26 de setembro de 2022

De Benguela às Terras de Iaca



Hermenegildo Capelo & Roberto Ivens
De Benguela às Terras de Iaca (1881)

De Benguella ás Terras de Iácca é o relato da primeira expedição de Capelo e Ivens em território angolano. Desde os preparativos em Luanda ao verdadeiro início em Benguela, de onde saíram a 12 de Novembro de 1877, rumando ao Bié pelo trilho do Sul via Caconda. Belmonte, no Bié, era um dos principais entrepostos comerciais onde chegavam as mercadorias dos sertões distantes, e por tal motivo, ponto de partida das expedições que exploraram e mapearam o interior desconhecido. O percurso seguiu para nordeste, para a bacia do Cuango. Nas cercanias de Cassange foram impedidos, pelos Bangalas, de passar para a margem direita do rio, pelo que a expedição seguiu para Oeste e para Norte, por Malange e Duque de Bragança, até voltar a encontrar a margem esquerda do Cuango, num território habitado pelos ma-iácca – ou seja, as terras de Iaca – que lhes afirmaram ser a primeira vez que homens brancos por lá apareciam. Na impossibilidade de prosseguir para Norte, por doença, falta de recursos e de guia, inverteram a marcha e regressaram a Duque de Bragança, por um trajecto a oeste do anteriormente utilizado. Na paragem neste local sofreram um incêndio no acampamento do qual resultaram perdas de vulto, em bens, instrumentos de medição e registos de viagem. A expedição seguiu depois para Ambaca e Pungo N’dongo, na margem do Cuanza, em territórios já bem conhecidos e cartografados, e, por fim, rumo a oeste até ao Dondo, onde deram por terminada a missão, a 21 de Setembro de 1879. Embarcaram a 11 de Outubro num vapor e, descendo o rio, chegaram a Luanda (uma cidade que contava então pouco mais de 13 mil habitantes, incluindo os subúrbios) no dia 13, 729 dias depois da saída dessa cidade.
As dificuldades apresentadas não são muito diferentes das já relatadas em livros que versam o mesmo tema: o clima, os insectos, as febres (“o menor dos sofrimentos”), o próprio escorbuto, e até, por vezes, a hostilidade dos nativos.

Preparavamo-nos para fazer uma serie de observações magneticas no interesse da sciencia (que tanto exige hoje do viajante), quando a chuva nos demoveu do proposito, deixando sem muita pena esse cuidado a futuros exploradores que por ali transitem e a quem desejamos melhor tempo.
Surprehendidos por uma medonha trovoada, seguida de chuva diluvial, conservámo-nos acampados, com grande satisfação dos nossos, que, em meio de uma nuvem de espesso fumo, enchendo completamente os fundos, passavam de bôca em bôca o cachimbo carregado de tabaco, muito abundante nas terras dos Bondos; substituindo-lhes pouco depois a mu-topa, em que se consome a fatal liamba (Cannabis sativa).
Os fumantes sentam-se em derredor de um amplo brazeiro, d’onde tiram com pequenas tenazes os carvões para começar a operação.
O primeiro que a conduz aos lábios, depois de ter quatro ou cinco vezes aspirado o precioso fumo, estendendo os beiços e chupando sôfrego, desata n’um vivo accesso de tosse, o qual parece tanto mais satisfactorio quanto mais proximo esteve da suffocação.
O cachimbo é logo entregue ao immediato, que continua o processo e fica estatelado, roncando de modo singular.
A agua dentro do chifre borbulha, deixando passar as bolhas de fumo, que produzem ruido especial.
Em breve um vacarme de urros nada permitte ouvir-se.
Os circumstantes, com a bôca cheia de saliva, que expellem a miudo, proseguem na faina, rindo, fallando, excitados pela acção perturbadora do canhamo.
Inspira na verdade dó ver similhante scena.
Mas como impedil-a, se para elles é isto um dos maiores deleites em que podem empregar o tempo?
Ao principio intentámol-o mas infructifero esforço, porque, fugindo para o mato, faziam-no clandestinamente!


Li anteriormente:
De Angola à Contracosta (1886)