26 de xaneiro de 2019

Uma Viagem ao Amazonas

Sanches de Frias
Uma Viagem ao Amazonas (1883)

Cheguei aqui absolutamente por acaso, quando procurava o livro de Cristóbal de Acuña; sem nenhuma referência, fiquei na esperança de me deparar com uma boa narrativa de viagem. David Correia Sanches de Frias era para mim um nome desconhecido, e tudo quanto descobri sobre ele está numa página alojada no município de Arganil, de onde era natural. Nasceu em 1845 e partiu muito jovem para o Brasil, em busca de fortuna, que alcançou graças ao trabalho e esforço pessoal. Ao mesmo tempo cultivou as suas aspirações literárias, que levara deste lado do Atlântico, dedicando-se à poesia, conto, romance, biografia. Regressou a Portugal em 1880, foi-lhe atribuído o título de visconde, integrou-se no ambiente literário da época, colaborou com jornais e revistas, e foi co-proprietário dos jornais Capital e O Globo.
Uma Viagem ao Amazonas não é um livro de viagem, entendido como relato de uma experiência pessoal; Sanches de Frias, que permaneceu no Rio de Janeiro alguns anos, antes de se estabelecer em Belém do Pará, terá elaborado esta ficção a partir da informação e de conversas que escutou. Os protagonistas são Paulo da Silveira e Gastão de Mascarenhas, estudantes em Washington que, acabado o curso, devem regressar às suas origens; Silveira, brasileiro, convence o português Mascarenhas a acompanhá-lo à sua terra, na Amazónia, antes de voltar a Portugal. E temos, assim, o pretexto para as descrições das maravilhas e prodígios da natureza, a fauna e a flora que a cada passo surpreendem o português naquela terra estranha e primitiva, a gastronomia e os costumes, bem como as particularidades linguísticas e culturais daquelas gentes. Foi o reencontro com o tema do europeu confrontado com o exotismo de outros continentes, que tantos livros preencheu as minhas leituras, antes dos 20 anos. Não é em vão que se faz aqui uma referência explícita: «E a verdade é que as nossas aventuras, pequenas como são, poderiam fornecer a Júlio Verne meia dúzia de páginas menos más.» — diz a certo ponto Paulo da Silveira (e não é a única alfinetada ao escritor francês). Nesta edição de Uma Viagem ao Amazonas, impressa em Lisboa em 1883, consta uma série de belas gravuras de Armando Pedroso, ao estilo do que era uso na época, com capa de Rafael Bordalo Pinheiro.

