28 de decembro de 2019

O Ano do Cometa

John Christopher
O Ano do Cometa (1955)

Esta foi a primeira vez que me cruzei com John Christopher; inglês de nascimento, Sam Youd utilizou cerca de uma dezena de pseudónimos diferentes, consoante o teor da sua escrita, todos eles de maior entoação britânica, não obstante o seu verdadeiro apelido ser britânico de gema, embora possa parecer o contrário. Foi uma bolsa da Fundação Rockefeller que lhe permitiu dar início à sua carreira literária, em 1949, com The Winter Swan, sob o nome Christopher Youd; utilizou o nome John Christopher a partir de 1951, ano em que iniciou a publicação de contos de FC, e Year of the Comet foi a sua primeira novela dentro do género, dando início a um percurso bem sucedido que só terminou já no início deste século XXI, ofuscando, pode afirmar-se, todos os seus outros heterónimos.
O Ano do Cometa passa-se num futuro onde, após uma guerra, os diversos grupos industriais — Química, Agricultura, Telecomunicações, Astronáutica, Energia Atómica, etc. — assumiram o poder, com um novo modelo social designado “sistema de gestão”; a única excepção é Israel, fiel ao velho capitalismo. O protagonista, Charles Grayner, um investigador pertencente à IQR (Indústrias Químicas Reunidas), é nomeado para um laboratório onde vai continuar um trabalho acerca das propriedades energéticas do diamante, devido ao desaparecimento e aparente morte do seu antecessor. A partir daqui entronca um enredo vagamente policial, com outras mortes ou desaparecimentos em circunstâncias invulgares, que incluem Sarah Cohn, a assistente israelita de Grayner, no início de uma promissora relação amorosa. O conhecimento de Charles Grayner é depois disputado pelos vários grupos industriais, que o raptam discretamente em sucessão rápida, ao mesmo tempo que este tinha iniciado uma busca por Sarah Cohn, com a colaboração de um amigo, Hiram Dinkuhl, autor do último programa cultural ainda existente na TV, a personagem mais inconformista de todo o livro. Neste tempo narrativo aproxima-se da Terra um cometa, o que despoleta a existência de uma seita religiosa apocalíptica; no entanto, este facto tem menos importância no desenrolar do livro do que o título poderia indicar, à parte um dos capítulos finais, quando Grayner e Dinkuhl tentam usar a seita como camuflagem da sua fuga, e a verdadeira natureza do culto nos é revelada.

Dinkuhl encheu o copo.
— Os conselhos podem esperar. Não devem ser de molde a exigir uma atenção urgente. De qualquer forma, devem poder esperar meia hora. Porque é que eu pretendo destruir esta sociedade mundial paternalista no seio da qual vivemos? Porquê afinal?
Charles teve de se conformar.
— Porque o fim está à vista — o fim do FK?
— Em parte, em parte. Mas há mais. Diga-me qual é o aniversário que se vai celebrar dentro de dois anos?
— Não sei. Devia saber?
— É o aniversário da Guerra. O que é que você sabe acerca da Guerra? Acerca da forma como esta sociedade de hoje passou a existir?! Vou fazer-lhe outra pergunta. O Professor Cohn ensinava História em Berkeley, uma das raras instituições académicas que ensinam aquela disciplina. Quantos alunos tinha ele?
— Antes de desaparecer? Dois.
— Surpreende-me. Sim, dois. Duvido de que haja, em todo o continente norte-americano, uma dezena de alunos que leiam História. Embora não possa esperar que você tenha consciência disso, esse facto representa — sob o ponto de vista histórico — um estado de coisas extraordinário. Houve outros períodos de decadência em que as pessoas deturparam e interpretaram mal a história das suas próprias origens; este é o primeiro que consegue ignorá-la inteiramente.
— Decadência?
Dinkuhl suspirou.
[…]
— E nesse aspecto — disse Dinkuhl — você mostra-se como um verdadeiro filho da sua época. Se vai avaliar esse tipo de empreendimentos em termos de lucros e perdas, isso quer dizer que já falhou antes de começar. Não, isso é a decadência. Mas claro que esse está longe de ser o único sintoma. Veja as artes. A verdade é que nos últimos dias do capitalismo não produziram nada que valesse a pena herdar, mas pelo menos produziram alguma coisa. E hoje em dia nem sequer temos a graça salvadora da discriminação que nos diga que aquilo que produzem não vale a pena ser herdado. Que é que você ouve em Doçura e Conforto Brilhante? Rhapsody in Blue... Danúbio Azul... Chatta-nooga Chu-Chu... ou, se o seu gosto está com as alturas rarefeitas da Liga Vermelha — Elgar, Stravisnky, Sibelius e Gilbert e Sullivan. Tentam tudo por todos os meios e mesmo assim repetem-se. A sua adaptação do Concerto para Violino de Sibelius para harmónica bocal — essa espécie de loucura esteve muito em voga quando eu era rapaz.
«As pessoas continuam a viver no meio do mobiliário neo-escandinavo dos meados do século XX e os poucos pintores que existem seguem como escravos as diversas escolas do século XX — neo-impressionistas, cubistas, fauvistas — temo-los a todos. O grupo Tempos Livres continua a apresentar blocos de pedra com buracos aos milhares.
— Talvez seja essa a forma certa de arte.
— Não existem formas certas de arte. E mesmo que as houvesse certamente não seriam essas manifestações prosaicas e falhas de imaginação. A decadência implica, em primeiro lugar, uma perda de energia criadora e em última análise uma perda de gosto. Chegamos ao fundo dos fundos.


