18 de decembro de 2024

Um Homem Não Chora


Luís de Sttau Monteiro
Um Homem Não Chora (1960)

Um Homem Não Chora foi o primeiro livro publicado por Sttau Monteiro, que integra ainda uma outra novela, intitulada Pôr-do-sol no Areeiro.
O primeiro texto, narrado na primeira pessoa, segue um difuso mal-estar que domina a vida de um industrial de chapelaria, entre os seus dilemas existencialistas e a pressão social. Ele pretende a todo o custo divorciar-se da mulher, que lhe é dedicada, quando esse divórcio não é permitido por lei, e acompanhamo-lo nas suas deambulações pela baixa lisboeta, entre o advogado que lhe promete arranjar uma solução, os cafés e as boites, a família, amigos e conhecidos, nos seus hábitos diários em tempo de férias. Dá-se conta do seu gosto por mastigar passas e beber whisky, o que lhe facilita assumir, por vezes, a identidade do “homem da gravata às riscas”, que é uma versão mais caustica, desinibida e provocatória de si próprio.
Na segunda novela encontra-se uma mulher da alta burguesia, com o marido ausente e servida por duas criadas bisbilhoteiras, a quem o proprietário de um “stand” de automóveis decide impingir um carro de alta gama que ali está à espera de comprador. Para isso utiliza um jovem vendedor, que vai tentar seduzir a “velha” e, ao mesmo tempo, levá-la à compra do carro...

— Então que é feito, homem? Não o vejo há muito tempo e tenho pena. Olhe que ainda outro dia falei de si.
— Sim?
— É verdade. Sabe que necessitamos de gente para a Junta de Freguesia e eu sugeri o seu nome. A verdade, meu amigo, é que todos temos obrigação de fazer qualquer coisa. Que diz da minha ideia?
— Nem pense nisso, sr. Engenheiro. Ainda que mo peçam, nunca entrarei para essas coisas. Limito-me a fazer aquilo que sei: chapéus, bonés e barretes.
— Pois tenho pena, meu amigo. Vocês passam a vida a dizer mal e, quando se trata de fazerem qualquer coisa, desaparecem todos.
— Mas eu não digo nada, sr. Engenheiro, nem mal nem bem. Essas coisas não me interessam nem me afectam. De qualquer forma, ainda que eu dissesse mal, não entrava para a Junta de Freguesia ou para qualquer outra junta.
— É o que eu digo: para dizerem mal estão por aqui; para fazerem qualquer coisa, desaparecem.
Não consigo esconder o riso. Alguma coisa me há-de fazer rir! O Rodrigues não compreende por que me estou a rir.
— Por mais que queira, não compreendo nem vejo que isto tenha graça. Olhe que é um triste sinal dos tempos e das pessoas...
— Oiça, sr. Engenheiro Rodrigues, olhe que me não estou a rir do que o senhor disse. Pelo contrário, admiro a sua ingenuidade.
— Ingenuidade?
— Imagine o sr. Engenheiro que eu fora condenado à morte por uma sentença injusta e que passava os meus dias na cela criticando a sentença e o estado das coisas que a tornara possível. Está a imaginar isto? Pois imagine agora que o carcereiro, farto das minhas críticas permanentes, me vinha propor que eu o auxiliasse a fazer uma corda melhor para a forca, isto sabendo eu que acabaria por ser enforcado por essa corda... Imagine agora que o carcereiro, furioso perante a minha recusa, se afastava pelo corredor fora resmungando que os presos passam a vida a criticar mas que, quando se lhes oferece a possibilidade de concorrerem para o melhoramento das coisas, se recusam a auxiliar os que trabalham cheios de boa vontade. Está a perceber? Não acha que isto revelaria ingenuidade?
— O meu amigo não estará a exagerar as coisas?
— É claro que estou. O exemplo que lhe dei não tem nada que ver com a Junta de Freguesia. Apenas lho dei para que o sr. Engenheiro compreenda a minha atitude.
— Enfim... vá lá alguém percebê-los! De qualquer forma, não se esqueça da minha proposta. Se mudar de ideias venha ter comigo.


Li anteriormente:
Angústia Para o Jantar (1961)

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