Ernest Hemingway
O Sol Nasce Sempre (Fiesta) (1926)
Este romance de Hemingway designou-se The Sun Always Shine na sua edição original, e Fiesta quando foi editado em Inglaterra, daí a razão do título duplo.
A história anda à volta de um grupo de amigos que se movem por Paris: Jake Barnes (o narrador), Bill Gorton, Mike Campbell, Brett Ashley, e o judeu Robert Cohn (todos estadounidenses, à excepção de Mike – escocês – e Brett – inglesa –, sendo que os dois primeiros e o último são escritores), aos quais se juntam algumas personagens secundárias. Vivem todos uma vida boémia, carburada a álcool (muito se bebe neste livro!) e, em determinado ponto, Jake e Bill decidem ir ao País Vasco para uma pescaria; acabam por marcar encontro, em Pamplona, com Mike e Brett que se lhes reúnem, acompanhados por Cohn, que se fez convidado, devido ao seu interesse em Brett, apesar de saber que ela está acompanhada por Mike.
É pois neste fundo das festas de San Fermín, pormenorizadamente descritas, que se desenrola depois a trama, e a melhor parte do livro. Entende-se o fascínio despertado por estas festas, e as touradas, com o seu exotismo, aos olhos de um estadounidense como Hemingway, quando elas ainda tinham algo de genuíno, antes de se massificarem completamente. «Gente chegara continuamente de fora, mas a cidade assimilara-a e não se dava por ela», escreve o autor. Há coisas que se perdem para sempre.
Feita uma curva entrámos numa vila e de ambos os lados se abriu subitamente um verdejante vale. Uma torrente atravessava o centro da vila e os vinhedos roçavam pelas casas.
A camioneta parou em frente de uma estalagem e muitos passageiros desceram, uma data de bagagem foi desamarrada do tejadilho e tirada, para o chão, de debaixo dos grandes oleados. Bill e eu descemos e entrámos na estalagem. Havia uma sala baixa e escura, com selas e arreios, forquilhas de madeira branca, cachos de alpargatas de sola de corda, presuntos, toucinhos, alhos e longos enchidos pendendo do tecto. Era fresca e sombria, e ficámos ao comprido balcão de madeira, onde duas mulheres serviam bebidas. Por trás delas, as prateleiras estavam cheias de géneros.
Cada um de nós bebeu uma aguardente, e pagámos quarenta cêntimos pelos dois copos. Dei à mulher cinquenta cêntimos contando com a gorjeta, e ela deu-me a moeda do troco, julgando que eu não percebera o preço.
Dois dos nossos vascos entraram e insistiram em pagar uma bebida. E assim pagaram a bebida e depois pagámos nós outra bebida, e eles deram-nos então palmadas nas costas e pagaram mais outra bebida. Foi depois a nossa vez, até que saímos para o sol e o calor e trepámos de novo para o tejadilho da camioneta. Havia imenso espaço agora para nos sentarmos no banco, e o vasco que viera deitado no forro de chapa sentou-se no meio de nós. A mulher que servira as bebidas apareceu a limpar as mãos ao avental e falou com alguém para dentro da camioneta. Apareceu então por sua vez o condutor, balançando duas sacas de couro com correio, e subiu, e, entre acenos de todos, arrancámos.
Li anteriormente:
O Adeus às Armas (1929)
Ilhas na Corrente (1970)
Na Outra Margem entre as Árvores (1950)
8 de decembro de 2016
26 de novembro de 2016
The Island of Doctor Moreau
H. G. Wells
The Island of Doctor Moreau (1896)
Outra obra de H.G. Wells que conta com várias adaptações ao cinema. Recordo ter visto na televisão excertos, pelo menos, da adaptação de 1932 possivelmente, intitulada Island of Lost Souls, com Charles Laughton e Bela Lugosi, realizada por Erle C. Kenton. Li também, em tempos, A Outra Ilha do Dr. Moreau, do britânico Brian Aldiss, que glosava o tema. Isto para dizer que o tema de The Island of Dr. Moreau é intemporal.
Edward Prendick, último sobrevivente de um naufrágio no Pacífico equatorial, é recolhido quase inconsciente num navio capitaneado por um marinheiro de mau génio, fretado por um misterioso médico, Montgomery, que se faz acompanhar por uma estranha carga de animais ferozes. A malfadada viagem termina no destino de Montgomery, uma ilha desconhecida onde se procede à descarga; Prendick, que se tinha inimistado com a capitão, é expelido do navio, e assim se torna num visitante forçado da ilha, onde conhece o Dr. Moreau.
Esta obra questiona os limites éticos da ciência, pois o Dr. Moreau, como todos devem saber ainda que não tenham lido o livro, faz experiências com animais – vivissecção, enxertos de corpos na tentativa de recriar um novo ser, dando-lhes uma condição semi-humana em corpos grotescos, condição que esses animais não pediram nem podem recusar, significando o aprisionamento da sua ampliada consciência num inferno vivo. Aquilo que no final do séc. XIX se traduzia em transfusões de sangue e serragem de ossos, tem um paralelo nos nossos dias com as manipulações de ADN, com cientistas a brincar aos deuses, convencidos que vão corrigir aquilo que consideram ser as imperfeições da Natureza.
A strange persuasion came upon me, that, save for the grossness of the line, the grotesqueness of the forms, I had here before me the whole balance of human life in miniature, the whole interplay of instinct, reason, and fate in its simplest form. The Leopard-man had happened to go under: that was all the difference. Poor brute!
Poor brutes! I began to see the viler aspect of Moreau's cruelty. I had not thought before of the pain and trouble that came to these poor victims after they had passed from Moreau's hands. I had shivered only at the days of actual torment in the enclosure. But now that seemed to me the lesser part. Before, they had been beasts, their instincts fitly adapted to their surroundings, and happy as living things may be. Now they stumbled in the shackles of humanity, lived in a fear that never died, fretted by a law they could not understand; their mock-human existence, begun in an agony, was one long internal struggle, one long dread of Moreau—and for what? It was the wantonness of it that stirred me.
Had Moreau had any intelligible object, I could have sympathised at least a little with him. I am not so squeamish about pain as that. I could have forgiven him a little even, had his motive been only hate. But he was so irresponsible, so utterly careless! His curiosity, his mad, aimless investigations, drove him on; and the Things were thrown out to live a year or so, to struggle and blunder and suffer, and at last to die painfully. They were wretched in themselves; the old animal hate moved them to trouble one another; the Law held them back from a brief hot struggle and a decisive end to their natural animosities.
In those days my fear of the Beast People went the way of my personal fear for Moreau. I fell indeed into a morbid state, deep and enduring, and alien to fear, which has left permanent scars upon my mind. I must confess that I lost faith in the sanity of the world when I saw it suffering the painful disorder of this island. A blind Fate, a vast pitiless mechanism, seemed to cut and shape the fabric of existence and I, Moreau (by his passion for research), Montgomery (by his passion for drink), the Beast People with their instincts and mental restrictions, were torn and crushed, ruthlessly, inevitably, amid the infinite complexity of its incessant wheels. But this condition did not come all at once: I think indeed that I anticipate a little in speaking of it now.
Li anteriormente:
The Time Machine (1895)
The Island of Doctor Moreau (1896)
Outra obra de H.G. Wells que conta com várias adaptações ao cinema. Recordo ter visto na televisão excertos, pelo menos, da adaptação de 1932 possivelmente, intitulada Island of Lost Souls, com Charles Laughton e Bela Lugosi, realizada por Erle C. Kenton. Li também, em tempos, A Outra Ilha do Dr. Moreau, do britânico Brian Aldiss, que glosava o tema. Isto para dizer que o tema de The Island of Dr. Moreau é intemporal.
Edward Prendick, último sobrevivente de um naufrágio no Pacífico equatorial, é recolhido quase inconsciente num navio capitaneado por um marinheiro de mau génio, fretado por um misterioso médico, Montgomery, que se faz acompanhar por uma estranha carga de animais ferozes. A malfadada viagem termina no destino de Montgomery, uma ilha desconhecida onde se procede à descarga; Prendick, que se tinha inimistado com a capitão, é expelido do navio, e assim se torna num visitante forçado da ilha, onde conhece o Dr. Moreau.
Esta obra questiona os limites éticos da ciência, pois o Dr. Moreau, como todos devem saber ainda que não tenham lido o livro, faz experiências com animais – vivissecção, enxertos de corpos na tentativa de recriar um novo ser, dando-lhes uma condição semi-humana em corpos grotescos, condição que esses animais não pediram nem podem recusar, significando o aprisionamento da sua ampliada consciência num inferno vivo. Aquilo que no final do séc. XIX se traduzia em transfusões de sangue e serragem de ossos, tem um paralelo nos nossos dias com as manipulações de ADN, com cientistas a brincar aos deuses, convencidos que vão corrigir aquilo que consideram ser as imperfeições da Natureza.
A strange persuasion came upon me, that, save for the grossness of the line, the grotesqueness of the forms, I had here before me the whole balance of human life in miniature, the whole interplay of instinct, reason, and fate in its simplest form. The Leopard-man had happened to go under: that was all the difference. Poor brute!
Poor brutes! I began to see the viler aspect of Moreau's cruelty. I had not thought before of the pain and trouble that came to these poor victims after they had passed from Moreau's hands. I had shivered only at the days of actual torment in the enclosure. But now that seemed to me the lesser part. Before, they had been beasts, their instincts fitly adapted to their surroundings, and happy as living things may be. Now they stumbled in the shackles of humanity, lived in a fear that never died, fretted by a law they could not understand; their mock-human existence, begun in an agony, was one long internal struggle, one long dread of Moreau—and for what? It was the wantonness of it that stirred me.