14 de decembro de 2019

El Aciago Demiurgo

E. M. Cioran
El Aciago Demiurgo (1969)

Emil Cioran é possivelmente o primeiro escritor romeno que leio. Mas, embora transilvano e austro-húngaro por nascimento, talvez seja mais acertado incluí-lo na literatura e filosofia francesa, pois viveu em Paris desde a sua juventude e passou a escrever exclusivamente em francês.
Não sei se este livro, Le Mauvais Démiurge, foi alguma vez traduzido em Portugal, mas existe pelo menos uma edição em português do Brasil, com o título "O Funesto Demiurgo". A edição espanhola que me chegou às mãos tem tradução de Fernando Savater, que também a prefaciou; nessa introdução, afirma Savater que este é um dos melhores livros de Cioran, aquele onde estão presentes todos os temas fundamentais do seu pensamento.
O livro é composto de cinco ensaios e uma secção final de aforismos, intitulada “Pensamentos estrangulados”, com frases mais ou menos polémicas, que sintetizam considerações e posicionamentos na linha do que fora lido nas páginas precedentes. O primeiro ensaio, que dá o título à obra, recupera alguns pontos básicos da heresia cátara, considerando o deus da Criação como um espírito menor, dada a evidente imperfeição da sua obra — daqui o título do prefácio, “Cioran, o último gnóstico”. O segundo ensaio, “Os novos deuses” contém uma análise à influência desagregadora do cristianismo na Antiguidade Clássica, não muito distante da que Julius Evola desenvolveu em “Imperialismo Pagão”. Os ensaios seguintes, “Paleontologia”, “Encontros com o suicídio” e “O não libertado” são mais voltados para o interior do ser, à luz da impermanência e da inutilidade do desejo, com referências frequentes ao budismo, à religiosidade e filosofia orientais, tingidos pelo pessimismo e niilismo que geralmente se atribui à obra do autor.

Mucho más que la perspectiva de la salvación, era el furor contra el mundo antiguo lo que arrastraba a los cristianos en un mismo ímpetu de destrucción. Como en su mayor parte venían de fuera, se explica su desenfreno contra Roma. Pero ¿en qué clase de frenesí podía participar el indígena, cuando se convertía? Peor provisto que los otros, no disponía más que de un solo recurso: odiarse a sí mismo. Sin esta desviación del odio, insólita en un comienzo, contagiosa después, el cristianismo se hubiera quedado en una simple secta, limitada a una clientela extranjera, la única capaz, a decir verdad, de cambiar los antiguos dioses por un cadáver clavado. Que el que quiera saber cómo habría reaccionado frente a la mudanza de Constantino, se ponga en el lugar de un defensor de la tradición, de un pagano orgulloso de serlo: ¿cómo consentir la cruz, cómo tolerar que en los estandartes romanos figure el símbolo de una muerte deshonrosa? Sin embargo, se resignaron y esta resignación, que pronto iba a hacerse general, nos es difícil imaginar el conjunto de derrotas interiores de las que es resultado. Si, en el orden moral, se la puede concebir como la culminación de una crisis y concederle de este modo el estatuto o la excusa de una conversión, aparece como una traición en cuanto no se la mira más que desde el ángulo político. Abandonar a los dioses que hicieron a Roma era abandonar a la misma Roma, para aliarse a esa «nueva raza de hombres nacidos ayer, sin patria ni tradiciones, conjurados contra todas las instituciones religiosas y civiles, perseguidos por la justicia, universalmente marcados por la infamia, pero gloriándose de la execración común». La diatriba de Celso es del 178. Con casi dos siglos de intervalo, Juliano debía escribir por su parte: «Si se ha visto bajo el reinado de Tiberio o de Claudio a un solo espíritu distinguido convertirse al cristianismo, consideradme como el mayor de los impostores.»

30 de novembro de 2019

Como eu Atravessei África

Serpa Pinto
Como eu Atravessei África (1881)