Os dois amigos pararam de conversar, vendo que o capitão dava ordens apressadas, recommendando ao homem do leme toda a cautela e vigilancia.
O navio jogava cada vez mais.
— Orça! tudo á esquerda! carrega a bombordo! — gritava o capitão.
Paulo e Gastão correram para elle.
— O que é isto, se me é permittida a pergunta? — disse este.
—Uma pequena surpreza. . . nada mais. Carrega para terra! toda a força! — bradou de novo.
Tudo isto se executou em pouco tempo.
— Prolonga o navio com a corrente, não venha o diabo encontrar-nos a travez!
— Mas o que é isto? — insistiu Mascarenhas.
— Olhe para alli — respondeu o fazendeiro.
Chegaram-se todos para a borda, e viram, com grande pasmo de Mascarenhas, uma enorme serra de agua, franjada de escuma branca, crescendo, ennovelando-se para a direita, como uma muralha fantastica.
De repente, como por encanto, produziu-se um estampido medonho, como de um rouco trovão, e a furiosa e collossal massa liquida, como que a debater-se com um corpo gigantesco, estranho, mysterioso, subiu e desceu por tres vezes, a poucos metros de distancia do vapor.
Este, lambido apenas por uma insignificante parte das aguas, que escorriam dos furiosos e altissimos vagalhões, deu ainda assim tres corcovos assustadores, recebendo no convez uma onda consideravel, que parecia poder submergil-o.
Mascarenhas julgou-se perdido e com elle quasi todos os passageiros, que ficaram completamente molhados.
Quando Paulo acabou de desempastar o cabello da testa, e tentou abrir os olhos, viu o seu companheiro agarrado a Francisco de Andrade, que caira de costas.
As ondas fugiam em carreira vertiginosa e a longa distancia já: o vapor balouçava-se tranquillamente, e seguia viagem, como se nada tivesse acontecido.
— Acabou tudo, meus senhores. Vamos despir-nos — exclamou o capitão, a sorrir-se.
— Ó sr. Mascarenhas, — disse o fazendeiro — confesse que teve mais medo do que eu, apesar de ter caído. Olhe que não foi de susto, creia.
—Mas. . . senhores, isto não se faz mais depressa, nem melhor n’uma mutação de theatro! —exclamou o mancebo. — Não comprehendo nada. Que phenomeno! que phenomeno este! Ó Paulo, a tua terra é muito hospitaleira e amavel, mas a continuarmos assim, arripio carreira, e vou mandar ao diabo o teu Amazonas.
— Socega. A pororoca. . .
— O que?
— A pororoca é muito conhecida dos nossos maritimos; pouco ha a receiar.
— Mas. . . que demonio vem a ser isso?
— Um phenomeno, que. . . Ó capitão, faz-me o favor de explicar ao meu amigo o que acaba de passar-se?
Um criado apresentava calices de boa aguardente de canna, e o capitão instava pela mudança de roupa, offerecendo para isso o seu camarim.
Abertas as mallas, e uma vez alli entrados, começou elle:
— Todos os que navegámos por aqui conhecemos muito bem a pororoca, mas não sabemos explical-a. Sobre um phenomeno tão extraordinario correm diversas versões. Uns dizem que só se pode attribuir á influencia vulcanica, que põe momentaneamente em evolução enormes massas de agua; outros ao simples movimento da maré, que procura conter a corrente; uns dão a isto uma interpretação sobrenatural; outros finalmente, attribuindo ao leito dos rios certo declive, em lugares determinados, querem que duas correntes oppostas, onde tem entrada a influencia de certas marés, ao encontrar-se, estabeleçam entre si uma lucta, erguendo-se ambas, quebrando, e levando de vencida tudo quanto se collocar ao alcance da sua furia.
— O que sei — interrompeu o fazendeiro — é que é um perigo dos diabos. Já perdi um barco de gado com toda a gente, que o governava.

1 de xaneiro de 2019

La Crisis del Mundo Moderno

René Guénon
La Crisis del Mundo Moderno (1927)

Segunda obra publicada por René Guénon no ano de 1927, A Crise do Mundo Moderno tem, pelo menos, uma tradução em Portugal, pela Editorial Vega. Optei, no entanto por ler uma tradução espanhola, por Manuel García Viñó, publicada através das Ediciones Obelisco. Este foi um dos livros mais marcantes que li nos últimos anos: uma análise crítica da modernidade e das suas origens, numa obra sucinta, que Julius Evola deve ter lido com particular atenção. Num ataque impiedoso aos mitos e vacas sagradas dos tempos contemporâneos, René Guénon descreve como o Ocidente perdeu o contacto com a tradição e se deixou permear pelo que designa como “barbárie materialista”, demonstrando como o humanismo, o iluminismo, a filosofia, o racionalismo, a ciência (que qualifica de “profana”), o individualismo e, de um modo geral, todas as capelinhas da historiografia progressista (a única em vigor), foram pontos de ruptura que nos afastaram gradualmente de um mundo tradicional e espiritual para nos transportar a uma época de “democracia” e massificação que mais não são que a face visível da desordem reinante.

