27 de setembro de 2023

Introdução à Noomaquia

 

Aleksandr Dugin
Introdução à Noomaquia (2018)

As dez "lições" que compõem a Introdução à Noomaquia são o resultado de outras tantas palestras, dadas por Aleksandr Dugin em Belgrado, em Março de 2018, na apresentação do seu vasto projecto editorial, ainda em curso, Noomaquia. Sendo um livro de filosofia pura, há alguns conceitos-base que é necessário dominar, explicados logo no início, dos quais se destacam: o Nous, que designa o pensamento, que se expressa através do Logos, uma identidade cultural colectiva. Já Nietzsche tinha abordado a questão do Logos, a forma de entender o mundo, atribuindo-lhe um carácter apolíneo ou dionisíaco, aos quais Dugin acrescenta agora o cibelino, que vem complementar e fechar o edifício teórico dos conceitos anteriores. Todas as culturas, ou civilizações, possuem estes três Logoi, em proporções diferentes, num equilíbrio designado por momento noomáquico, que lhes transmite a sua peculiaridade; este equilíbrio não é estático e, com o tempo, o Logos predominante pode ser modificado, por causas internas ou externas. A Noomaquia é essa guerra do Nous, do pensamento, da visão do mundo, sempre latente como realidade dinâmica.
A Noologia, o estudo do Nous, é aqui apresentada como a base filosófica e metafísica da multipolaridade, no reconhecimento da pluralidade das culturas, descartando desde logo caminhos de desenvolvimento universal e normativos do pensamento. O respeito pelas diferentes culturas no tempo e espaço, sem tentar impor valores falsamente universais, nem enganosas escalas de avaliação, torna a Noologia num instrumento ao serviço da Quarta Teoria Política, também da autoria de Dugin, que está a construir um dos mais importantes legados filosóficos dos pensadores da sua geração.
Apesar do que o título possa sugerir, não é o livro de entrada no tema – esse intitula-se «Em Busca do Logos Negro» – e, neste momento, Aleksandr Dugin tem já uma longa série de obras a ele dedicadas, sobretudo na análise do Logos particular dos povos e respectivas culturas. A Introdução à Noomaquia debruça-se essencialmente sobre as linhas de força da cultura indo-europeia, desde a pré-História ao séc. XXI, sendo um livro altamente recomendável para quem procura as chaves que ajudam a entender os tempos presentes, bem como a razão de ser dos nossos esquemas de pensamento.

A tradição da Grande Mãe, de origem balcânica e anatólia, continuou assim a viver na cultura agrícola das sociedades indo-europeias sedentárias. Primeiro houve uma expansão da civilização matriarcal pré-indo-europeia por toda a Europa. Depois houve a onda das invasões indo-europeias, que criaram sociedades europeias mistas e sedentárias, sob hegemonia indo-europeia. E a realidade é que essa camada campesina pré-indo-europeia matriarcal sempre constituiu parte considerável da população da Europa. Isso explica por que nos nossos contos populares, nos nossos mitos, nas nossas tradições, existem tantos elementos e figuras matriarcais, mais ou menos ocultos. No nível da casta dos trabalhadores, na terceira função das sociedades indo-europeias, foram integradas ao longo do tempo muitas histórias sobre cobras, rainhas, deusas, espíritos, demónios e outras criaturas mitológicas femininas de vários tipos — por exemplo, pense-se na Rusalka eslava. Isto aconteceu porque, quando as tribos indo-europeias se estabeleceram, assimilaram esse horizonte existencial na sua estrutura.
É como um “pacto histórico” entre vencedores e perdedores. Oficialmente, a civilização da Grande Mãe perdeu essa batalha titânica contra os deuses olímpicos, e essa vitória fundou todo o nosso sistema ético e toda a sequência da história europeia, que é a história de como os turanianos conquistaram a “Velha Europa”, a civilização paleo-europeia. No entanto, o horizonte existencial conquistado viveu e ainda vive em nossa sociedade, na terceira função. Poderíamos até escrever uma história da casta europeia de cultivo completamente paralela à “história oficial”, isso é a história das obras e empreendimentos das duas primeiras castas (reis, heróis, santos, aristocratas, etc.), como se estivéssemos a lidar com uma civilização específica incorporada na “civilização oficial”. Não sabemos quase nada sobre esse mundo, já que sempre celebramos apenas os feitos das castas superiores. Só nos séculos XVIII e XIX se passou a compilar o folclore desse mundo campesino, num renascimento da tradição nacional que reagia contra o Medievo e o feudalismo. E aí descobrimos que havia uma imensa quantidade de narrativas e elementos sobreviventes da tradição europeia arcaica, temas que no Medievo estava totalmente fora da esfera de interesses das castas eruditas. [...]