Had Moreau had any intelligible object, I could have sympathised at least a little with him. I am not so squeamish about pain as that. I could have forgiven him a little even, had his motive been only hate. But he was so irresponsible, so utterly careless! His curiosity, his mad, aimless investigations, drove him on; and the Things were thrown out to live a year or so, to struggle and blunder and suffer, and at last to die painfully. They were wretched in themselves; the old animal hate moved them to trouble one another; the Law held them back from a brief hot struggle and a decisive end to their natural animosities.
In those days my fear of the Beast People went the way of my personal fear for Moreau. I fell indeed into a morbid state, deep and enduring, and alien to fear, which has left permanent scars upon my mind. I must confess that I lost faith in the sanity of the world when I saw it suffering the painful disorder of this island. A blind Fate, a vast pitiless mechanism, seemed to cut and shape the fabric of existence and I, Moreau (by his passion for research), Montgomery (by his passion for drink), the Beast People with their instincts and mental restrictions, were torn and crushed, ruthlessly, inevitably, amid the infinite complexity of its incessant wheels. But this condition did not come all at once: I think indeed that I anticipate a little in speaking of it now.
Li anteriormente:
The Time Machine (1895)
12 de novembro de 2016
The Time Machine
H. G. Wells
The Time Machine (1895)
O britânico H. G. Wells tem uma curta
série de obras bem conhecidas, datadas do virar do século XIX, a
primeira das quais é A Máquina do Tempo. Acho incrível
nunca ter tido a oportunidade de ler qualquer delas, e espero
corrigir isso agora, tanto mais quanto sempre encontrei um certo
encanto nesta proto-FC, então designada por «romances científicos»,
que encontrei em alguns dos seus contemporâneos, como Allan Poe,
Conan Doyle, Stevenson ou Verne.
A história é conhecida: um inventor
atirado para o ano 802701, encontra a Terra transformada num jardim
decadente, povoada pelos Eloi, uma humanidade infantilizada. Aquilo
que, numa primeira impressão lhe parecera uma «Idade do Ouro», a
breve trecho se transforma num cenário sinistro, quando entram em
cena os habitantes do mundo subterrâneo, os Morlocks. Dias depois,
numa fuga apressada, o crononauta chega a 30 milhões de anos no
futuro, numa Terra desolada, inóspita e povoada por bestas de
pesadelo, já sem movimento de rotação, com o sol de tom
alaranjado, em fase de extinção, onde acaba por presenciar um
eclipse solar.
Lembro-me de ter visto na televisão,
há muito tempo, a cena correspondente ao trecho que escolhi; já não
me recordo se vi o filme completo, mas esta cena ficou-me na memória.
Sei agora que era uma adaptação de 1960, de George Pal, com Rod
Taylor, Alan Young e Yvette Mimieux como protagonistas, e está no
YouTube com o preço «a partir de 2,99€». Mas, como diz um dos
comentários mais acertados – «3€ for an online movie from
1960? Go back to work, fucking jews!»
'I drew a breath, set my
teeth, gripped the starting lever with both hands, and went off with
a thud. The laboratory got hazy and went dark. Mrs. Watchett came in
and walked, apparently without seeing me, towards the garden door. I
suppose it took her a minute or so to traverse the place, but to me
she seemed to shoot across the room like a rocket. I pressed the
lever over to its extreme position. The night came like the turning
out of a lamp, and in another moment came to-morrow. The laboratory
grew faint and hazy, then fainter and ever fainter. To-morrow night
came black, then day again, night again, day again, faster and faster
still. An eddying murmur filled my ears, and a strange, dumb
confusedness descended on my mind.
'I am afraid I cannot
convey the peculiar sensations of time travelling. They are
excessively unpleasant. There is a feeling exactly like that one has
upon a switchback—of a helpless headlong motion! I felt the same
horrible anticipation, too, of an imminent smash. As I put on pace,
night followed day like the flapping of a black wing. The dim
suggestion of the laboratory seemed presently to fall away from me,
and I saw the sun hopping swiftly across the sky, leaping it every
minute, and every minute marking a day. I supposed the laboratory had
been destroyed and I had come into the open air. I had a dim
impression of scaffolding, but I was already going too fast to be
conscious of any moving things. The slowest snail that ever crawled
dashed by too fast for me. The twinkling succession of darkness and
light was excessively painful to the eye. Then, in the intermittent
darknesses, I saw the moon spinning swiftly through her quarters from
new to full, and had a faint glimpse of the circling stars.
Presently, as I went on, still gaining velocity, the palpitation of
night and day merged into one continuous greyness; the sky took on a
wonderful deepness of blue, a splendid luminous color like that of
early twilight; the jerking sun became a streak of fire, a brilliant
arch, in space; the moon a fainter fluctuating band; and I could see
nothing of the stars, save now and then a brighter circle flickering
in the blue.
1 de novembro de 2016
Esperando al Rey
José María Pérez
Esperando al Rey (2014)
Numa noite de Inverno, tive a sorte de
assistir a um documentário da TVE online sobre a catedral de Burgos.
Tratava-se do início de uma série, em sete episódios, La Luz y
el Misterio de las Catedrales, dedicada às catedrais góticas
espanholas, que acompanhei semanalmente. Era apresentada por José
María Pérez, arquitecto e desenhista (conhecido como «Peridis»,
publicou uma tira diária no El País de 1976 a 2011), cujo
dom da palavra e capacidade comunicativa me fez lembrar o saudoso
José Hermano Saraiva. Depois descobri que, anos antes, tinha
apresentado uma outra série, Las Claves del Románico, muito
mais extensa, com 33 episódios emitidos em três temporadas entre
2002 e 2007, que dão um panorama muito pormenorizado dos monumentos
românicos no país vizinho, acompanhado de paisagens impressionantes
e das necessárias explicações sobre o contexto histórico. Também
os visionei a todos e recomendo-os vivamente – basta ir à página
da TVE, ambas as séries estão disponíveis em streaming.
José María Pérez esteve na origem da
Fundación Santa María la Real del Patrimonio Histórico, e, entre
os seus muito projectos culturais destaca-se a Enciclopedia del
Románico en la Península Ibérica (leia-se Espanha). Não será
portanto uma surpresa que, nesta sua primeira incursão pela
literatura, tenha escolhido por tema e cenário a época histórica
na qual se especializou, com este Esperando al Rey, vencedor
do Prémio Afonso X o Sábio de Novela Histórica em 2014.
Passado entre 1141 e 1180, o enredo
centra-se basicamente na condessa Teresa Fernandes de Trava, filha de
Teresa de Leão e de Fernão Peres de Trava (o que faz dela meia-irmã
de Afonso Henriques – nesta época, todos os soberanos dos reinos
peninsulares eram irmãos, primos ou de parentesco muito próximo),
desde a sua infância até à vida adulta. Acompanha-se o final do
reinado de Afonso VII de Leão e Castela, a divisão do seu reino
pelos filhos Fernando II de Leão e Sancho III de Castela (uma vez
mais se manifestou essa incompreensível e tão espanhola tendência
à dispersão). Com a morte prematura de Sancho III e a passagem do
título ao seu filho Afonso VIII, com apenas três anos de idade, os
onze anos seguintes acompanham a regência até à maioridade do rei,
coroado aos 14 anos. O regente de Castela era, nessa altura, Nuno
Peres de Lara, casado com Teresa que, após a sua morte, se casou em
segundas núpcias com Fernando II. Sobre este pano de fundo
espraia-se uma narrativa viva e fluida acerca da vida medieval nesta
parte da Hispânia, com um enfoque muito particular no surto românico
– as obras da catedral de Santiago de Compostela servem algumas
vezes de cenário –, e o seu enquadramento na sociedade de então.
Después de que el
legado del papa terminara su predicación al grito de «¡Dios lo
quiere!», se levantó vacilante el emperador.
—En nombre de Dios
Todopoderoso —declaró solemnemente—, que ha creado todo lo que
vemos y no vemos, yo, Alfonso, emperador de toda Hispania, os pongo a
todos vosotros como testigos para que, cuando yo falte, se repartan
los reinos que me pertenecen del siguiente modo: a mi hijo
primogénito Sancho le corresponde....
Por un instante le pasaron
por la cabeza todos los avatares del reino y las dudas se le
agarraban a la garganta. «Sancho es prudente y diplomático, pero es
enfermizo, tiene mal de estómago y no termina de curar un catarro
cuando otro le sobreviene. Fernando es atolondrado. Primero se lanza
y luego lo piensa... o no lo piensa y se olvida y a otra cosa. Si
Fernando tuviera la sensatez y la prudencia de Sancho o Sancho la
valentía y la fortaleza de Fernando, de cualquiera de ellos
sacábamos un magnífico sucesor. Dividir el reino, tal y como me
aconsejaron los condes Manrique de Lara y Fernando de Traba, me
pareció lo más conveniente entonces, pero ahora que nos atacan los
almohades... no sé qué pasará cuando yo falte. Si no le dejara el
reino de León, sería capaz de matar a Sancho y se quedaría con
todo como el abuelo».
La emoción le ahogaba,
tenía la garganta reseca y las toses que ensayaba no le libraron de
la afonía. Como los murmullos llegaban de todos los rincones de la
basílica, pasó el documento al canciller y le señaló por gestos
que leyera bien alto para que nadie tuviera dudas de cuáles eran sus
designios.