O major Alexandre de Serpa Pinto é, nos dias que correm, um nome esquecido, apesar de figurar ainda nas placas de algumas ruas (enquanto os falsificadores da História o permitirem). Nem sempre foi assim: ainda há poucas décadas, ao lado de Brito Capelo e Roberto Ivens, também participantes da expedição que originou este livro, era um dos heróis nacionais reconhecidos pela exploração de terras africanas.
Desde sempre um apaixonado por astronomia e por temas africanos, quando o governo do reino decidiu enviar uma expedição científica à África Central, patrocinada pela Comissão Central de Geografia e pela Sociedade Geográfica de Lisboa, para fazer o reconhecimento dos vastos territórios situados para além das costas onde os portugueses se tinham estabelecido desde os sécs. XV-XVI, Serpa Pinto cedo mostrou a sua vontade em participar no empreendimento.
A expedição desembarcou em Luanda em Agosto de 1877, e dias depois Serpa Pinto encontrou-se com Henry Stanley, o famoso explorador anglo-americano, que tinha acabado de descer o rio Zaire — mais adiante, no livro, encontra-se também com Silva Porto e o zoologista José de Anchieta, pioneiros da exploração portuguesa no interior angolano.
Após sérias dificuldades em contratar carregadores, os exploradores partem enfim, de Dombe, próximo de Benguela, em Dezembro desse ano, rumo ao Bié. Separado de Capelo e Ivens pouco depois do início da viagem — e brevemente a eles reunido de novo em Belmonte (Cuíto), no Bié —, Serpa Pinto resolve dirigir-se ao Alto Zambeze, estudar os afluentes da margem esquerda, e, descendo o Zumbo, rumar a Quelimane, na costa moçambicana, pelo Tete e Senna. Assim, depois do Bié, Serpa Pinto atravessou a região que viria a ser o Moxico até ao seu ponto mais oriental, chegando a Lialui, capital do Barôze, próximo da confluência do Luena com o Zambeze, descendo depois o grande rio até à confluência com o Cuando. Neste ponto, por falta de recursos, não lhe foi possível prosseguir, como planeado, para Zumbo; e, depois de visitar as cataratas de Mozioatunia (Victoria) viu-se obrigado a rumar a Sul, na companhia dos Coillard, um missionário francês acompanhado da mulher e da filha, que conheceu nas proximidades da foz do Cuando. Depois de atravessar o Calaari, chegou a Shoshong, capital do Manguato, hoje no Botsuana, onde já residiam muitos ingleses, um dos quais o transportou até às margens do Marico. Depois seguiu pelo Transvaal até à sua capital, Pretória, a primeira cidade civilizada que encontrou desde a partida de Benguela, descrevendo com algum detalhe a história e cultura dos bóeres.
Mas a viagem de exploração propriamente dita terminara já em Shoshong, dado que a partir daqui o percurso, apesar de não isento de perigos, era já reconhecido e fora do âmbito dos objectivos que determinaram a expedição. O regresso não foi feito através de Lourenço Marques, como então pretendia Serpa Pinto, devido à guerra dos zulus, mas por Durban, que alcançou numa viagem rápida de seis dias, tomando uma diligência. Em Durban, o paquete que fazia a ligação à Europa acabara de zarpar, obrigando-o à espera inútil de um mês pela próxima partida, que se deu em Abril de 1879, pela rota do Índico: por via marítima até Aden e depois por terra até Alexandria. Os pontos seguintes foram Nápoles e Bordéus, e daqui até Lisboa, onde chegou no mês de Junho, quase dois anos passados sobre o início da viagem.
Escrito a partir do diário de Serpa Pinto, Como eu Atravessei África está dividido em dois volumes: A Carabina d’El-Rei (o título inicialmente destinado à obra), e A Família Coillard. Sem pretensões literárias, é um relato vivo desta viagem, dos seus casos e adversidades, afrontando tempestades, intrigas e hostilidades, as febres, e a permanente incerteza sobre o dia seguinte.

Era a 6 de Setembro. O thermòmetro durante o dia tinha marcado com persistencia 33 graos centìgrados, e o calor reflectido pêla areia tinha sido inchòmodo.
A noute apresentou-se serena e frêsca, e eu, sentado á porta da minha tenda, pensava no meu Portugal, nos meus e nos amigos, no futuro da minha emprêsa, tão ameaçada ali, e ora alegre ora triste, não perdia a fé e esperava. O acontecimento da ante-vèspera vinha pairar como nuvem nêgra sôbre o ceo lìmpido da esperança.
Os meus Quimbares, recolhidos nas barracas, conversavam junto das fogueiras, só eu estava fora. De sùbito prendeu-me a attenção um sem-nùmero de pontos luminosos que vi atravessarem o espaço.
Sem saber ao principio explicar o que seria aquilo, tive um presentimento, e sahi do cercado de caniço que rodeava a barraca.
Logo que cheguei fora, tudo me foi revelado, e um grito pungente de angustia suprema escapou-se-me da garganta.
Alguns centos de indìgenas cercavam o acampamento, e lançavam achas ardentes sôbre as barracas cobertas de herva sêca.
Em um minuto o incendio, ateado por um vento forte de este, tomava incremento horrivel. Os Quimbares sahiam espavoridos das barracas incandescentes, e pareciam loucos.
Augusto e a gente de Benguella reuníram-se em tôrno de mim. Em presença de um perigo tão terrivel, aconteceu-me o que por mais de uma vez me tem acontecido em iguaes circunstancias. Fiquei sereno e tranquillo de espìrito, pensando só em lutar e vencer.
Gritei á minha gente, semi-louca de se ver apertada em um circulo de fôgo, e consegui reunil-a no meio do espaço interior do campo.
Á frente de Augusto e dos muleques de Benguella, entrei na minha barraca em chamas, e consegui tirar d’ali as malas dos instrumentos, os meus papéis e trabalhos, e a pòlvora. A esse tempo as barracas abrazavam tôdas, mas o fôgo não podia attingir-nos. Verissimo estava a meu lado, inclinei-me para elle e disse-lhe, “Eu defendo-me aqui por muito tempo, passa por onde poderes e como poderes, e vai a Lialui dizer a Lobossi que a sua gente me ataca, diz tambem a Machauana o perigo que côrro.”
Verissimo correu ás barracas em chamas, e eu vi-o desapparecer por entre as labaredas. A esse tempo ja as azagaias ferviam em tôrno de nós, e ja haviam alguns ferimentos graves, entre elles um do prêto Jamba de Silva Porto, que tinha uma azagaia cravada no sobrolho direito. Ás azagaias respondiam os meus Quimbares com as balas das carabinas, mas o gentio avançava sempre, e ja entrava no acampamento, onde as barracas consumidas não offereciam barreira insuperavel. Em tôrno de mim, que desarmado segurava a bandeira da minha patria, estavam batendo-se como verdadeiros bravos os meus valentes Quimbares. ¿Estavam todos? Não. Faltava ali um homem, um homem que deveria estar ao meu lado e que ninguem tinha visto. Caiumbuca, o meu immediato, desapparecêra!
Ao amortecer do incendio, eu vi que o perigo era real e enorme. Eram cem contra um.
Parecia a imagem do inferno ver aquelles vultos nêgros, que com estridente grita pulavam ao clarão das chamas, avançando para nós cobertos com o alto escudo e brandindo as puidas azagaias. Foi um combater encarniçado em que as carabinas de carregar pêla culatra, pêlo seu fôgo sustentado, continham em respeito aquella horda selvagem.
Contudo eu calculava que o têrmo do combate não estava longe, porque as munições desappareciam ràpidamente; eu só tinha no comêço quatro mil tiros para as carabinas Snider, e vinte mil para as armas de carregar pêla bôca, mas não seriam essas as que me defenderiam; e logo que o fôgo abrandasse, por faltarem as armas de carregamento ràpido, serìamos esmagados pêlo gentio desvairado. O meu Augusto, que parecia um leão raivoso, chegou-se a mim com suprema angustia, mostrando-me a carabina, que acabava de rebentar. Disse ao meu muleque Pépéca, que lhe entregasse a minha carabina de elephante e a cartuxeira. Augusto correu para a frente, e fez fôgo para onde o grupo do gentio era mais compacto. Um momento depois, a grita infernal dos assaltantes tomou um tom differente, virando costas, tomáram elles precipitada fuga.
Só no dia seguinte, pêlo rei Lobossi, eu devia saber o que produzira um tal reviramento. Fôram os tiros do meu Augusto.
Na cartuxeira de que elle lançou mão havia balas carregadas de nitro-glicerina.
O effeito d’estas, fazendo desapparecer em bocados, pêla explosão, as cabêças e os peitos em que acertavam, produzio o pànico no meio d’aquelle gentio ignaro, que vio n’uma coisa nova para elle, um feitiço irresistivel.
Foi a Providencia que me quiz valer.
Conheci que estava salvo. Meia hora depois, appareceu-me o Verissimo, com uma grande fôrça capitaneada por Machauana, que vinha em meu soccôrro, por ordem do rei Lobossi. Lobossi mandava dizer-me, que era estranho a tudo, e que, provavelmente, o seu pôvo, sabendo que eu fôra ali para os atacar de combinação com os Muzungos de leste, que estavam com Manuanino, fizéram aquillo por sua conta; mas que elle ia tomar as mais vigorosas providencias para eu não soffrer mais aggressões. Tudo aquillo, se não foi ordenado por elle, foi por Gambela.
Verissimo, vendo os desastres do combate, perguntou-me ¿o que haviamos de fazer? e eu respondi-lhe com as palavras de um dos maiores homens Portuguezes dos ùltimos sèculos: — “Enterrar os mortos, e tratar dos vivos.”

