantinha os olhos tolos fixos
nos meus. Estavam cheios de lágrimas.
– Acho que não entendi – disse eu.
– Strickland não sabe trabalhar com
mais ninguém no estúdio.
– Ora, porra, é o seu estúdio. Isso
é problema dele.
Ele me olhou tristemente. Seus lábios
tremiam.
– O que aconteceu? – perguntei
asperamente.
Ele hesitou e ficou vermelho. Olhou,
infeliz, para um dos quadros da parede.
– Não me deixou continuar a pintar.
Mandou-me sair.
– Mas por que você não o mandou pró
inferno?
– Ele me empurrou pra fora. Eu não
podia lutar com ele. Jogou meu chapéu atrás de mim e fechou a
porta.
Apesar de furioso com Strickland e
indignado comigo mesmo, eu tinha vontade de rir, pois Dirk Stroeve
estava uma figura muito ridícula.
– Mas o que disse sua mulher?
– Ela saiu para fazer compras.
– Ele vai deixá-la entrar?
– Não sei.
Olhei para Stroeve, perplexo. Ele
estava parado à minha frente como um colegial repreendido pelo
professor.
– Quer que eu bote Strickland pra
fora pra você? – perguntei.
Ele deu um pulo, e seu rosto brilhante
ficou muito vermelho.
– Não. É melhor você não fazer
nada.
Bateu a cabeça e saiu dali. Estava
claro que por alguma razão ele não queria discutir o assunto. Não
entendi.
Li anteriormente:
Servidão Humana (1915)
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