Aldous Huxley
A Ilha (1962)
Chegado à ilha de Pala após um
naufrágio, Will Farnaby – um jornalista que "nunca aceita o
sim como resposta" –, descobre aos poucos uma sociedade
isolada que, graças à aliança visionária de um rajá budista
nativo e de um expatriado escocês ali arribado um século antes,
colocou em marcha uma experiência de engenharia social que
frutificou de forma espectacular, "aproveitando o melhor dos
dois mundos para criarem o melhor de todos os mundos." Como
contraponto ao Admirável Mundo Novo, onde se mostrava um
pesadelo distópico, ditatorial, de completa alienação, A Ilha
é o seu oposto, a descrição minuciosa de uma quase paradisíaca
utopia tropical, nas vésperas de submergir perante os poderosos
interesses multinacionais que cobiçam o petróleo existente nas
imediações.
— Manter as
crianças vivas, tratar os doentes, evitar que os detritos invadam o
fornecimento da água são coisas intrinsecamente boas, não há a
menor dúvida! Mas aonde conduzem todas essas boas coisas? O
resultado é o aumento do número das misérias humanas; é a
civilização exposta ao perigo. E esta é a espécie de brincadeira
cósmica com que Deus parece realmente se deleitar! — Will dirigiu
aos jovens um de seus sorrisos ferozes e agressivos.
— Deus nada tem
a ver com isto — retrucou Ranga — e a brincadeira não é
cósmica; foi inteiramente elaborada pelo homem. Essas coisas não
são como a lei da gravidade ou a segunda lei da termodinâmica. Elas
não têm de acontecer. Somente ocorrem se as pessoas são bastante
estúpidas para permitirem. Aqui em Pala não o permitimos e, por
isso, não brincaram conosco. Há quase um século temos bom sistema
sanitário e, apesar disso, não temos excesso de população, não
temos miséria e não estamos sob uma ditadura. A razão de tudo isso
é muito simples: escolhemos um modo de proceder que é sensato e
realista.
— Como
conseguiram escolher? — perguntou Will.
— As pessoas a
quem cabia decidir foram inteligentes no momento oportuno — disse
Ranga. — Mas temos de admitir que a sorte nos ajudou muito. De um
modo geral, Pala tem tido uma sorte fora do comum. Em primeiro lugar,
pelo fato de nunca ter sido uma colônia. Rendang possui uma baía
magnífica. Isso lhes trouxe uma invasão árabe, na Idade Média.
Como nós não temos uma baía, os árabes nos deixaram em paz.
Continuamos budistas, xivaítas ou simples agnósticos de tantrik.
— Você é um
agnóstico de tantrik? — perguntou Will.
— Com um
«toque» de mahayana — especificou Ranga. — Mas, voltando
à história de Rendang... Depois dos árabes, vieram os portugueses.
Em Pala, sem a baía, nada de portugueses. Conseqüentemente, não
houve minorias católicas nem a tola blasfêmia que diz ser a vontade
de Deus que manda as pessoas se reproduzirem até o grau da miséria
subumana. Finalmente, não houve resistência organizada ao controle
da natalidade. Essa não foi nossa única bênção. Após duzentos e
vinte anos de domínio português, Ceilão e Rendang passaram a ser
dominados pelos holandeses e, depois, pelos ingleses. Escapamos de
ambas as infestações. Sem os holandeses ou ingleses, não surgiram
os plantadores, o trabalho braçal, colheitas pagas à vista e
destinadas à exportação. Não houve a exaustão sistemática do
nosso solo, não houve uísque, calvinismo, sífilis ou
administradores estrangeiros. Permitiram-nos seguir nosso próprio
caminho e tomar a responsabilidade de nossos próprios negócios.
— Não há
dúvida! Vocês tiveram sorte!
Li
anteriormente:
As Portas da Percepção / Céu e
Inferno (1954 / 1956)
Admirável Mundo Novo (1932)
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