20 de outubro de 2019

A Corja

Camilo Castelo Branco
A Corja (1880)

Eusébio Macário e A Corja foram publicados por Ernesto Chardron, em 1879 e 1880, incluídos em dois volumes intitulados, respectivamente, Sentimentalismo e História e História e Sentimentalismo. Na secção intitulada História, incluiu Camilo ensaios de teor histórico, ao passo que na secção Sentimentalismo figuram as novelas, sendo A Corja a continuação de Eusébio Macário.
Cerca de dois anos passados sobre os acontecimentos descritos no livro anterior, reencontramos o padre Justino, que conseguiu ser nomeado cónego no Porto, agora na proximidade dos Macários, por quem alimenta um ressentimento crescente, contribuindo activamente para a sua ruína, ao mesmo tempo que executa um plano que lhe permitirá recuperar Felícia.
Não referi anteriormente que, no texto dedicado ao livro Eusébio Macário, no final da obra, se tinha assistido a um outro casamento: o de José Macário com Felícia, consideravelmente mais velha mas valorizada pelo avultado dote que o barão do Rabaçal ofereceu à irmã. Esse pormenor tem uma grande importância n’A Corja: José Macário, que nunca deixou de ver em Felícia a campónia ex-amante do padre, cedo enveredou por uma vida de devassidão que culminou na conquista da Pascoela, uma brasileira casada com o Trigueiros, um dos amigos do barão; no fino equilíbrio entre a cedência aos seus instintos naturais e a dependência da fortuna da mulher, o Fístula vive um dilema que o corrói por dentro, com desfecho na saída para França com a amante, depois de deitar as mãos a quinze contos, vindos da Felícia através do divórcio.
Descartada esta personagem, a narrativa volta-se para Custódia, a quase virtuosa esposa do barão do Rabaçal, que à primeira oportunidade se deixa tentar pelo adultério, na pessoa de Bartolucci, um cantor de ópera. Descoberta a traição, também ela tem o sangue-frio de se apoderar das jóias, avaliadas em doze contos, no momento em que é posta na rua pelo barão. Custódia embarcará pouco depois, acompanhada de Bartolucci, rumo a Itália.
Quanto a Eusébio Macário, com pretensões à alta-roda portuense, e filado numa oportunidade de investimento numa fábrica de panos em Lordelo, precisava de dez contos para entrar na sociedade; por duas vezes tentou, no rompimento dos filhos, aliciá-los para o negócio, prometendo-lhes rendimentos chorudos; outras tantas negações recebeu, pois ambos destinavam o dinheiro fresco aos seus caprichos. Ao ver-se desacompanhado, Eusébio Macário acaba por comprar uma botica em Massarelos, cujo proprietário morrera, e levar todo o recheio de volta para Cabeceiras de Basto, fechando a história no local onde havia começado.