Podemos definir o universo agrícola e camponês como o ponto de encontro de dois horizontes existenciais, dois Dasein, ambos pertencentes à nossa civilização europeia: o horizonte do Logos de Apolo, representado pela ideologia trifuncional oficial, e o horizonte do Logos de Cibele, uma ideologia paralela, que conota a tradição de matriarcal e está presente na parte escura, no subconsciente da sociedade agrícola e sedentária. A nossa sociedade é baseada neste momento de Noomaquia. Mas a Noomaquia é um conflito contínuo; por outras palavras, ele continua no presente. O Logos de Cibele continua a existir dentro da nossa civilização. Não podemos acreditar na vitória de um Logos de uma vez por todas. Se o Logos de Apolo enfraquece, significa que outro Logos está a tornar-se mais forte. Assim, se o patriarcado começar a dissolver-se — é o caso da modernidade ocidental e, em particular, da pós-modernidade — outra tendência contrária começará a aparecer, a tornar-se cada vez mais explícita.

15 de setembro de 2023

Out Of Africa


Isak Dinesen [Karen Blixen]
Out Of Africa (1937)

Karen Blixen, que utilizava os pseudónimos Isak Dinesen nas edições em língua inglesa, e Tania Blixen nas de língua alemã, fez de Out Of Africa, mais que um livro de memórias, um registo da mudança dos tempos. Há uma certa nostalgia por um passado que se esfuma um pouco a cada dia que passa, desde as alterações na paisagem natural, às perdas e mortes de pessoas próximas, até ao abandono final da propriedade onde tinha planeado ficar o resto da vida. Da sua herdade, a plantação de café junto ao monte Ngongo, próximo de Nairobi, no Quénia, assiste-se ao ocaso de uma Inglaterra colonial no limiar dos novos tempos, onde o rugido dos leões à noite ainda convive com a chegada dos tractores agrícolas, sinal de uma "civilização" onde deixa de haver lugar para os pioneiros e para os aventureiros. E onde, segundo conta, os nativos, pelo convívio forçado com os colonos de diferentes origens, são já mais cosmopolitas do que os próprios agrários, dedicados ao quotidiano da sua vida sedentária.

When we had all our kilns lighted we sat down and talked of life. I learned much about Knudsen’s past life, and the strange adventures that had fallen to him wherever he had wandered. You had, in these conversations, to talk of Old Knudsen himself, the one righteous man,—or you would sink into that black pessimism against which he was warning you. He had experienced many things: shipwrecks, plague, fishes of unknown colouring, drinking-spouts, water-spouts, three contemporaneous suns in the sky, false friends, black villainy, short successes, and showers of gold that instantly dried up again. One strong feeling ran through his Odyssey: the abomination of the law, and all its works, and all its doings. He was a born rebel, he saw a comrade in every outlaw. A heroic deed meant to him in itself an act of defiance against the law. He liked to talk of kings and royal families, jugglers, dwarfs and lunatics, for them he took to be outside the law,—and also of any crime, revolution, trick, and prank, that flew in the face of the law. But for the good citizen he had a deep contempt, and law-abidingness in any man was to him the sign of a slavish mind. He did not even respect, or believe in, the law of gravitation, which I learnt while we were felling trees together: he saw no reason why it should not be—by unprejudiced, enterprising people—changed into the exact reverse.
[...]
In the Reserve I have sometimes come upon the Iguana, the big lizards, as they were sunning themselves upon a flat stone in a riverbed. They are not pretty in shape, but nothing can be imagined more beautiful than their colouring. They shine like a heap of precious stones or like a pane cut out of an old church window. When, as you approach, they swish away, there is a flash of azure, green and purple over the stones, the colour seems to be standing behind them in the air, like a comet’s luminous tail.
Once I shot an Iguana. I thought that I should be able to make some pretty things from his skin. A strange thing happened then, that I have never afterwards forgotten. As I went up to him, where he was lying dead upon his stone, and actually while I was walking the few steps, he faded and grew pale, all colour died out of him as in one long sigh, and by the time that I touched him he was grey and dull like a lump of concrete. It was the live impetuous blood pulsating within the animal, which had radiated out all that glow and splendour. Now that the flame was put out, and the soul had flown, the Iguana was as dead as a sandbag.