Dicho esto, tenemos que insistir aún sobre una consecuencia inmediata de la idea "democrática", que es la negación de la élite entendida en su sola acepción legítima; no en vano "democracia" se opone a "aristocracia", palabra que designa precisamente, al menos cuando es tomada en sentido etimológico, el poder de la élite. Esta, de alguna manera por definición, no puede ser más que un número pequeño, y su poder, su autoridad más bien, que procede de su superioridad intelectual, no tiene nada en común con la fuerza numérica sobre la que reposa la "democracia", cuyo carácter esencial es sacrificar la minoría a la mayoría, e igualmente y por esto mismo, como decíamos más arriba, la calidad a la cantidad, luego la élite a la masa. Así, el papel director de una verdadera élite y su existencia misma, porque ella representa forzosamente este papel desde el momento en que existe, son radicalmente incompatibles con la "democracia", que está íntimamente ligada a la concepción "igualitaria", es decir, a la negación de toda jerarquía: el fondo mismo de la idea "democrática" es que un individuo cualquiera vale igual que otro, porque ellos son iguales numéricamente, aunque no puedan serlo nunca más que numéricamente. Una élite verdadera, ya lo hemos dicho, no puede ser más que intelectual; es por esto por lo que la "democracia" no puede instaurarse más que allí donde la pura intelectualidad no existe ya, lo que es efectivamente el caso del mundo moderno. Sin embargo, como la igualdad es imposible de hecho, y como no se puede suprimir prácticamente toda diferencia entre los hombres, a despecho de todos los esfuerzos de nivelación, se llega, a través de un curioso ilogismo, a inventar falsas élites, por otra parte múltiples, que pretenden sustituir a la única élite real; y estas falsas élites están basadas sobre la consideración de superioridad cualquiera, eminentemente relativas y contingentes, y siempre de orden puramente material. Es fácil apercibirse de esto advirtiendo que la distinción social que cuenta más, en el presente estado de cosas, es la que se funda sobre la fortuna, es decir, sobre una superioridad completamente exterior y de orden exclusivamente cuantitativo, la única, en suma, que es conciliable con la "democracia", puesto que procede del mismo punto de vista. Añadiremos por lo demás que aquellos mismos que se sitúan actualmente como adversarios de este estado de cosas, pero no haciendo intervenir tampoco ningún principio de orden superior, son incapaces de remediar eficazmente un tal desorden, cuando no corren el riesgo de agravarlo aún más, yendo siempre más lejos en el mismo sentido; la lucha es solamente entre diversas variedades de "democracia", que acentúen más o menos la tendencia "igualitaria", como lo es también, según hemos dicho, entre diversas variedades del individualismo, lo que, por otra parte, viene exactamente a ser lo mismo.
[...]
Nos es preciso recordar aún, aunque ya lo hayamos indicado, que las ciencias modernas no tienen el carácter de un conocimiento desinteresado, y que, inclusive para los que creen en su valor especulativo, éste es apenas una máscara bajo la que se ocultan preocupaciones puramente prácticas, pero que permite conservar la ilusión de una falsa intelectualidad. El propio Descartes, al crear su física, soñaba sobre todo en sacar de ella una mecánica, una medicina y una moral; y, con la difusión del empirismo anglosajón, fue otra cosa aún; por lo demás, lo que constituye el prestigio de la ciencia a los ojos del gran público son casi únicamente los resultados prácticos que permite conseguir, porque aquí todavía se trata de cosas que pueden verse y tocarse. Decíamos que el "pragmatismo" representa la meta de toda la filosofía moderna y su último grado de decadencia; pero hay también, y desde hace ya mucho tiempo, fuera de la filosofía, un "pragmatismo" difuso y no sistematizado, que es al otro lo que el materialismo práctico es al materialismo teórico y que se confunde con lo que el vulgo llama el "buen sentido". Este utilitarismo casi instintivo es por otra parte inseparable de la tendencia materialista: el "buen sentido" consiste en no sobrepasar el horizonte terrestre tanto como en no ocuparse de lo que no tiene interés práctico inmediato; para él, sólo el mundo sensible es "real" y no hay conocimiento que no venga de los sentidos; también para él, este conocimiento restringido no vale sino en la medida en que permite dar satisfacción a necesidades materiales, y a veces a un cierto sentimentalismo, porque, hay que decirlo claramente, aun a riesgo de chocar con el "moralismo" contemporáneo, el sentimiento está en realidad muy cerca de la materia. En todo esto, no queda ningún lugar para la inteligencia, sino en la medida en que consienta en servir a la realización de fines prácticos, a no ser más que un simple instrumento sometido a las exigencias de la parte inferior y corporal del individuo humano, o, según una singular expresión de Bergson, "un útil para hacer útiles"; lo que tiene el "pragmatismo" bajo todas sus formas es una indiferencia total respecto a la verdad.

Li anteriormente:
El Rey del Mundo (1927)