José Macário, ao fim do primeiro mês de casado, começou de cismar na sua honra e a sentir-se mal com a consciência e com a Felícia. Enquanto a posse dos cem mil cruzados do dote o estonteou como uma descarga eléctrica, a consciência esteve quieta, atordoada, num deslumbramento; mas assim que se afez à serena convicção de que era rico, a dura obrigação de considerar a sua fortuna uma dependência da esposa, da fatigada fêmea do abade da Faia, entrou lá dentro a vascolejar-lhe no fundo pântano da alma e a trazer-lhe ao de cima uma escuma pútrida que ele chamava a sua dignidade. Felícia, numa sossegada inércia de inteligência e coração, não compreendia a honra nem a desonra do marido. Ela não o amava nem aborrecia; era a sua mulher à face da Igreja, e pensava que o episódio da abadia era uma coisa indiferente à legitimidade da sua posição. Em vez de considerar-se agradecida, achava-se com direito à gratidão do marido que não tinha um pataco de seu. Lembrava-se do Fístula a pedir-lhe dois pintos, a lamber os pratos da tapioca, a fingir cólicas para lhe apanhar copos de genebra, às escondidas do abade. De mais a mais, tinha-o conhecido aos oito anos, um ranhoso, com a fralda suja de fora pela fenda posterior das calças de cotim, descalço, arregaçado até às virilhas a patinhar nos charcos com moncos e muito piolho. A mãe, a Rosa Canelas, deixava-o andar para aí, à-toa, esfarrapado, um pingarelho a roubar fruta pelos campos e a pedir aos brasileiros dez-reizinhos para uma quarta de figos, e ia comprar cigarros, o garoto. Depois, via-o nas férias, quando ele vinha de Braga, e se metia em casa do abade, com a guitarra, a cantar cantigas porcas, e a pedir-lhe a ela uns cobres, e dava-lhe caixas de banha furtadas na botica. Ela tinha estas reminiscências, quando o via chegar de fora, arrancar as luvas cor de canário, com arremesso, atirar-se cheio de tédio sobre os cochins da sua sala no hotel, encará-la de revés com fastio, a assobiar trechos de zarzuela, quando Felícia lhe dizia: — Você parece que não veio bô da rua!
Hospedara-se toda a família no Central, em Lisboa, quando recolheram de Sintra. José Macário dissera ao pai que não voltava para o Porto tão cedo, que receava que o abade desse à língua, e se descobrisse a sua desonra. Eusébio começava igualmente a enxergar a honra sob outros aspectos e feitios. A mudança do meio, as convivências, o trato com pessoas praxistas em teorias de dignidade, viscondes, conselheiros, vários sujeitos das salas onde a filha ia tomar chá, rasgaram horizontes novos à sua compreensão da Moral. Também ele, bem trajado e cevado, sentia-se na abundância, no empertigamento pessoal em que a honra se apruma consoante a rijeza dos colarinhos e a tesura da gravata. A Felícia, sua conhecida dezasseis anos em mancebia, também lhe fazia uns secretos engulhos e um certo mal-estar de sogro que se preza. Os Macários, pai e filho, entravam a regenerar-se, a polir-se, no atrito dos pintos e dos soberanos. O dinheiro, que em tantos casos é o motor de enormes ignomínias, levantara o Fístula e o sogro da concubina do abade ao nível dos maridos probos e dos sogros envergonhados.

Li anteriormente:
Eusébio Macário (1879)
Amor de Perdição (1862)
A Queda dum Anjo (1866)

29 de setembro de 2019

Eusébio Macário

Camilo Castelo Branco
Eusébio Macário (1879)

Eusébio Macário representa, na obra de Camilo Castelo Branco, uma incursão na literatura realista – tal como os livros seguintes A Corja e A Brasileira de Prazins. É. No entanto, curioso atentar no que escreve o próprio autor no Prefácio da 2.ª edição quanto ao assunto; por um lado, sabendo-se que o romantismo tinha, pela sua pena, particularidades que o afastavam da ortodoxia, afirma, perante a citação de um familiar não identificado que lhe resumia em traços largos as características do realismo/naturalismo, a propósito de Zola: “Compreendi, e achei que eu, há vinte e cinco anos, já assim pensava, quando Balzac tinha em mim o mais inábil e ordinário dos seus discípulos.” E também, sobre o presente livro: “O tímido autor esperava que os artistas não refugassem a obra tracejada, e afirmassem que eu, nesta decrepidez em que faço ao estilo o que os meus coevos de juventude fazem ao bigode, não podia penetrar com olho moderno os processos do naturalismo no romance. Ora a coisa em si era tão fácil que até eu a fiz, e tão vaidoso fiquei do Eusébio Macário que o reputo o mais banal, mais oco e mais insignificante romance que ainda alinhavei para as fancarias da literatura de pacotilha. Se eu o não escrevesse de um jacto, e sem intermissões de reflexão, carpir-me-ia do tempo malbaratado.” E, apesar de acrescentar, de seguida, que não intentou ridicularizar a escola realista, é difícil não considerar que Camilo lhe deu aqui, no mínimo, uma torção jocosa.
Com uma galeria de personagens caricatos, a novela Eusébio Macário tem entre os principais protagonistas o farmacêutico do mesmo nome, em S. Tiago da Faia, uma aldeia de Cabeceiras de Basto. O farmacêutico, viúvo, tem dois filhos: José Macário, o Fístula, que após uns anos entre os estudos e a boémia bracarense decide tomar a sério o negócio do pai, e Custódia, uma rapariga espevitada em idade casadoira. Há também um padre pouco religioso, Justino, que vive amantizado com Felícia, uma mulher por quem tivera uma paixoneta antes de ir para o seminário. Entretanto, regressa do Brasil o comendador Bento Montalegre, irmão de Felícia, com uma fortuna imensa que lhe permite comprar o título de barão. O “brasileiro” tenta seduzir Custódia, mas a rapariga não se deixa comprar porque vislumbra a oportunidade de se tornar baronesa, e Bento, que cede ao amor, não tem outro remédio senão pedi-la em casamento, mudando-se depois o casal para um casarão que o barão comprou no Porto... As peripécias sucedem-se, num instantâneo mordaz de um Portugal saído das convulsões entre liberais e absolutistas, no segundo quartel do séc. XIX, instalada já a partidarite bronca, da qual Eusébio Macário é um exemplo rematado, tendo como pano de fundo uma certa tacanhez rural de materialismo rasteiro, no fundo equivalente ao jogo de falsas aparências do meio urbano, mais polido, mas onde o verniz estala com grande facilidade.
Gostaria de ter citado abaixo o discurso que Eusébio Macário dirige ao genro, no banquete do casamento da filha, depois deste último lhe ter comprado uma condecoração do reino; o texto, imperdível, é no entanto demasiado extenso para este espaço – além de conter uma série de alusões a factos históricos que é necessário conhecer, para apreciá-lo inteiramente.