—Con la venia del
emperador: «A mi hijo primogénito Sancho le corresponde toda
Castilla con las villas de Segovia y Ávila y todas las tierras al
sur del Duero, y todas las villas, castillos y tierras que están
detrás de la sierra y también el reino de Toledo... Y además, la
Tierra de Campos hasta Sahagún».
—Esto no era lo que yo
esperaba —murmuró entre dientes Fernando con un gesto de
contrariedad que no pudo disimular—. De un plumazo ha regalado el
pan de mi reino al imbécil de mi hermano.
—«Y a mi hijo el rey
don Fernando —continuó el canciller— le asigno Asturias y toda
Galicia, Zamora, Toro y todo el reino de León».
Sancho, que se había
quedado sin la mitad de la herencia que le correspondía como
primogénito, tampoco estaba satisfecho a pesar del regalo del
granero del reino, pero se consoló al ver la cara de estupefacción
de su hermano.
Pero la frontera entre los
reinos de León y de Castilla, llana y sin ríos o cordilleras que la
delimitasen, era de difícil trazado. Nada se decía del reparto de
las tierras de infieles que se conquistaran en el futuro. Y este
podía ser un motivo más de fricciones entre los reinos.
7 de outubro de 2016
Los Crímenes de los «Buenos»
Joaquín Bochaca
Los Crímenes de los «Buenos»
(1982)
Este livro parte dos critérios
utilizados nos julgamentos de Nuremberga – crimes contra a paz,
crimes de guerra e crimes contra a humanidade (crimes que não
estavam tipificados na época em que foram cometidos) – e aplica-os
ao lado vencedor, com resultados demolidores, tanto mais quando boa
parte destes crimes foram cometidos após terminar a guerra.
Somos confrontados com o bombardeamento
gratuito de cidades e populações, atrás da linha de frente e com o
único objectivo de provocar a morte de civis, como se viu no
bombardeamento de Dresden, cidade aberta, sem qualquer interesse
militar, onde se juntavam centenas de milhares em fuga da frente
leste, provocando mais vítimas que Hiroshima e Nagasaki juntas
(outras duas cidades sem objectivos militares). Acompanhamos os
constantes atropelos às Convenções de Genebra e de Haia por parte
dos Aliados, os "bons", e a guerra desleal que, desde a
primeira hora moveram contra o Eixo; a manipulação da camarilha de
Roosevelt na preparação de um "isco" chamado Pearl
Harbour que, finalmente, lhes deu o pretexto que tanto procuravam
para levar os EUA a uma guerra alheia; passamos pela farsa do
Tribunal de Nuremberga, pela ignomínia do Plano Morgenthau e da
Operação Kellhaul; observamos a utilização de mão de obra
escrava nos anos que se seguiram ao fim da guerra (não só pela
URSS, mas também pela Austrália, França e Inglaterra); verificamos
a contabilidade de vítimas que são atribuídas aos "bons",
segundo as estimativas mais modestas: 10,5 milhões de mortos por
crimes de guerra e depurações, 6,9 milhões de prisioneiros e
deportados desaparecidos por violação das Convenções de Genebra,
13,5 milhões de pessoas encarceradas após o fim da guerra por
aplicação de leis retroactivas; analisamos o percurso dos
protagonistas nas décadas que se seguiram ao confronto, e por fim, o
somatório de vítimas atribuídos ao comunismo, segundo um estudo
(naturalmente incompleto) publicado por Jean-Pierre Dujardin em 1978:
150 milhões de mortos – temas sombrios lançados ao esquecimento,
enquanto se apontavam os holofotes para outro lado. Falava-se dos
crimes míticos e pretéritos para que não se falasse dos "crimes
dos bons".
Este livro recomenda-se a quem não se
conforma com os dogmas da historiografia marxista, com essa leitura
errada, mas infinitamente propagandeada pelos mass media,
tendo o mérito de recorrer, sempre que possível, ao
testemunho escrito de partidários dos Aliados ou, quando muito, de
autores tidos como neutrais.
Destacam-se
os capítulos dedicados a analisar as condições que levaram ao
despoletar da guerra: as absurdas disposições
do Tratado de Versalhes, por uma incompetente (ou algo mais?)
Sociedade das Nações, foram
na realidade o rastilho já aceso que levou a essa
nova hecatombe bélica em território europeu, uma
guerra procurada a todo o
transe por determinadas elites políticas e financeiras
anglo-franco-estadounidenses – os
chamados poderes fácticos
–, com o fim inconfessável
de proteger a revolução internacionalista soviética, contra a
vontade e o sentimento dos seus
próprios povos. A
forma como a Polónia foi usada como pretexto, e incentivada a criar
as condições que levassem à intervenção alemã (e
consequente guerra),
oferecendo-lhe uma aliança
para a qual tanto a França
como a Inglaterra sabiam
estar impreparadas
para responder; mentindo-lhe
sobre o poderio militar alemão, desvalorizando-o, e
sobre a
pretensa impopularidade do regime, fazendo-lhe
crer que, mal estalasse a guerra, este
seria deposto pela aristocracia militar;
acicatou-se o nacionalismo polaco contra as
minorias
alemãs que viviam dentro das suas fronteiras, numa série de
agressões e limpeza étnica
que culminaram
ao massacre de Bromberg (quantas vezes se ouviu falar
disto nos mass
media?), nas
vésperas da inevitável
intervenção do Reich.
Curioso
será notar que a segurança e integridade da Polónia,
pretexto oficial que levou à guerra, foi esquecido em duas semanas,
tempo que mediou a invasão alemã e a violação da sua fronteira
oriental pelas tropas soviéticas, que já não mereceu qualquer
desagravo. E, passados cinco anos, metade do que era o território
polaco foi alegremente entregue pelos autoproclamados "protectores"
à URSS, ficando a Polónia como um estado vassalo, no qual
importantes cargos do governo e da administração foram ocupados
pelos amos soviéticos.
Aunque toda ciudad alemana
de alguna importancia fue profusamente bombardeada, cabe hacer
especial mención de los bombardeos de Berlín y, sobre todo, de
Hamburgo, el 25 de julio y el 3 de agosto de 1943. Los ataques contra
los barrios residenciales de la capital hanseática se desarrollaron
de noche, y con una saña hasta entonces inigualada. Pero todos los
récords de la gratuita violencia fueron batidos en el bombardeo de
Dresde, llevado a cabo durante la noche del 13 al 14 de febrero de
1945. Esa fue la más sangrienta acción bélica realizada, a lo
largo de toda la Historia del Mundo, contra una población civil.
Dresde, se hallaba entonces, a unos 115 kilómetros de las líneas
del frente germano-ruso, y a ella habían llegado más de medio
millón de refugiados, ancianos, mujeres y niños. Dresde era una
ciudad abierta. En ella no habían cuarteles, ni fábricas de
armamentos, ni objetivos militares de ningún género. Habían, en
cambio, numerosos hospitales, con enormes cruces rojas pintadas en
sus azoteas.
En la mañana del 13 de
febrero, 35 aviones ingleses de reconocimiento volaron sobre Dresde y
tomaron numerosas fotografías, sin ser inquietados por la Luftwaffe,
que se hallaba operando en el frente, ni por las defensas antiaéreas,
inexistentes en una ciudad residencial cuya única industria era la
de cerámicas. Por la noche, 800 bombarderos de la RAF arrojaron
sobre la indefensa ciudad, abarrotada de refugiados, una lluvia de
bombas explosivas e incendiarias. Al amanecer del día siguiente, una
segunda oleada de bombarderos descargó otro alud de fuego. Y horas
más tarde, otros 1.200 tetramotores acabaron de machacar la ciudad
destruida, avivando la horrorosa pira con latas de petróleo. En
total se lanzaron sobre Dresde 10.000 bombas explosivas y 650.000
bombas incendiarias, amén de 15.000 latas de petróleo, de un
hectolitro cada una. El escritor inglés F.J.P. Veale, dice: «Para
dar una impresión más dramática, en medio del horror general, las
fieras del Parque Zoológico, frenéticas por el ruido y por el
resplandor de las explosiones, se escaparon. Se cuenta que estos
animales, así como los grupos de refugiados, fueron ametrallados
cuando trataban de escapar a través del Parque Grande, por aviones
de caza en vuelo rasante... en dicho parque fueron encontrados luego
muchos cuerpos de hombres y animales acribillados a balazos... Para
evitar las epidemias causadas por los cadáveres en putrefacción,
hubo que organizar gigantescas piras que consumían, cada una, cinco
mil cuerpos o pedazos de cuerpos. La espantosa tarea se prolongó
durante varias semanas.
«Los cálculos del número
total de victimas en ese descomunal bombardeo varían mucho de uno a
otro. Algunos elevan la cifra hasta un cuarto de millón.
Personalmente nos sentimos inclinados a adherimos a esa cifra».
Irving no se atreve a dar cifras aunque opta por la de 235.000
muertos y cabe suponer que el número de heridos debió, al menos,
doblar esa cantidad.
[...]
El retrato de este gran
hombre quedaría incompleto si no se añadiera su intención de
arrojar bombas bacteriológicas sobre Alemania. Según la revista
americana Spotlight (8-VI-1981) Churchill quería lanzar
bombas venenosas y bacteriológicas sobre Berlín, Hamburgo,
Frankfurt y Sttugart, a finales de 1944. El plan consistía en
arrojar un millón de pequeñas bombas sobre cada una de esas
ciudades; esas bombas contendrían bacterias de ántrax. El ántrax
es una enfermedad mortalmente contagiosa, tanto para personas como
para animales. Tal vez en medio de una de sus clásicas
intoxicaciones etílicas, Sir Winston le dijo al jefe de su
departamento de guerra química que investigara si el uso de bombas
de gas, especialmente de gas mostaza, y de bombas bactericidas
resultaría. Según el funcionario consultado, si el plan se hubiera
llevado a la práctica, Berlín sería inhabitable todavía en 1981;
el número de muertes no hubiera bajado de los tres millones de
personas que, dadas las circunstancias, hubieran sido
mayoritariamente mujeres, niños, ancianos y prisioneros de guerra.
