25 de marzo de 2020

The Goblin Reservation

Clifford D. Simak
The Goblin Reservation (1968)

Não me recordo qual o segundo livro de FC que li; o primeiro nunca o esqueci: Mundos Simultâneos, a tradução portuguesa de Ring Around the Sun, de Clifford D. Simak. Foi uma autêntica surpresa, abrindo-me as portas para este sub-género que me acompanhou durante muito tempo. Desde então, dos fins dos 70s até 1990, li outras treze obras do mesmo autor. The Goblin Reservation é o reencontro com o escritor, trinta anos depois.
O livro foi editado em Portugal, na Colecção Argonauta, sob o título O Tempo dos Duendes, mas o texto não prima pela fidelidade. Sendo uma colecção de baixo orçamento, limitada por um número mais ou menos fixo de páginas por volume, o editor não se coibia em desbastar o texto até permitir encaixotar a obra no espaço disponível — e no caso presente, fê-lo profusamente. Se a escolha dos autores e o grafismo da capa eram, geralmente, criteriosos, já a edição deixava muito a desejar. Comparando a tradução portuguesa com o original verifica-se uma contínua supressão de frases. Nada do que falta parece obstar ao entendimento da narrativa, mas, a meio caminho de uma versão condensada para leitores apressados, há uma perda considerável de pormenor e de profundidade — para nem falar no desrespeito ao trabalho do autor.
Passado numa Terra em que as viagens no tempo são triviais e as viagens no espaço instantâneas, The Goblin Reservation conta a história de Peter Maxwell, um professor universitário que não conseguiu chegar ao seu planeta de destino e, no regresso, descobre que um seu duplicado chegara à Terra duas semanas antes, após uma viagem sem sobressaltos e, entretanto, morrera num acidente. Peter Maxwell tinha permanecido naquilo que descreveu como o “planeta de cristal”, um imenso repositório de conhecimento vindo de um universo anterior ao presente, que é oferecido como moeda de troca por um misterioso objecto, exposto no museu do Tempo, resistente a toda a tentativa de análise, conhecido como o Artefacto. Esse gigantesco arquivo também é disputado por uns estranhos seres extraterrestres, os Wheelers, que se propõem à compra do Artefacto. A história de The Goblin Reservation está cheia de meandros e situações inesperadas, aligeirada pelas personagens e pelo tom dos diálogos, incluindo seres mais relacionados com o sobrenatural ou com o lendário do que com a FC clássica (o que não é inédito na bibliografia do autor, recorde-se os excelentes A Irmandade do Talismã ou Onde Mora o Mal), acabando por integrá-los depois num enquadramento racionalizante de “plausibilidade”, para não defraudar os leitores. É um livro com originalidade e, de certa forma, refrescante; mas, na minha opinião, Clifford D. Simak tem outros que são melhores.

She shook her head. “No,” she said. “No, it’s not any good to ask. I have no right to ask. I’ll simply have to tell you and trust to your discretion. And I’m pretty sure it’s true. Time has been made an offer for the Artifact.”
Silence reverberated in the room as the other three sat motionless, scarcely breathing. She looked from one to the other of them, not quite understanding.
Finally Ghost stirred slightly and there was a rustling in the silence of the room, as if his white sheet had been an actual sheet that rustled when he moved.
“You do not comprehend,” he said, “the attachment that we three hold to the Artifact.”
“You struck us in a heap,” said Oop.
“The Artifact,” said Maxwell softly. “The Artifact, the one great mystery, the one thing in the world that has baffled everyone...”
“A funny stone,” said Oop.
“Not a stone,” said Ghost.
“Then, perhaps,” said Carol, “you’ll tell me what it is.”
And that was the one thing, Maxwell told himself, that neither Ghost nor any one else could do. Discovered ten years or so ago by Time investigators on a hilltop in the Jurassic Age, it had been brought back to the present at a great expenditure of funds and ingenuity. Its weight had demanded energy far beyond anything so far encountered to kick it forward into time, an energy requirement which had made necessary the projection backward into time of a portable nuclear generator, transported in many pieces and assembled on the site. And then the further task of bringing back the generator, since nothing of that sort, as a matter of simple ethics, could be abandoned in the past—even in the past of the far Jurassic.
“I cannot tell you,” said Ghost. “There is no one who can tell you.”
Ghost was right. No one had been able to make any sense of it at all. A massive block of some sort of material that now appeared to be neither stone nor metal, although at one time it had been thought to be a stone, and later on, a metal, it had defied all investigation. Six feet long, four feet on each side, it was a mass of blackness that absorbed no energy and emitted none, that bounced all light and other radiation from its surface, that could not be cut or dented, stopping a laser beam as neatly as if the beam had not existed. There was nothing that could scratch it, nothing that could probe it—it gave up no information of any sort at all. It rested on its raised base in the forecourt of Time Museum, the one thing in the world about which no one could even make a valid guess.