Eusébio Macário passou a botica. O genro exigira-lhe e ele condescendera sem excitação. Sentia-se outro homem. O baronato da filha dera-lhe a vaidade legítima de a ter fecundado, via em si um produtor com predestinação; não podia ser mera casualidade aquela brisa forte da fortuna que lhe ventara um ror de prosperidades, coroando-lhe a Custódia que parecia destinada a dar em droga, e armando-o a ele Cavaleiro de Cristo. Achava-se na roda dos titulares e dos capitalistas. Polia-se sem saber como. A fortuna insensivelmente dava-lhe um verniz que lhe ocultava os laivos da ignorância e da bruteza aldeã. Lia a política do dia, interessava-se, discutia na Assembleia Portuense de que o fizeram sócio, e jogava o gamão com o presidente da Câmara, o conde de Alpendurada, seu correligionário ardente, ou com o visconde de Vila Verde que o admirava nos alvitres políticos. As vezes, os três discordavam, pegavam-se e tinham questões azedas no Palheiro, a discutirem qual dos dois Cabrais era o marquês de Pombal. Desconchavavam-se também sobre posturas municipais, tendentes à sanidade pública. Eusébio Macário vencia-os sempre com os seus conhecimentos de farmácia, citava autores, e explicava o efeito dos gases nocivos à respiração. Incomodava-o, porém, a própria inércia: queria ser prestadio aos seus concidadãos, provar a sua capacidade, pôr a mão na coisa pública; achava-se com dotes para camarista, e confiava a sua sorte à fortuna nem sempre discreta com as grandes capacidades. O Mota Prego dizia-lhe que se fizesse ouvir a miúdo, que granjeasse a pouco e pouco a aura pública, e contasse com o Porto que era o clima por excelência dos homens da sua têmpera. Consultava o genro. O barão dizia-lhe que comesse e bebesse, e que se deixasse de asneiras.

Li anteriormente:
Amor de Perdição (1862)
A Queda dum Anjo (1866)

14 de setembro de 2019

Adios, Europa


Gerd Honsik
Adios, Europa – El plan Kalergi. Un racismo legal (2005)

O nome do conde Richard Koudenhove-Kalergi é, ainda hoje, injustamente desconhecido. Foi o fundador do Movimento Pan-Europa, que influenciou a forma do Tratado de Maastricht, e é dele a concepção da bandeira azul de 12 estrelas que a União Europeia adoptou, tal como a escolha do “Hino à Alegria”, da 9.ª Sinfonia de Beethoven, como hino europeu. É verdade que a UE lhe presta uma pequena homenagem e atribui, cada dois anos, o Prémio Koudenhove-Kalergi às personalidades que mais se tenham distinguido no “ideal europeu” – Helmut Kohl, Herman Van Rompuy, Angela Merkel ou Jean-Claude Junker estão entre os galardoados. Membro da maçonaria, Kalergi deixou o seu pensamento espalhado por dezenas de livros e manifestos, que publicou desde os anos 20 do século passado, entre os quais relevam Kampf um Paneuropa, ou Praktischer Idealismus. Promotor de uns Estados Unidos da Europa, os seus escritos defendem a abolição de estados e de fronteiras, o multiculturalismo, a mestiçagem forçada da população europeia pelo cruzamento com a imigração alógena massiva de origem africana e asiática, tendo em vista a amálgama de uma povoação subhumana sem carácter nem vontade própria, de menor capacidade intelectual, facilmente manipulável e governável. A classe dirigente será formada pela “raça de senhores”, a “raça superior” da aristocracia judaica, primeiro na Europa e depois no Mundo. Tudo isto está publicado, vai para 100 anos, e, apesar de Kalergi ter adoptado um perfil discreto no pós-guerra, este é o roteiro semi-oculto que tem guiado a engenharia social e o rumo político das “democracias” europeias, cada vez mais manifesto e sob o patrocínio da ONU. Honsik considera ainda que este plano de acção pretende favorecer os interesses imperialistas dos EUA.
É pois sobre os projectos criminosos e genocidas desta personagem sinistra que se debruça Adios, Europa, de Gerd Honsik, escritor, poeta e historiador austríaco falecido em 2018, várias vezes preso e perseguido por delito de opinião em diversos países europeus. Se a grande maioria dos factos descritos neste livro são já conhecidos por quem se interessa minimamente por estas temáticas, a verdade é que ainda sobram ainda algumas surpresas (e alguns tiros ao lado, é forçoso reconhecê-lo); no entanto, a agregação e organização num todo coerente, enquadrado pelas citações dos escritos de Kalergi e dos seus discípulos, revela com grande nitidez de contornos o negro abismo por onde o continente europeu se despenha, empurrado pelas elites que detêm o poder.