Dichas bombas no se usaron
por no haberse llegado a producir en número suficiente antes del fin
de la guerra. Esta «perla» humanitaria ha sido divulgada, incluso,
por la muy oficial B.B.C. Y tal vez convendría recordar aquí, que
Hitler, una víctima del gas en la I Guerra Mundial, rehusó
emplearlo en la II, y que Churchill fue también el responsable de
los primeros campos de concentración para civiles en la guerra
contra los Boers.
[...]
Un inciso. Queremos llamar
la atención sobre un punto que hemos observado escapa a la atención
de los más, pese a su sensacional rareza. En el momento de terminar
la guerra de las Democracias contra los Fascismos —nos consta que
la denominación no es demasiado precisa, pero debemos esquematizar
en aras de la comprensión general— eran líderes de las Cinco
Grandes Potencias: Truman, Churchill, Stalin, De Gaulle y
Chiang-Kai-Chek. Pues bien; ninguno de estos personajes llegó al
poder por medio del Sufragio Universal. Truman sucedió
automáticamente a Roosevelt, como Vice-Presidente que era, a la
muerte de este, pero nadie le había votado como Presidente.
Churchill llegó a Primer Ministro por una maniobra de pasillos en el
Parlamento, pero el pueblo inglés no le votó, y en cuanto tuvo
ocasión de votarle, le echó a la calle. [El pueblo inglés se hartó
de negarle sus votos a Churchill. Para tan ferviente creyente en la
taumaturgia de la Democracia eso debió ser desmoralizador y
traumatizante. Fue, sucesivamente, derrotado en elecciones parciales
a diputado cuando se presentó por los laborales, los jóvenes
conservadores, los laboristas independientes y los conservadores.
Llegó a Primer Ministro merced a una maniobra de pasillos en el
Parlamento. Cuando volvió a ser Premier en 1951, lo hizo al
alimón con Eden, pero al retirarse discretamente este, cual estaba
convenido, el culto pueblo británico volvió a echarle. (N. del A)]
Stalin y Chiang-Kai-Chek
eran dos dictadores y nunca habían sido votados. Y De Gaulle, desde
1944 hasta 1948, permaneció en el Poder sin someter su augusta
persona a ninguna votación.
Se ha dicho que fue la
guerra de las Democracias contra las Dictaduras. Hemos visto que las
democracias estaban encabezadas por individuos que no habían llegado
al poder por el sistema del Sufragio Universal. El único que llegó
al Poder por ese método fue el Canciller del III Reich, Adolf
Hitler. Gustará o no gustará. Pero es un hecho. Y los hechos son
tozudos.
24 de setembro de 2016
The Cat Who Walks Through Walls
Robert A. Heinlein
The Cat Who Walks Through Walls
(1985)
"Precisamos de si para matar um
homem." – Esta é a primeira frase do livro, dita à mesa de
um restaurante, e dirigida a Richard Ames, o narrador; quem a
pronuncia acaba presumivelmente morto, por um atirador invisível,
antes de se passarem cinco minutos. É assim que começa esta
história de contornos policiais, cuja primeira parte descreve a fuga
de Richard e sua mulher Gwen (as coisas complicaram-se após o
atentado), de Golden Rule, uma espécie de cidade-estado na órbita
de Luna. A segunda parte, consumada a fuga, passa-se maioritariamente
em Hong Kong Luna e Luna City, cenários de The Moon is a Harsh
Mistress, quase um século volvido sobre a independência, com a
sociedade lunar a caminhar rapidamente para uma autocracia. Mas,
também aí a permanência do casal, com a cabeça de Richard posta a
prémio, é tudo menos tranquila. No limiar da terceira parte, depois
de alguns diálogos prenunciadores, entram em cena muitos dos
personagens conhecidos dos anteriores livros da série, como as
gémeas Laz e Lor, Tamara, Minerva, Galahad, Maureen, o quarteto
protagonista de The Number Of The Beast, e o próprio
Lazarus Long, como seria de esperar, entre muitos outros.
Este livro, O Gato que Atravessa as
Paredes na versão portuguesa que li em 1991, integra a série
História do Futuro; reli-o agora na versão original, na
série de livros pertencentes ao ciclo, por ordem cronológica de
publicação – o que faz muito mais sentido. É sobretudo na
terceira parte, grande parte decorrida em Tertius, que se retoma o
fio narrativo condutor da série, aprofundando o tema dos universos
paralelos, sendo bastante útil ter lido os livros anteriores para
entender as alusões e referências a factos passados.
"Gretchen, when I
first met you, less than a week ago, you were as I recall 'going on
thirteen.' So how dare you be five centimeters taller, five kilos
heavier, and at least five years older? Careful how you answer, as
anything you say will be taken down by Teena and held against you at
another time and place."
"Did someone mention
my name? Hi, Gretchen! Welcome home."
"Hi, Teena. It's
great to be back!"
I squeezed Xia. "You,
too. You look five years younger and you've got to explain it."
"No mystery about me.
I'm studying molecular biology just as I was in Luna—but here they
know far more about it—and paying my way by working in Howard
Clinic doing unprogrammed 'George' jobs—and spending every spare
minute in this pool. Richard, I've learned to swim! Why, back Loonie
side I didn't know anyone who knew anyone who knew how to swim. And
sunshine, and fresh air! In Kongville I sat indoors, breathing canned
air under artificial light, and dickered with dudes over bundling
bins." She took a deep breath, raising her bust past the danger
point, and sighed it out. "I've come alive! No wonder I look
younger."
"All right, you're
excused. But don't let it happen again. Gretchen?"
"Grandma Hazel, is he
teasing? He talks just like Lazarus."
"He's teasing, love.
Tell him what you've been doing and why you are older."
"Well... the morning
we got here I asked Grandma Hazel for advice—"
"No need to call me
'Grandma,' dear."
"But that's what Cas
and Pol call you and I'm two generations junior to them. They require
me to call them 'Uncle.'"
"I'll make them say
'Uncle'! Pay no attention to Castor and Pollux, Gretchen; they're a
bad influence."
"All right. But I
think they're kind o' nice. But teases. Mr. Richard—"
"And no need to call
me 'Mister.'"
"Yes, sir. Hazel was
busy—you were so terribly ill!—so she turned me over to Maureen,
who assigned me to Deety, who got me started on Galacta and gave me
some history to read and taught me basic six-axes space-time theory
and the literary paradox. Conceptual metaphysics—"
"Slow down! You lost
me."
Li anteriormente:
The Number of the Beast (1979)
Amor Sem Limites (1973)
The Moon is a Harsh Mistress (1966)
7 de setembro de 2016
A Jangada de Pedra
José Saramago
A Jangada de Pedra (1986)
A Jangada de Pedra é um romance
que tem como tema principal a misteriosa separação da Península
Ibérica do continente europeu, e o igualmente misterioso percurso
que a leva a rumar Atlântico fora. Nas primeiras páginas
descrevem-se alguns prodígios sucedidos com as principais
personagens da obra – Joaquim Sassa, que lança uma pedra a uma
distância impossível; José Anaiço, sempre acompanhado por uma
nuvem de estorninhos; Pedro Orce, que sente o chão a tremer, apesar
de nenhum instrumento de medição o registar; e também um cão dos
Pirinéus, Joana Carda, Maria Guavaira e Roque Lozano, todos de
alguma forma ligados a pormenores insólitos. Ora, no decurso da
narrativa, todos estes personagens acabam por se encontrar e
associar, numa viagem nómada que percorre o território da península
num grande círculo. Editado numa época em que Espanha e Portugal
tinha acabado de entrar na CEE, o livro levanta subtilmente a
questão, se seria esse horizonte europeu, realmente, o que mais se
adequava aos interesses das nações ibéricas.
José Saramago é um autor controverso,
mas, na meia-dúzia de livros que li dele, agradou-me um certo
recurso ao fantástico, que me parece aparentado do realismo mágico.
Depois de ter lido O Ano da Morte de Ricardo Reis e Memorial
do Convento, obras maiores da bibliografia do autor, cheguei a
considerar parar por aí. Afinal, seis anos depois, voltei a
Saramago...
Avançaram para o interior do círculo,
aproximaram-se, o risco lá estava, vivo, como se tivesse sido
acabado de traçar, a terra apartada para os lados, húmida a da
camada inferior apesar do sol quente. Agora estão calados, os homens
não sabem que dizer, Joana Carda não tem que acrescentar mais
palavras, é a vez de um acto arriscado que pode tornar em motivo de
escárnio toda a sua história maravilhosa. Arrasta o pé pelo chão,
arrasa o risco como uma rasoira, pisa e calca, é como um sacrilégio.