Li anteriormente:
Mundos Sem Fim (1955-56)
A Estrada da Eternidade (1986)
Onde Mora o Mal (1982)

19 de marzo de 2020

Volverás a Región


Juan Benet
Volverás a Región (1967)

Juan Benet, considerado como um dos escritores espanhóis mais importantes da segunda metade do século XX, tem em Volverás a Región a sua obra mais emblemática. Engenheiro de profissão, à data da publicação desta obra era ainda um autor desconhecido, apesar de já contar com algumas incursões na dramaturgia e poesia
Passada em Région, um imaginário território montanhoso e quase inacessível, situado na Cantábria ou na sua proximidade, a narrativa decorre em amplos quadros onde aparecem esboçados os dias traumatizantes da Guerra Civil e o tempo que lhe sucedeu. Como personagens principais, o doutor Daniel Sebastián que ali vive isolado na companhia de um jovem demente, e uma mulher não identificada que o visita ao anoitecer, que percebemos ser a mãe do jovem, que se tinha despedido dele enquanto criança nas primeiras páginas do livro. Juntos, pela noite fora, recordam o tempo passado, em longos monólogos introspectivos, onde os acontecimentos descritos vão ganhando nitidez pela sobreposição de perspectivas.

Creo que la vida del hombre está marcada por tres edades: la primera es la edad del impulso, en la que todo lo que nos mueve y nos importa no necesita justificación, antes bien nos sentimos atraídos hacia todo aquello —una mujer, una profesión, un lugar donde vivir— gracias a una intuición impulsiva que nunca compara; todo es tan obvio que vale por sí mismo y lo único que cuenta es la capacidad para alcanzarlo. En la segunda edad aquello que elegimos en la primera, normalmente se ha gastado, ya no vale por sí mismo y necesita una justificación que el hombre razonable concede gustoso, con ayuda de su razón, claro está; es la madurez, es el momento en que, para salir airoso de las comparaciones y de las contradictorias posibilidades que le ofrece todo lo que contempla, el hombre lleva a cabo ese esfuerzo intelectual gracias al cual una trayectoria elegida por el instinto es justificada a posteriori por la reflexión. En la tercera edad no sólo se han gastado e invalidado los móviles que eligió en la primera sino también las razones con que apuntaló su conducta en la segunda. Es la enajenación, el repudio de todo lo que ha sido su vida para la cual ya no encuentra motivación ni disculpa. Para poder vivir tranquilo hay que negarse a entrar en esa tercera etapa; por muy forzado que parezca debe hacer un esfuerzo con su voluntad para permanecer en la segunda; porque otra cosa es la deriva.

8 de marzo de 2020

Contacto

Carl Sagan
Contacto (1985)

Carl Sagan foi um dos meus heróis da adolescência. Tinha descoberto a literatura FC pouco antes, e a sua série televisiva “Cosmos” mostrava-me como a realidade podia ser tão empolgante como a ficção. Cerca de 15 anos depois, por altura da sua morte, o site de Richard C. Hoagland, do qual eu era um fiel seguidor, deu-me uma face diferente, mais sombria, de Sagan. Mais ou menos por essa altura surgiu a adaptação cinematográfica do seu primeiro romance, Contact, que fazia parte da minha longa lista de possíveis leituras futuras. O filme, com Jodie Foster, passou várias vezes na TV e não resisti a ver excertos, que tentei esquecer rapidamente com receio que me estragassem o prazer da leitura que um dia encontraria no livro.
Contacto tem um tema-base interessante e bem desenvolvido: a busca SETI (um projecto realmente existente) leva à captação de um sinal rádio vindo do espaço, naquela que é, comprovadamente, a primeira mostra da existência de vida extra-terrestre inteligente. A análise aprofundada da mensagem permite extrair a informação necessária à construção de uma máquina, cujo fim último não é revelado na mensagem. A personagem principal é Ellie Arroway, formada em radio-astronomia, que acaba por trabalhar para o SETI onde tem um papel preponderante na descoberta e descodificação da mensagem extra-terrestre. Activada a máquina, que atravessa o espaço-tempo, Ellie faz uma estranha viagem, acompanhada de outras quatro pessoas ligadas ao projecto. No regresso enfrenta uma céptica comissão de inquérito que, de argumento em argumento, destrói toda a sua descrição da viagem, da qual não existem provas nem evidência.
No pano de fundo da narração fica a eterna oposição entre a religião revelada e a ciência, com a última a ganhar praticamente todos os assaltos por KO, como seria de esperar no ponto de vista de um cientista. Nisto revela uma certa obsessão por algo que teima escapar à sua compreensão, como acontece frequentemente entre os cientificistas, na posição algo ridícula de um esbracejar sem sentido, como se pretendesse abraçar o vento. No final do livro, a comissão de inquérito denota o mesmo tipo de oposição, dentro da própria ciência. Por fim surge a prova da criação artificial do Universo — uma prova material, evidentemente, a única que um cientista estará disposto a aceitar — que aparenta remeter para aquilo que hoje em dia é conhecido como o “intelligent design”.
Escrito em 1985, Contacto é de uma correcção política a toda a prova, e o mais penoso é precisamente a leitura desse embrulho ideológico, do modo pouco subtil com que Sagan tenta empurrá-lo com a narração — não é, infelizmente, o único autor FC a fazê-lo. Mas se, em 1985, isto era um posicionamento contra-cultura, que podia dar ainda uma “medalha” nos sectores marginais, 35 anos depois é este o discurso estabelecido e dominante, a “voz do sistema”. Contacto tem bons bocados de prosa, sem dúvida, mas não faz de Carl Sagan um escritor de primeira categoria, nem sequer na área limitada à FC. A tradução também não ajuda muito; é demasiado literal e cheia de imprecisões e barbarismos desnecessários — a expressão “flesh and blood” (cap. XX) traduz-se por “carne e osso”, não “carne e sangue”, tal como “event horizon” (cap. XIX) se traduz por “horizonte de acontecimentos” e não por “horizonte coincidente”, por exemplo.

