Ray Bradbury
O Homem Ilustrado (1951)
Os primeiros livros que li de Ray
Bradbury, há mais de 30 anos, foram O País de Outubro e
Muito Depois da Meia-Noite, compostos por pequenos contos
outonais cheios de imagens poéticas, que me impressionaram
positivamente. Também pela mesma época vi o filme «The
Illustrated Man», de Jack Smight, adaptado da obra em
epígrafe. Regressei ao universo de Ray Bradbury há três anos, com
a novela clássica Fahrenheit 451; agora chegou a vez de O
Homem Ilustrado.
É novamente uma colectânea de contos,
uma arte que Ray Bradbury domina magistralmente, e inscreve-se na
linha dos dois livros primeiramente mencionados. Longe do
cientificismo e da apologia tecnológica da maior parte dos autores
de FC seus contemporâneos, os contos de Ray Bradbury tingem-se de
sombras e desencanto, numa análise à fria ameaça do
desenvolvimento tecnológico que se depara ao ser humano. Contudo, O
Homem Ilustrado pareceu-me uma FC mais harder do que
aquilo que eu recordava e esperava, talvez por ser uma das suas obras
iniciais.
Fica uma vez mais um reparo à
tradução, que, sem grande relutância, elimina frases inteiras e
aglutina outras, possivelmente para conseguir encaixar a obra no
número pré-determinado de páginas que constituía o formato da
colecção. Quanto ao excerto abaixo apresentado, é o início do
conto A Cidade, uma terrível história de vingança.
A cidade esperava há mais de vinte mil
anos.
O planeta continuava a sua rota no
espaço, as flores dos campos cresciam e finavam-se, mas a cidade
esperava. As ribeiras dos planetas encheram-se de água, tinham
definhado, não eram mais do que poeira. A cidade esperava sempre. Os
ventos que tinham sido jovens e violentos, tinham-se tornado velhos e
serenos, e as nuvens, que tinham corrido sem peias no céu,
flutuavam, agora, com uma brancura preguiçosa. E a cidade esperava.
Com as suas janelas, as paredes
sonolentas, as torres e as torrinhas sem pendões, as suas ruas de
asfalto virgem, os puxadores das portas sem a menor impressão
digital, os passeios sem um papel. A cidade esperava, enquanto o
planeta continuava a marcha no espaço, seguindo a sua órbita em
volta de um sol azul-branco, e as estações passavam do gelo ao fogo
para voltar ao gelo, depois aos campos verdes e aos prados amarelos
do Estio.
Foi numa tarde de Verão, a meio do ano
vinte mil, que a cidade deixou de esperar.
No céu apareceu uma nave.
Li anteriormente:
Fahrenheit 451 (1953)
Muito Depois da Meia-Noite (1976)
O País de Outubro (1955/1976)
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