No instante seguinte, diante dos olhos assombrados de todos, o risco
refaz-se, recompõe-se exactamente como fora antes, os torrões
minúsculos, os grãos de areia reformam-se, reorganizam-se, reocupam
o seu lugar, e o risco reaparece. Entre a parte que fora destruída e
o resto, para um lado e para o outro, nenhum sinal se percebe de
separação dos efeitos, primeiro e segundo. Diz Joana Carda, numa
voz um pouco estridente de nervosismo, Já varri o risco todo, já
lhe deitei água, aparece sempre, se quiserem experimentar, até lhe
pus pedras em cima, quando as tirei voltou tudo à mesma,
experimentem para poderem acreditar. Joaquim Sassa baixou-se,
enterrou os dedos no chão fofo, arrancou um punhado de terra,
lançou-o para longe, e acto contínuo o risco restabeleceu-se. Foi a
vez de José Anaiço, mas esse pediu a vara a Joana Carda, fez com
ela um risco profundo ao lado do primeiro, depois pisou-o em todo o
comprimento. O risco não se refez. Faça você agora o mesmo, disse
José Anaiço a Joana Carda. A ponta da vara cravou-se no chão, foi
arrastada, abriu uma ferida longa, logo fechada como uma cicatriz
defeituosa quando a calcaram, e assim ficou. Disse José Anaiço, Não
é da vara, não é da pessoa, foi do momento, o momento é que
conta.
Li anteriormente:
Memorial do Convento (1982)
O Ano da Morte de Ricardo Reis (1984)
As Intermitências da Morte (2005)
4 de setembro de 2016
Solaris
Stanislaw Lem
Solaris (1961)
De Stanislaw Lem apenas havia lido um
único livro até hoje, A Nave Invencível, já lá vão
demasiados anos para me recordar com clareza do argumento, tendo
perdurado uma opinião positiva, apesar de o considerar um livro de
leitura "difícil" – nada mau, para um leitor que acabara
de completar 15 anos. Já Solaris, significava para mim o
inesquecível filme de Andrei Tarkovski, que vi duas vezes, primeiro
na televisão e depois no cinema, aguçando-me a curiosidade sobre a
obra que lhe serviu de inspiração, na qual acabei por tropeçar, em
tradução de português do Brasil.
E posso dizer que Solaris esteve
à altura das minhas expectativas. Reconheci nele os pontos
essenciais da adaptação cinematográfica, na história que decorre
numa estação-observatório a pairar sobre um planeta coberto por um
oceano plasmático, vivo, interactivo e consciente. Nessa estação
permanecem três cientistas que sofrem daquilo que inicialmente tomam
por alucinações, mas que são obra desse imenso organismo para além
da compreensão: projecções materializadas do conteúdo cerebral do
indivíduo, as impressões mais marcantes da sua memória, que o
assombram e perseguem até à insanidade. É também uma estranha
história de amor, entre Kris Kelvin, recém-chegado a Solaris, e
Rheya, sua jovem mulher, morta dez anos antes, e inexplicavelmente
materializada num ser que parece tornar-se cada dia emocionalmente
mais complexo e distinto, desafiando simultaneamente a racionalidade
e a linha de fronteira entre o ser humano e o seu duplicado
autonomizado. Como pano de fundo – a comprovar como, tantas vezes,
uma frase vale mais do que mil imagens –, os silêncios da obra
cinematográfica têm aqui correspondência numa análise aprofundada
do tema "contacto", com as suas implicações filosóficas,
sociológicas e religiosas, tal como a identificação das armadilhas
da interpretação antropomórfica, tanto mais quando o objecto desse
"contacto" é um ser absolutamente ininteligível.
Quando tornei a abrir os
olhos, tive a impressão de haver cochilado alguns minutos. O quarto
estava banhado por uma penumbra vermelha. Fazia menos calor. Eu
estava me sentindo bem, deitado, com as cobertas afastadas,
inteiramente nu. A cortina só cobria metade da janela e lá,
defronte de mim, ao lado da vidraça, iluminada pelo sol vermelho,
havia alguém sentado. Reconheci Rheya. Usava um vestido de praia,
branco, cujo tecido estava esticado no bico dos seios. Tinha as
pernas cruzadas e pés descalços. Imóvel, com os braços abertos
bronzeados até os cotovelos, olhava-me por entre os cílios escuros.
Rheya, com seus cabelos pretos penteados para trás.
Encarei-a durante muito
tempo, calmamente. Meu primeiro pensamento foi reconfortante: eu
estava sonhando e consciente disso. Não obstante, preferia que ela
sumisse. Fechei os olhos e tratei de varrer aquele sonho. Quando
tornei a abri-los, Rheya estava sentada ao meu lado. Tinha os lábios
entreabertos, como de costume, num gesto de assoviar.
Mas seu olhar era sério.
Lembrei-me da véspera, quando fizera aquelas especulações a
respeito dos sonhos. Rheya não havia mudado desde o dia em que a
vira pela última vez. Tinha, naquela época, dezenove anos. Hoje
teria vinte nove. Mas, evidentemente, os mortos não mudam, ficam
eternamente jovens. Ela fixava-me com o olhar espantado de sempre.
Tive vontade de atirar alguma coisa sobre ela. No entanto, apesar de
se tratar de um sonho, não tive coragem – mesmo em sonho – de
maltratar uma morta.
Li anteriormente:
A Nave Invencível (1964)
2 de setembro de 2016
Mundo del Fin del Mundo
Luis Sepúlveda
Mundo del Fin del Mundo (1994)
Mundo del Fin del
Mundo é uma curta novela passada a dois tempos: os
quatro capítulos que compõem a Primeira parte, de fundo
autobiográfico, descrevem a aventura de férias escolares de um
rapaz, influenciado pelo avô e pela leitura de Moby Dick, a
quem é permitida uma viagem a bordo de um navio baleeiro nas
imediações do Estreito de Magalhães. No restante, reencontramos já
o adulto, que parte de Londres e regressa a essas paragens da
infância, desta vez como um jornalista ligado à Greenpeace,
empenhado na luta contra os modernos baleeiros e a caça ilegal que
ameaça de extinção os cetáceos.
Hay que señalar que no
son solamente los depredadores japoneses los que practican el juego
de la doble moral que caracteriza a un mundo regido por la ética del
mercado. Japón es uno de los siete países más ricos del planeta y
un interlocutor fundamental; a veces hasta da la impresión de ser
una nación con patente de corso. Por ejemplo: todos los países de
Europa, Estados Unidos, la Unión Soviética y la mayoría de los
Estados africanos condenan la caza del elefante y reconocen el
peligro de extinción en que se encuentran los gigantes grises de
África. Pero ningún país condena a Japón, el gran incentivador de
la caza y el mayor comprador de marfil del planeta. De más está
señalar que controla el mercado y que es el principal proveedor de
marfil de Europa, Estados Unidos y la Unión Soviética. ¿Y para qué
sirve el marfil? Toda su utilidad se limita a la fabricación de unos
pocos artículos de lujo; con toda seguridad podemos afirmar que el
talento de una Paloma O'Shea o de un Claudio Arrau no se verá
disminuido al sentarse frente a pianos cuyo teclado no sea de marfil,
y continuarán con sus formidables interpretaciones de Mozart o
Scarlatti sin que para ello haya que exterminar animales de seis u
ocho toneladas, de los cuales se obtienen cuarenta miserables kilos
de marfil.
Li anteriormente:
Patagonia Express (1995)
Nombre de Torero (1994)
Un Viejo que Leía
Novelas de Amor (1989)
21 de agosto de 2016
A Selva
Ferreira de Castro
A Selva (1930)
Ferreira de Castro foi, em tempos, o
escritor português com maior número de traduções no estrangeiro.
Da sua juventude passada no Brasil, à qual se refere no prólogo
deste romance, recolheu certamente a inspiração para o enredo, a
história de Alberto, um português a quem as circunstâncias levam
aos confins da Amazónia, nas margens do rio Madeira, para trabalhar
num seringal – na extracção da borracha – na época em que a
matéria-prima começa a desvalorizar imparavelmente. É a descrição
da grandiosidade desta selva indómita, e a sujeição dos homens a
uma Natureza implacável, agravada por uma exploração quase
esclavagista do seu trabalho, que fazem de A Selva um imenso
quadro, que se percorre com curiosidade crescente.
Por toda a parte havia uma orquestra
invisível, feita de aves trinando melodias diferentes, que se
diluíam frequentemente num ritmo tão suave que era quase o silêncio
verificado, na véspera, por Alberto, mas agora mais vivo, mais
alvoroçante e integrado no esplendor da manhã.
De quando em quando, como se
alternassem, subia pelas narinas, perturbando o olfacto, um cheiro
forte de húmus em combustão, de troncos e folhagem apodrecendo no
solo negro e húmido; ou então errava, por largos trechos, um aroma
de ignorado jardim, perfume original e precioso como nunca o
recolheram os frascos caprichosos da França.
Adivinhava-se a luta desesperada de
caules e ramos, ali onde dificilmente se encontrava um palmo de chão
que não alimentasse vida triunfante. A selva dominava tudo. Não era
o segundo reino, era o primeiro em força e categoria, tudo
abandonando a um plano secundário. E o homem, simples transeunte no
flanco do enigma, via-se obrigado a entregar o seu destino àquele
despotismo.
O animal esfrangalhava-se no império
vegetal e, para ter alguma voz na solidão reinante, forçoso se lhe
tornava vestir pele de fera. A árvore solitária, que borda
melancolicamente campos e regatos na Europa, perdia ali a sua graça
e romântica sugestão e, surgindo em brenha inquietante, impunha-se
como um inimigo. Dir-se-ia que a selva tinha, como os monstros
fabulosos, mil olhos ameaçadores, que espiavam de todos os lados.
Nada a assemelhava às últimas
florestas do velho mundo, onde o espírito busca enlevo e o corpo
frescura; assustava com o seu segredo, com o seu mistério flutuante
e as suas eternas sombras, que davam às pernas nervoso anseio de
fuga.
