Nas Montanhas
da Loucura (1936)
Howard Phillips
Lovecraft, hoje considerado como um dos mais carismáticos e
influentes escritores de literatura fantástica do séc. XX, não
publicou um
único livro durante a sua vida (se
descontarmos a péssima edição de The
Shadow
Over
Innsmouth, em 1936). A sua obra –
ensaio, uma novela, várias noveletas, contos e poesia
– nem sempre impressa
em revistas conhecidas, como a Astounding, a Amazing
ou a Weird Tales,
espalhou-se por edições amadoras ou jornais regionais, e parecia
destinada ao esquecimento, após a sua morte prematura. O empenho dos
escritores August Derleth e Donald Wandrei, pertencentes ao seu
círculo de amigos e admiradores, resultou na criação da Arkham
House, editora destinada inicialmente à publicação dos trabalhos
de H. P. Lovecraft. Assim, os livros de Lovecraft são, por norma,
colectâneas de contos, mais ou menos organizadas segundo os vários
ciclos em que é possível dividir a sua obra.
Nas Montanhas da Loucura trata
de uma expedição geológica e paleontológica ao continente
antárctico, onde é destruída num ataque por seres primevos que
encarnam o próprio mal. O relato é contado em retrospectiva, por um
dos sobreviventes, como um apelo desesperado na tentativa de evitar
novas incursões àquele continente. Descreve então a descoberta de
uma interminável cidade ciclópica, abandonada e semiarruinada, em
parte preservada pela camada de gelo glacial, velha de muitos milhões
de anos, construída ao longo de eras geológicas por seres vindos do
espaço, cuja história deixaram talhada em baixos-relevos
omnipresentes nos salões, galerias e túneis que o narrador e um
acompanhante percorreram, antes de fugir da ameaça de morte certa.
O tema das viagens ao continente
desconhecido já o havia encontrado em Edgar
Allan Poe (As
Aventuras de Arthur Gordon Pym
–
com
o qual este livro partilha uma ligação)
e Jules
Verne (A
Esfinge dos Gelos
–
também
relacionado com Arthur
Gordon Pym)
e, de forma algo diferente, em Vladimir Obrutchev (Terra
de Sannikof
e Viagem à
Plutónia),
uma vez mais, Verne (Viagem
ao Centro da Terra)
ou Arthur Conan Doyle (O
Mundo Perdido).
No entanto, H. P. Lovecraft é
diferente de todos eles, pois traz uma dimensão de horror primordial
e sobrenatural, que raramente passa das alusões veladas e das
meias-palavras dos personagens, deixando à imaginação do leitor o
trabalho de ligar os pontos para completar o desenho.
Os
restantes três contos que compõem o livro – A
Casa Abandonada,
Os Sonhos
na Casa Assombrada
e O
Depoimento de Randolph Carter
– são, na
minha
opinião, mais próximos do horror à Edgar Allan Poe, e cruzam
referências (remetem para particularidades de Mountains
e também para títulos de outros contos que ainda não li) deixando
entrever todo um universo mitológico que
H. P. Lovecraft terá criado
para os seus
contos.
O
efeito da visão monstruosa era indescritível, pois parecia fora de
dúvida que em sua origem atuara alguma diabólica violação da lei
natural. Ali, num altiplano infernalmente antigo, a nada menos de
6.000 metros de altitude, e num meio climático vedado à vida desde
uma era pré-humana a não menos de quinhentos mil anos, estenda-se
quase até o limite da visão um entrelaçamento ordeiro de pedras
que só o desespero da legítima defesa mental poderia deixar de
imputar a uma causa consciente e artificial. Havíamos descartado
anteriormente, para todos os efeitos de cogitação séria, qualquer
teoria de que os cubos e muralhas das encostas não tivessem origem
natural. Como seria de outra forma, se o próprio homem mal poderia
ser diferenciado dos grandes macacos à época em que aquela região
sucumbira ao presente reino ininterrupto de morte glacial?
No
entanto, agora a razão parecia irrefutavelmente abalada, pois aquele
emaranhado ciclópico de blocos aplainados, recurvados e dispostos em
ângulos possuía características que invalidavam todo e qualquer
refúgio seguro. Era, com inescapável clareza, a cidade blasfema da
miragem, numa realidade crua, objetiva e inelutável. Aquele prodígio
maldito tivera, afinal, um fundamento material — uma camada
horizontal de poeira de gelo pairara, suspensa, na atmosfera superior
e aquela chocante sobrevivência de pedra havia projetado sua imagem
para o outro lado das montanhas, obedecendo às leis simples da
reflexão. O fantasma, naturalmente, chegara a nós distorcido e
exagerado, exibindo, ademais, coisas que a fonte real não continha.
Agora, porém, vendo-lhe a fonte real, nós a julgávamos ainda mais
tétrica e ameaçadora que sua imagem distante.
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