El embargo es un genocidio. Es una sanción típica del imperio: según los artículos de prensa, el embargo pedido por los EEUU y llevado a cabo por la ONU costó la vida a cerca de dos millones de niños que murieron por inanición o falta de medicamentos. La cantidad de víctimas infantiles que fallecieron por el bloqueo realizado a Cuba se desconoce.
Después de la Segunda Guerra Mundial y como castigo colectivo, la distribución de alimentos para la población civil alemana fue bloqueada con alevosía por los EEUU. Cinco millones de personas murieron después de 1945 a consecuencia de la inanición provocada por los aliados. Los EEUU recién se distanciaron del Plan Morgenthau, cuando Stalin se decidió por dejar vivos a las alemanes del Este que habían sobrevivido a las expulsiones y las matanzas acordadas con los EEUU. A partir de entonces, querían hacerse pasar por «liberadores», de manera que fue impedida cualquier constatación de estadísticas mortales de mujeres, ancianos y niños. Hay que agradecerle al historiador canadiense, James Bacque que estas cifras sí se hicieran públicas. Así también salió a la luz que, durante tres meses, el General norte-americano Eisenhower había impedido la llegada de alimentos para presos de guerra alemanes. La cifra oculta de muertos fue de un millón que fallecieron miserablemente de inanición bajo el cielo abierto.
La propaganda de los EEUU generalmente suele responsabilizara los supuestos «dictadores» (como llaman a los jefes del Estado enemigo) por las víctimas de las medidas genocidas. Así intentaron encontrar otros culpables para su genocidio en Dresde, Hiroshima, Kabul y Bagdad. Y así lo harán hasta que el imperio caiga.
[...]
Como la usura reclama la multiplicación del dinero, la economía exige un constante crecimiento. ¿Pero cómo va a crecer la economía de un país, si su índice de población decrece? La solución, según se dijo, sería el asentamiento de extranjeros. Hubo dos bandos que se unieron bajo ese lema: por un lado, los defensores del racismo judío de los adeptos de Kalergi que pretenden erigir un absolutismo judío sobre una masa de mestizos fácilmente gobernables. Por otro lado, están los líderes pragmáticos de la soberanía monetaria que pretenden reemplazar los empleados europeos que se extinguen, por trabajadores de países subdesarrollados. Pero los individuos condicionados por una historia étnica que los destinó a colectar frutas y cuidar rebaños, no pueden sustituir a aquellos que por el clima despiadado se forjaron un espíritu emprendedor para luchar por cada fogón o pelear por las provisiones. Sin una educación que dura varias generaciones, los que pasan hambre en suelo rico, se sienten sobrecargados al tener que suplantar a los que crearon riquezas en suelo pobre. A esto se une el problema que, en cuanto al rendimiento laboral, la selección de los forasteros que deciden ingresar en otro país pocas veces es buena. Los exitosos, por lo general, raras veces tienen la necesidad de abandonar su patria.
[...]
La política tuvo que reconocer el hecho de que la cantidad de extranjeros que trabajan en Alemania no ha aumentado en los últimos diez años, aunque durante ese período, cinco millones más ingresaron al país. ¿Qué pasó? Evidentemente, los recién llegados no se integraron en el mercado laboral sino directamente en el sistema social alemán. La inmigración que oficialmente nos debería beneficiar, se convirtió en una ola de extranjeros que lejos de asegurar las pensiones, las gastan. No refuerzan «la zona económica» de Alemania sino que la debilitan. Se aprovechan de las prestaciones sociales que no existen en su patria y no tienen intención de trabajar o ganar dinero a cambio de esfuerzos.
El precio de esta equivocada política de inmigración: 100 mil millones de euros por año. Sería suficiente dinero para: a) triplicar los fondos de las familias e impedir la desaparición del pueblo alemán; b) multiplicar por cinco los recursos para la investigación; c) asegurar las jubilaciones para siempre; d) duplicar los importes para las fuerzas armadas y, en unión con los demás, oponerse a la paga del dinero de protección que exige el imperio americano.
La economía alemana fue tan fuerte en el pasado que, ni los tributos a los Estados Unidos, ni las indemnizaciones a Israel o las contribuciones a la UE pudieran con ella, pero la inclusión de inmigrantes en el sistema social sí la está destruyendo.


10 de setembro de 2019

La Regenta

Leopoldo Alas "Clarín"
La Regenta (1885)

Leopoldo Alas "Clarín" é um nome importante do naturalismo/realismo espanhol e La Regenta, escrito quanto o autor pouco passava dos 30 anos de idade, é considerada a sua obra-prima. Com pelo menos uma edição em português, sob o título A Corregedora, este extenso romance não entusiasmou a crítica literária do seu tempo, actividade a que o autor também se dedicava (e em razão disso mesmo); Leopoldo Alas, no entanto, tinha a perfeita consciência do valor desta obra e orgulhava-se dela.
Passado numa pequena cidade de província, a fictícia Vetusta (inspirada em Oviedo), entre uma aristocracia decadente e um clero em perda, La Regenta conta a história de Ana Ozores, uma mulher a caminho dos 30 anos, de uma beleza extraordinária, inteligente e idealista mas com um temperamento algo bipolar. Casada por conveniência dez anos antes com Víctor Quintanar, ex-regedor, com o dobro da idade dela, sem filhos, e com a atenção do marido voltada para a caça, para a poesia e para o teatro, Ana procura refúgio na religião como uma muralha para a sua virtude. Essa virtude ostensiva é a inveja das suas amigas, que apostadas em provar que Ana é “como todas”, encaminham-na para Álvaro de Mesía, um homem maduro que “acreditava ser político mas era um sedutor por ofício”; por capricho, Álvaro propõe-se seduzir Ana. Opondo-se a este plano, evidente aos olhos de todos excepto aos de Víctor Quintanar, está Fermín de Pas, um clérigo que é o braço direito do bispo, cuja imensa ambição de poder cria numerosos inimigos. Fermín de Pas, o confessor de Ana Ozores, parece ganhar a batalha durante grande parte do livro, mas no fim Álvaro leva a melhor, o que enfurece Fermín, sentindo-se traído como se tivesse sobre Ana um verdadeiro direito de posse.
E nisto se passam três anos, 30 capítulos e 800 páginas. A profundidade psicológica das personagens — não apenas das personagens principais, mas também de várias outras entre uma trintena de personagens secundárias —, tal como um refinado sentido de humor que ridiculariza a hipocrisia e a falsa religiosidade, são os pontos fortes deste romance.