Vista uma légua parecia ter-se visto
tudo. Só a água, presa nos lagos ou deslizando nos rios e igarapés,
quebrava, com a abertura de clareiras, o emaranhado aparentemente
uniforme. E, contudo, havia ali uma variedade vegetal assombrosa, com
milhentos indivíduos diferentes a confundirem-se e a engalfinhar-se
mutuamente, como numa raiva surda, – eviterna, mas quase sempre com
a mesma expressão. Daquela bárbara grandiosidade e da sua estranha
beleza, uma só forte impressão ficava – a inicial; que nunca mais
se esquecia e nunca mais também se voltava a sentir plenamente. Solo
de constantes parturejamentos; obstinado na ânsia-de-criar, a sua
cabeleira, contemplada por fora, sugeria vida liberta num mundo
virgem, ainda não tocado pelos conceitos humanos, vista por dentro,
oprimia e fazia anelar a morte. Só a luz obrigava o monstro a mudar
de fisionomia, revelando as suas pesadas atitudes, mas persistindo
sempre no seu ar enigmático.
17 de agosto de 2016
Wilt on High
Tom Sharpe
Wilt on High (1984)
Na terceira dose das desventuras de
Henry Wilt, reencontramos o nosso protagonista nas alhadas habituais,
acompanhado das personagens já conhecidas: a sua mulher Eva, as
quatro filhas gémeas, o inspector Flint, o sargento Yates, e alguns
professores e funcionários da escola de adultos onde Henry tenta dar
lições de literatura a alunos desinteressados.
Desta vez, a morte por overdose da
filha de um lorde na escola de Wilt, à qual se junta outra morte, em
circunstâncias idênticas, de um presidiário a quem Wilt
proporcionava explicações de literatura, é o pretexto encontrado
por Flint para pôr a investigação – mais concretamente o
Inspector Hodge, dos Narcóticos, a quem despreza – no encalço de
Wilt, na tentativa de exercer a sua vingança, por razões descritas
nos livros anteriores da série, e simultaneamente fazer com que
Hodge enfie o pé na argola.
Twenty
minutes later, Eva, who had been intercepted by Mavis on her way
home, drove up to the house.
'Henry,'
she shouted as soon as she was inside the front door. 'You come
straight down here and explain what you were doing with Mavis.'
'Sod
off,' said Wilt.
'What
did you say?'
'Nothing.
I was just groaning.'
'No,
you weren't. I distinctly heard you say something,' said Eva on her
way upstairs.
Wilt
got out of bed and girded his loins with the water bottle. 'Now you
just listen to me,' he said before Eva could get a word in. 'I've had
all I can stand from everybody, you, Mavis-moron-Mottram, that
poisoner Kores, the quads and the bloody thugs who've been following
me. In fact the whole fucking modern world with its emphasis on me
being nice and docile and passive and everyone else doing their own
thing and to hell with the consequences. (A) I am not a thing, and
(B) I'm not going to be done any more. Not by you, or Mavis, or, for
that matter, the damned quads. And I don't give a tuppenny stuff what
received opinions you suck up like some dehydrated sponge from the
hacks who write articles on progressive education and sex for
geriatrics and health through fucking hemlock--'
'Hemlock's
a poison. No one...' Eva began, trying to divert his fury.
'And
so's the ideological codswallop you fill your head with,' shouted
Wilt. 'Permissive cyanide, page three nudes for the so-called
intelligentsia or video nasties for the unemployed, all fucking
placebos for them that can't think or feel. And if you don't know
what a placebo is, try looking it up in a dictionary.'
He
paused for breath and Eva grabbed her opportunity. 'You know very
well what I think about video nasties,' she said, 'I wouldn't dream
of letting the girls see anything like that.'
'Right,'
yelled Wilt, 'so how about letting me and Mr bleeding Gamer off the
hook. Has it ever occurred to you that you've got genuine non-video
actual nasties, pre-pubescent horrors, in those four daughters? Oh
no, not them. They're special, they're unique, they're flipping
geniuses. We mustn't do anything to retard their intellectual
development, like teaching them some manners or how to behave in a
civilized fashion. Oh no, we're your modern model parents holding the
ring while those four ignoble little savages turn themselves into
computer-addicted technocrats with about as much moral sense as Ilse
Koch on a bad day.'
'Who's
Ilse Koch?' asked Eva.
'Just
a mass murderess in a concentration camp,' said Wilt, 'and don't get
the idea I'm on a right-wing, flog 'em and hang 'em reactionary high
because I'm not, and those idiots don't think either. I'm just mister
stick-in-the-middle who doesn't know which way to jump. But my God I
do think! Or try to. Now leave me in peace and discomfort and go and
tell your mate Mavis that the next time she doesn't want to see an
involuntary erection, not to advise you to go anywhere near Castrator
Kores.'
Eva
went downstairs feeling strangely invigorated. It was a long time
since she'd heard Henry state his feelings so strongly and, while she
didn't understand everything he'd said, and she certainly didn't
think he'd been fair about the quads, it was somehow reassuring to
have him assert his authority in the house. It made her feel better
about having been to that awful Dr Kores with all her silly talk
about...what was it?...'the sexual superiority of the female in the
mammalian world'. Eva didn't want to be superior in everything and
anyway, she wasn't just a mammal. She was a human being. That wasn't
the same thing at all.
Li anteriormente:
Wilt (1976)
The
Alternative Wilt
(1979)
16 de xullo de 2016
Clarissa
Érico Veríssimo
Clarissa (1933)
Érico Veríssimo foi, para mim, a
melhor descoberta da literatura brasileira. Gostei sobretudo do
tríptico O Tempo e o Vento, de uma dimensão épica, uma
epopeia familiar entretecida na própria História da sua pátria,
comparável a um Guerra e Paz. Já Clarissa é
completamente diferente: trata-se do primeiro romance de Veríssimo,
com o nome que viria a dar à sua primeira filha.
Clarissa é a história de uma
adolescente a completar 14 anos, filha de agrários, no seu último
ano de escola, à descoberta da vida. Vive na cidade, com a tia D.
Eufrasina, proprietária de uma pensão, e ali se assiste ao desfilar
das personagens secundárias que com ela se cruzam: O Tio Couto,
desempregado e, aparentemente, pouco amigo do trabalho,
permanentemente a zurzir no governo; Nico Pombo, o major reformado
que conta e reconta as suas velhas histórias de guerra; Amaro, o
apagado e ausente empregado bancário e compositor frustrado; Tonico,
o menino inválido da casa ao lado, cuja deficiência tolhe até os
seus sonhos; Dudu, a desinibida amiga de Clarissa, detestada por D.
Zina que a considera uma “desfrutável”; as eternas discussões
entre Levinsky, o judeu marxista, e o farmacêutico protestante
Gamaliel; e todas as peripécias que, com frescura e algum humor,
Érico Veríssimo vai alinhando nesta novela despretensiosa.
— Clarissa, vem prà mesa!
A voz aguda de D. Eufrasina apaga
impiedosamente a imagem do palhaço e do cortejo de moleques. Amaro
volta à tona...
— Que história é essa? — pergunta
Tio Couto. — O seu Amaro está enjoando a nossa comida?
Só agora Amaro percebe que nem tocou
nos talheres. Balbucia desculpas.
Estava esquecido até do almoço.
Sempre o velho vício. Sonhando, devaneando, enquanto os outros
conversam, gesticulam, vivem de verdade. É por isso que não há-de
passar nunca de simples funcionário de banco. A música não lhe dá
dinheiro. Os editores sempre vêm com a mesma desculpa:
— Nós sabemos que o senhor tem
talento, que sabe compor, mas infelizmente o nosso público quer é
sambas e fox-trotes. Escreva uma marchinha para o Carnaval que vem,
um samba ou coisa que o valha e nós editaremos a música por nossa
conta.
Nestas ocasiões Amaro pensava sempre
no carão severo e inflexível de Beethoven. E tinha vontade de dizer
num cicio de oração: «Mestre, não faça caso, eles não sabem o
que dizem...»
E assim vivia ele dentro do sonho,
alheio ao mundo objectivo. Perdia aquilo a que os homens práticos
chamam oportunidade. Cumpria o seu destino obscuro, de contemplativo.
Mas ia ficando para trás: sem
dinheiro, sem amigos, sem glória, sem nada — na sombra: uma vida
mais apagada que a do Micefufe, o gato da casa. Porque o Micefufe,
enfim, se afirma: luta contra os camundongos; luta e vence-os. O
Micefufe anda pelos telhados nas noites de lua e ama as gatas da
vizinhança.
— Se o senhor, seu Amaro, não fosse
tão distraído, seria um óptimo funcionário. Tem até uma letra
muito boa...
Só de pensar na opinião do contador
do banco, Amaro sente um mal-estar desconfortante. Quando terminará
o conflito? Conflito com a vida, com os homens que andam pela vida a
se magoarem uns aos outros, a disputar lugares aos encontrões e
cotoveladas? Cada dia que passa é uma tortura que se repete. O
expediente do banco, o tá-tá-tá das máquinas de escrever, os
cavalheiros que discutem juros de mora, taxas, câmbios; contínuos
que passam com pastas gordas de papéis cheios de algarismos; e
homens inclinados sobre as carteiras, escrevendo, registando,
calculando... E a fúria de uns para conseguirem juros mais
vantajosos, e o desespero de outros por não poderem pagar os títulos
vencidos, e as ameaças de protesto, e mais juros, e mais cálculos,
e números, números, números, afogando, esterilizando, complicando,
matando.