Uma parte dela estava estupefacta por Joss a submeter àquela prova, mas, por outro lado, sentia-se decidida a dar boa conta de si. Deixou a mala escorregar-lhe do ombro e descalçou os sapatos. Ele saltou, com um movimento gracioso, o gradeamento de segurança de latão e ajudou-a a passar para o outro lado. Desceram a vertente de mosaico, meio a andar, meio a escorregar, até pararem ao lado do pêndulo. Tinha um revestimento preto-baço e ela perguntou-se se seria feito de aço ou de chumbo.
— Terá de me dar uma ajuda — disse Ellie.
Conseguiu passar facilmente os braços à volta do pêndulo e, juntos, empurraram-no até ficar inclinado, a formar um bom ângulo com a vertical e nivelado com a cara dela. Joss observava-a atentamente. Não lhe perguntou se estava certa, absteve-se de a advertir do perigo de cair para a frente, não lhe recomendou que desse ao pêndulo um componente horizontal de velocidade quando o largasse.
Atrás dela havia um bom metro ou metro e meio de chão plano, antes de começar a inclinar-se para cima e se transformar numa parede circunferencial. Se mantivesse a serenidade, disse a si mesma, aquilo ia ser canja. Largou. O pêndulo afastou-se dela. O tempo de duração da oscilação de um pêndulo simples, pensou um pouco tonta, é 2π, raiz quadrada de C sobre g, sendo C o comprimento do pêndulo e g a aceleração devida à gravidade. Em consequência de atrito na chumaceira, o pêndulo nunca pode ultrapassar, no regresso, a sua posição primitiva. Tudo quanto tenho de fazer é não cambalear para a frente, recordou a si própria.
Perto do gradeamento oposto, o pêndulo afrouxou e parou. Invertendo a trajectória, desatou subitamente a avançar muito mais depressa do que ela calculara. À medida que se inclinava na sua direcção, o seu tamanho aumentou alarmantemente. Era enorme e estava quase em cima dela. Ellie soltou um ofego abafado.
— Recuei — disse, decepcionada, quando o pêndulo se afastou dela.
— Só um bocadinho pequeníssimo.
— Não, eu recuei.
— Você acredita. Você acredita na ciência. Existe apenas um niquinho de dúvida.
— Não, não se trata disso. Foi um milhão de anos de inteligência a lutar contra mil milhões de anos de instinto. É por isso que o seu trabalho é muito mais fácil do que o meu.
— Nesta questão, o nosso trabalho é o mesmo. Agora é a minha vez — disse, e agarrou desequilibradamente o pêndulo no ponto mais alto da sua trajectória.
— Mas nós não estamos a pôr à prova a sua crença na conservação da energia.
Ele sorriu e tentou firmar os pés.
— Que estão a fazer aí em baixo? — perguntou uma voz. — São doidos? — Um guarda do museu, numa ronda para se certificar de que todos os visitantes sairiam até à hora do encerramento, vira-se perante o espectáculo inesperado de um homem, uma mulher, um fosso e um pêndulo num recesso do cavernoso edifício onde não havia mais nada.
— Oh, não há novidade, senhor guarda — tranquilizou-o Joss, bem-humorado. — Estamos apenas a pôr à prova a nossa fé.
— Não podem fazer isso na Smithsonian Institution — respondeu o homem. — Isto é um museu.