Vergílio Ferreira
Aparição (1959)
Narrado na primeira pessoa por Alberto
Soares, um professor colocado em Évora - provavelmente um alter-ego
do autor, também ele professor -, Aparição é uma ruminação
existencialista sobre as suas dúvidas pessoais. Como comenta uma
outra personagem, quando o narrador compra uma casa isolada - esse é
o sítio ideal para ele: "Está isolado, pode meditar em sossego
sobre o espantoso milagre de estar vivo e o incrível absurdo da
morte."
Saí enfim para a noite, Chico saiu
comigo. E, enquanto subíamos a rua, falou-me de si, falou-me de
Évora. Estava ali há cinco anos, era engenheiro, trabalhava na
Direcção dos Monumentos. Évora era uma cidade absurda,
reaccionária, empanturrada de ignorância e de soberba. Em Évora –
tinham-lhe dito um dia – não se podia ter mais do que a quarta
classe nem menos que 300 porcos.
– Qualquer iniciativa cultural é
logo abafada de desprezo e de banha.
O peso da Idade Média enegrecia ainda
as almas, e os mouros também. Ter meia dúzia de amantes era para
aqueles sultões um sinal de abundância. E havia damas que durante
anos não saíam à rua, ou saíam apenas pela Semana Santa. Muitas
casas tinham jardins. Pois visse eu se os descobria. Cercavam-nos de
muros altos como a toda a sua vida. Criar relações em Évora era um
milagre. Tudo ali tinha muralhas: a sociabilidade, os jardins e,
enfim, a própria cidade. Mas de vez em quando aquela gente ia a
Lisboa. E então era vê-la desabafar: casinos, teatros, ceias.
Depois recolhiam ao mosteiro. Havia damas que nunca se viam na rua.
Vira-as ele, Chico, fumando e bebendo no Estoril. Évora era a
Quaresma e Lisboa o Carnaval. Ora bem, ele, Chico, e alguns amigos
não desistiam de importunar a embófia gorda daqueles senhores.
Falhara em tempos o Círculo de Cultura Musical. Falhara o Cinema
Clássico. Mas iam atacar outra vez. Agora, com uma série de
conferências na Harmonia. Poderia eu colaborar?
Vagueámos pela cidade morta, de
arcadas desertas.
Disse enfim ao caloroso homem:
– Ignoro tudo de Évora. Mas sinto
que você exagera. Por ora sei apenas que é uma cidade fantástica.
E quanto às conferências, decerto estou pronto a colaborar.
Li anteriormente:
Manhã Submersa (1954)
Ningún comentario:
Publicar un comentario