Só de pensar naquelas coisas Amaro
sente arrepios.
Li anteriormente:
Olhai os Lírios
do Campo (1938)
O Tempo e o
Vento, vol. III – O Arquipélago (1962)
O Tempo e o
Vento, vol. II – O Retrato (1951)
3 de xullo de 2016
O Avatar
Poul Anderson
O Avatar (1978)
De Poul Anderson, um autor
estado-unidense com inúmeros títulos publicados e razoavelmente
conhecido nos meios FC, já tinha lido meia dúzia de livros – o
último dos quais há mais de 20 anos. Desses seis livros, apenas um
não tinha sido editado nos anos 50 e, ao decidir ler O Avatar,
sabia que corria um certo risco: em 1978 a Era Dourada da FC tinha
ficado muito para trás, e as críticas ao livro eram globalmente
desfavoráveis, tanto ao nível do argumento como da extensão do
texto. Foi por isso com baixas expectativas que me dediquei à
leitura desta obra.
O argumento parte de uma ideia
recorrente na literatura deste género: o ser humano encontra uma
máquina alienígena que lhe permite fazer viagens interplanetárias,
mesmo sem entender o seu princípio de funcionamento. Neste caso
particular, inspirado por alguma especulação científica da época
acerca da utilização do força gravitacional como forma de dominar
o espaço-tempo, conforme se explica no prefácio.
A história inicia-se num ponto em que
o ser humano coloniza já um segundo planeta, Deméter, após ter
encontrado uma máquina T no Sistema Solar. Essa máquina T,
encontrada numa órbita estável, com uma mensagem de boas-vindas,
permite o acesso a Deméter no Sistema de Febo, uma espécie de
«oferta» dos Outros, nome que designa os seus desconhecidos
construtores. E embora o método de acesso a Deméter e o regresso à
Terra tenha sido revelado, todas as outras tentativas humanas na
procura de outros destinos, com sondas enviadas pelas máquinas T,
fracassaram.
A trama complica-se no momento em que
uma nave de exploração, guiada por uma nave alienígena, consegue
fazer o percurso de ida e volta ao Sistema de Febo, depois de
conseguir o contacto e a ajuda desses alienígenas: os betanos –
também simples utilizadores das máquinas T, embora um pouco mais
evoluídos tecnologicamente do que os humanos. Uma facção política
da Terra (e Deméter) na posse dessa informação, esforça-se por
mantê-la secreta a todo o custo, por considerar que a descoberta
iria desviar os recursos da humanidade e dispersá-los na exploração
espacial.
É aqui que entra em acção Dan
Brodersen, que com uma pequena nave e uma tripulação composta de
alguns fiéis e de elementos resgatados à nave de exploração já
mencionada, decide arriscar tudo para divulgar a verdade que os
políticos desejam ocultar. Afrontando forças poderosas, decide
fugir num rumo desconhecido, através da máquina T, o que dá origem
a um périplo por uma série de mundos, na procura dos Outros, e da
própria sobrevivência.
O Avatar é, de facto,
desnecessariamente extenso; alguns capítulos poderiam ter sido
cortados sem se perder nada de essencial. Com metade das páginas, e
despojado de uma certa pseudo-espiritualidade que o autor nos tenta
impingir, O Avatar podia ter sido bem mais interessante.
Trevas, nada. Negrura e absoluto.
Aquela gente lamentava-se numa espécie de terror.
As balizas em torno da máquina T não
eram candeias — vermelha, violeta, esmeralda, âmbar — acesas na
maldita escuridão. Brilhavam perdidas e débeis, como se de um
momento para o outro se pudessem apagar. Depois ao longe, no meio de
luzes mais frouxas que mal se viam, os olhos descobriam um simples
ponto de luz.
— Acalma-te — ordenava uma parte de
Joelle que ela destacava de si mesmo para isso. — Não corremos
perigo imediato. Vou investigar.
Reunificou a sua mente. Com os órgãos
da nave e com os seus próprios sentidos começou a desbravar o
desconhecido.
O radar trouxe-lhe a imagem daquele
cilindro a girar. Era o maior que até aí haviam encontrado. Na
ausência de gravidade, Joelle sentia, apesar de tudo, aquela massa e
a energia que ela continha. Os meios ópticos e a rádio, vastamente
ampliados, mostravam-lhe estrelas espalhadas em pequeno número e por
largas distâncias, como brasas já a cobrirem-se de cinzas, a
caminharem para a extinção. Em torno do casco era quase o vácuo
total. Toda a radiação e todas as partículas materiais que ela
conhecia tinham desaparecido quase por completo, deixando uma
cavidade a que não fazia sentido chamar vazia ou fria. Joelle
procurou e encontrou galáxias próximas, tão calcinadas como esta.
As suas formas eram caóticas. Joelle tentou encontrar agrupamentos
completos delas, e teria possibilidade de vislumbrar algumas das mais
próximas, tais como as do grupo da Virgo, pelos derradeiros fotões
que houvessem irradiado; mas não conseguiu. Haviam desaparecido
demasiado rapidamente.
A atenção de Joelle voltou-se de novo
para o que mais próximo a rodeava. Os instrumentos haviam acumulado
dados suficientes para ela deduzir que a máquina girava em órbita
em torno de um sol completamente extinto. Semelhante ao Sistema
Solar, ele nunca tinha explodido, por ser demasiado pequeno, mas
passou pelas fases de gigante vermelho e por outras fases variáveis,
contraiu-se até ficar um globo do tamanho de um planeta de densidade
máxima, onde os átomos podiam ainda continuar a ser átomos, e
arrefecer lentamente, de calor branco para uma massa de escórias.
Ficaram alguns verdadeiros planetas, rochas nuas ou cobertos pelas
suas próprias atmosferas geladas.
Salvo um...
Joelle lembrou-se de que tinha de
descer das alturas para dizer à sua gente aquilo que havia sido
revelado dentro dela.
— Estamos no futuro remoto...
Espacialmente, de novo no interior da galáxia, mas no tempo qualquer
coisa entre setenta e cem biliões de anos depois de termos nascido.
Não restam mais estrelas vivas a não ser as mais pálidas
(bem-aventurados os simples porque deles é o reino dos céus) e
estão agora a morrer, enquanto a própria galáxia se está a
desintegrar. O universo expandiu-se e atingiu quatro ou cinco vezes
as dimensões que tinha nos nossos dias. Se avançarmos muito ainda,
julgo que saberemos se ele realmente se continuará a expandir para
todo o sempre ou se, no fim de contas, é verdadeira a velha ideia de
que acabará por implodir, retraindo-se para o interior de si mesmo e
transformando-se em nova bola de fogo e em novo cosmos.
Li anteriormente:
Essas Estrelas
São Nossas (1959)
A Hora da
Inteligência (1954)
Espião
Interestelar (1966)
9 de xuño de 2016
El Informe de Brodie
Jorge Luis Borges
El Informe de Brodie (1970)
El Informe de Brodie (conhecido
em português sob o título O Relatório de Brodie) reúne
onze curtos contos, em que o último dá o nome ao livro. Sem os
enigmas e os labirintos que caracterizavam as suas recolhas
anteriores, o próprio Borges escreve no prefácio que estes contos
são «directos», sem se atrever a afirmar que são «simples»
(pois não existirá, na sua opinião, uma única palavra no universo
que o seja). Toma como modelo Rudyard Kipling e os seus contos de
Plain Tales from the Hills, entre os quais considera existir
«não poucas [...] lacónicas obras-primas». Caracterizados por um
enquadramento de violência mais ou menos explícita, o trecho que
escolhi pertence a «Historia de Rosendo Juárez», uma espécie de
continuação de «Hombre de la Esquina Rosada» da Historia
Universal de la Infamia.
En el almacén, una noche
me empezó a buscar un mozo Garmendia. Yo me hice el sordo, pero el
otro, que estaba tomado, insistió. Salimos; ya desde la vereda,
medio abrió la puerta del almacén y dijo a la gente:
—Pierdan cuidado, que ya
vuelvo enseguida.
Yo me había agenciado un
cuchillo; tomamos para el lado del Arroyo, despacio, vigilándonos.
Me llevaba unos años; había visteado muchas veces conmigo y yo
sentí que iba a achurarme. Yo iba por la derecha del callejón y él
iba por la izquierda. Tropezó contra unos cascotes. Fue tropezar
Garmendia y fue venírmele yo encima, casi sin haberlo pensado. Le
abrí la cara de un puntazo, nos trabamos, hubo un momento en el que
pudo pasar cualquier cosa y al final le di una puñalada, que fue la
última. Sólo después sentí que él también me había herido,
unas raspaduras. Esa noche aprendí que no es difícil matar a un
hombre o que lo maten a uno. El arroyo estaba muy bajo; para ir
ganando tiempo, al finado medio lo disimulé atrás de un horno de
ladrillos. De puro atolondrado le refalé el anillo que él sabía
llevar con un zarzo. Me lo puse, me acomodé el chambergo y volví al
almacén. Entré sin apuro y les dije:
—Parece que el que ha
vuelto soy yo.
Pedí una caña y es
verdad que la precisaba. Fue entonces que alguien me avisó de la
mancha de sangre.
Li anteriormente:
Ficciones
(1944/1956)
El Aleph
(1949/1952)
Historia
Universal de la Infamia (1935/1974)
6 de xuño de 2016
A Sonda do Tempo
Arthur C. Clarke / vários autores
A Sonda do Tempo (1966)
Uma antologia de contos de vários
autores de FC, organizada por um dos nomes sonantes do género, não
é um acontecimento raro; já tive oportunidade de ler obras neste
formato, editadas ou organizadas por Isaac Asimov ou Bruce Sterling.
A Sonda do Tempo (Time Probe no título original)
compõe-se de 11 contos que incluem o Take A Deep Breath (ou
Respire Fundo), do próprio Arthur C. Clarke, que eu já
conhecia da sua colectânea O Outro Lado do Céu. Os outros
autores incluídos são Isaac Asimov, Robert A. Heinlein, Julian
Huxley (irmão de Aldous Huxley), Cyril M. Kornbluth, Philip Latham,
Murray Leinster, James H. Schmitz, Robert Silverberg, Theodore L.
Thomas e Jack Vance. Os contos datam entre 1927 e 1962, e Arthur C.
Clarke fez a sua selecção de modo que cada um deles ilustrasse um
aspecto particular da ciência ou tecnologia – matemática,
arqueologia, medicina, biologia, etc.
É difícil – para não dizer injusto
– destacar qualquer dos contos; mas, para o excerto abaixo citado
escolhi o primeiro, de Robert A. Heilein, intitulado ... E Ele
Construiu Uma Casa Torta, que tem por tema uma casa
tetradimensional, por aplicação da geometria não euclidiana,
concebida por um arquitecto chamado Quintus Teal que, após uma
conversa com um amigo, bem regada de conhaque, o convence a
financiá-la. Depois de considerarem as dificuldades burocráticas,
decidem-se por um desdobramento tridimensional dessa forma geométrica
(da mesma forma que a cruz latina é um desdobramento bidimensional
de um cubo). Uma vez construído o edifício, e na consequência de
um pequeno incidente, o arquitecto, o amigo e a mulher deste, na
visita inaugural, vêem-se aprisionados numa casa de geometria
inesperada onde, por exemplo, se se caminhar sempre no mesmo sentido
volta-se ao ponto de partida, ou ao espreitar por uma janela nunca se
vê o que seria de esperar (e, a partir daqui. as coisas só tendem a
piorar...)
Do ponto de vista dos
Baileys ele simplesmente desapareceu.
Mas não do seu. Levou
alguns segundos para recuperar o fôlego. Então, cautelosamente,
soltou-se da roseira com a qual ficara quase que irrevocavelmente
entrelaçado, tomando mentalmente nota de nunca mais encomendar
ajardinamento que incluísse plantas com espinhos, e olhou em volta.
Estava do lado de fora da
casa. O volume compacto da sala do andar térreo elevava-se ao seu
lado. Aparentemente, caíra do telhado.
Dobrou a esquina da casa
correndo, abriu a porta da frente, com violência, e subiu correndo
as escadas. — Homer! — chamou. — Sra. Bailey! Encontrei uma
saída!
Bailey pareceu mais
aborrecido do que contente em vê-lo. — O que foi que aconteceu com
você?
— Caí para fora. Estive
do lado de fora da casa. Vocês podem fazer isso com a mesma
facilidade — apenas atravessem essas portas-janelas. Cuidado com a
roseira, talvez tenhamos que construir outra escada.
— Como foi que voltou a
entrar?
— Pela porta da frente.
— Então sairemos da
mesma maneira. Venha, querida. — Bailey enfiou, resolutamente, o
chapéu na cabeça e desceu as escadas com passo firme, a esposa
agarrada ao seu braço.
Teal encontrou-os na
saleta. — Eu podia ter-lhes dito que isso não funcionaria —
observou. — Agora, eis o que devemos fazer: do modo como vejo as
coisas, numa figura quadridimensional, um homem tridimensional tem
duas escolhas cada vez que cruza uma linha de junção, como uma
parede ou um limiar. Comumente, ele fará uma volta de noventa graus
na quarta dimensão, só que não sentirá isso nas suas três
dimensões. Olhem. — Teal atravessou a mesma janela pela qual caíra
há poucos momentos. Atravessou-a e chegou à sala de jantar, bem
onde estava, ainda falando.
— Observei onde ia e
cheguei onde tencionava. — Voltou para a saleta. — Da outra vez
não prestei atenção, desloquei-me através do espaço normal e caí
para fora da casa. Deve ser um caso de orientação subconsciente.
— Detestaria ter de
depender de orientação subconsciente quando saio de manhã para
apanhar o jornal.
— Você não terá de
fazê-lo; tornar-se-á automático. Bem, para sair da casa, desta vez
— Sra. Bailey, se a senhora ficar de pé aqui, com as costas para a
janela e pular para trás, tenho absoluta certeza de que a senhora
aterrissará no jardim.
O rosto da Sra. Bailey
expressava sua opinião sobre Teal e suas idéias. — Homer Bailey —
disse ela com voz esganiçada, —, você vai ficar parado aí e
deixar que ele sugira uma coisa des...
— Mas, Sra. Bailey —
tentou explicar Teal —, podemos amarrar uma corda na senhora e
baixá-la fácil.
— Esqueça, Teal —
interrompeu Bailey, bruscamente. — Vamos ter de encontrar coisa
melhor do que essa. Nem a Sra. Bailey nem eu estamos em condições
de pular.
1 de xuño de 2016
Sumisión
Michel Houellebecq
Sumisión (2015)
Confesso que nunca tinha ouvido falar
de Michel Houellebecq antes da publicação de Submissão, e
da polémica que levantou. Pensei, erradamente, que se tratava de uma
obra de estreia; afinal Houellebecq já publicava há mais de vinte
anos e contava um punhado de prémios literários.
A novela decorre em 2022, no contexto
das eleições presidenciais francesas, onde um candidato islâmico
“moderado”, líder da Irmandade Muçulmana, apoiado por uma
“frente republicana” que inclui socialistas, sociais-democratas e
liberais, derrota tangencialmente a candidata da Frente Nacional. No
centro da narrativa está François, um professor universitário de
literatura (e fala-se bastante sobre literatura e filosofia),
despolitizado e desenraizado – com uma preferência especial pela
obra de Joris-Karl Huysmans, sobre o qual fez a sua tese – que vê
o seu pequeno mundo desabar aos pedaços.
Sumisión (Soumission no
original – optei pela tradução em espanhol) é um livro em tom
crepuscular, que antecipa uma França à beira do abismo islâmico,
tentando alinhar algumas pistas que possam responder à pergunta
«como foi possível chegarmos a isto?» E temos, assim, em primeiro
lugar, a nossa própria responsabilidade, quando nos deixamos enredar
nos vários cantos de sereia destinados a levar a nossa sociedade ao
suicídio; depois, a cegueira (para não dizer mais) dos actuais
dirigentes políticos, extrapolados para este futuro próximo; o
falhanço da democracia, no cada vez maior afastamento entre as
opções da classe política e o sentir da sua base de apoio; a
manipulação e o boicote noticioso
das grandes cadeias de informação levados às últimas
consequências (já em marcha actualmente: é raro o noticiário onde
não se veja um barco de “refugiados”, mas nada se conta sobre as
violações, assassínios e outra criminalidade violenta praticada
diariamente por esses “migrantes” em território europeu). Por
fim, a submissão pacífica à sharia, tanto por parte da
esquerda, paralisada nas suas próprias contradições, como pela
direita conservadora e pragmática que, no fundo, não se sente
demasiado afectada com as novas leis...
—Es curioso —dijo
finalmente Lempereur—, cómo nos mantenemos apegados a los autores
a los que nos dedicamos al principio de nuestra vida. Podría parecer
que al cabo de uno o dos siglos, las pasiones se extinguen y como
universitarios accedemos a una especie de objetividad literaria,
etcétera. Pues para nada. Huysmans, Zola, Barbey, Bloy, todas esas
personas se conocieron, tuvieron relaciones de amistad o de odio, se
aliaron, se enfadaron, la historia de sus relaciones es la de la
literatura francesa; y nosotros, a más de un siglo de distancia,
reproducimos esas mismas relaciones, mantenemos nuestra fidelidad al
que fue nuestro campeón, seguimos dispuestos a amarnos, enfadarnos y
pelear por él a golpe de artículo.
—Lleva razón, pero eso
es bueno y prueba por lo menos que la literatura es un asunto serio.
—Nadie se enfadó nunca
con el pobre Nerval... — intervino Alice, pero Lempereur ni
siquiera la oyó, creo, seguía mirándome con intensidad,
ensimismado en su discurso.
—Usted siempre ha sido
una persona muy seria —prosiguió—, he leído todos sus artículos
en el Journal. No es ése mi caso. Estaba fascinado por Bloy
cuando tenía veinte años, fascinado por su intransigencia, su
violencia, su virtuosismo en el desprecio y en el insulto; pero era
también, y mucho, un fenómeno de moda. Bloy era el arma absoluta
contra el siglo XX con su mediocridad, su idiotez militante, su
humanitarismo repelente; contra Sartre, contra Camus, contra todos
los payasos del compromiso; también contra todos los formalistas
nauseabundos, el nouveau roman y todas esas absurdidades sin
consecuencia. Bueno, ahora tengo veinticinco años y siguen sin
gustarme Sartre, ni Camus, ni nada que se parezca al nouveau
roman; pero el virtuosismo de Bloy se me ha vuelto pesado, y
tengo que reconocer que la dimensión espiritual y sagrada en la que
se regodea ya no me evoca casi nada. Ahora me gusta más releer a
Maupassant o a Flaubert, o incluso a Zola, por lo menos algunas
páginas. Y también, por supuesto, al muy curioso Huysmans...
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