En efecto, era Ronzal. Pepe Ronzal —alias Trabuco, no se sabe por qué— era natural de Pernueces, una aldea de la provincia. Hijo de un ganadero rico, pudo hacer sus estudios, que ya se verá qué estudios fueron, en la capital. Aficionado al monte, como Vinculete al tresillo, desde la adolescencia, ni durante las vacaciones quería volver a Pernueces, ganoso de no perder ni unas judías. No pudo concluir la carrera. No bastó la tradicional benevolencia de los profesores para que Trabuco consiguiera hacerse licenciado en ambos derechos.
Una vez le preguntaron en un examen:
—¿Qué es un testamento, hijo mío?
—Testamento... ello mismo lo dice, es el que hacen los difuntos.
Además de Trabuco le llamaban el Estudiante, por una antonomasia irónica que él no comprendía.
Pasó el tiempo; murió el ganadero, Pepe Ronzal dejó de ser el Estudiante, vendió tierras, se trasladó a la capital y empezó a ser hombre político, no se sabe a punto fijo cómo ni por qué.
Ello fue que de una mesa de colegio electoral pasó a ser del Ayuntamiento, y de concejal pasó a diputado provincial por Pernueces. Si nunca pudo sacudir de sí la prístina ignorancia, en el andar, y en el vestir y hasta en el saludar, fue consiguiendo paulatinos progresos, y se necesitaba ser un poco antiguo en Vetusta para recordar todo lo agreste que aquel hombre había sido. Desde el año de la Restauración en adelante pasaba ya Ronzal por hombre de iniciativa, afortunado en amores de cierto género y en negocios de quintas. Era muy decidido partidario de las instituciones vigentes. Se peinaba por el modelo de los sellos y las pesetas, y en cuanto al calzado lo usaba fortísimo, blindado. Creía que esto le daba cierto aspecto de noble inglés.
—«Yo soy muy inglés en todas mis cosas —decía con énfasis— sobre todo en las botas».
«Militaba» en el partido más reaccionario de los que turnaban en el poder.
—«Dadme un pueblo sajón, decía, y seré liberal».
Más adelante fue liberal sin que le dieran el pueblo sajón, sino otra cosa que no pertenece a esta historia.
Era alto, grueso y no mal formado; tenía la cabeza pequeña, redonda y la frente estrecha; ojos montaraces, sin expresión, asustados, que no movía siempre que quería, sino cuando podía. Hablar con Ronzal, verle a él animado, decidor, disparatando con gran energía y entusiasmo, y notar que sus ojos no se movían, ni expresaban nada de aquello, sino que miraban fijos con el pasmo y la desconfianza de los animales del monte, daba escalofríos.
Era de buen color moreno y tenía la pierna muy bien formada. En lo que se había adelantado a su tiempo era en los pantalones, porque los traía muy cortos. Siempre llevaba guantes, hiciera calor o frío, fuesen oportunos o no. Para él siempre había el guante sido el distintivo de la finura, como decía, del señorío, según decía también. Además, le sudaban las manos.
Aborrecía lo que olía a plebe. Los republicanitos tenían en él un enemigo formidable. Un día de San Francisco no puso colgaduras en los balcones del Casino el conserje. Ronzal, que era ya de la Junta, quiso arrojar por uno de aquellos balcones al mísero dependiente.
—¡Señor —gritaba el conserje— si hoy es San Francisco de Paula!
—¿Qué importa, animal? —respondió Trabuco furioso—. ¡No hay Paula que valga: en siendo San Francisco es día de gala y se cuelga!
Así entendía él que servía a las Instituciones.
Con rasgos como este fue haciéndose respetar poco a poco.
Lo que es cara a cara ya nadie se reía de él. No le faltó perspicacia para comprender que el mundo daba mucho a las apariencias, y que en el Casino pasaban por más sabios los que gritaban más, eran más tercos y leían más periódicos del día. Y se dijo:
«Esto de la sabiduría es un complemento necesario. Seré sabio. Afortunadamente tengo energía —tenía muy buenos puños— y a testarudo nadie me gana, y disfruto de un pulmón como un manolito (monolito, por supuesto.) Sin más que esto y leer La Correspondencia seré el Hipócrates de la provincia».
Hipócrates era el maestro de Platón, maestro al cual nunca llamó Sócrates Trabuco, ni le hacía falta.
Desde entonces leyó periódicos y novelas de Pigault-Lebrun y Paul de Kock, únicos libros que podía mirar sin dormirse acto continuo. Oía con atención las conversaciones que le sonaban a sabiduría; y sobre todo procuraba imponerse dando muchas voces y quedando siempre encima.
Si los argumentos del contrario le apuraban un poco, sacaba lo que no puede llamarse el Cristo, porque era un rotin, y blandiéndolo gritaba:
—¡Y conste que yo sostendré esto en todos los terrenos! ¡en todos los terrenos!
Y repetía lo de terreno cinco o seis veces para que el otro se fijara en el tropo y en el garrote y se diera por vencido.
Comprendía que allí las discusiones de menos compromiso eran las de más bulto y de cosas remotas, y así, era su fuerte la política exterior. Cuanto más lejos estaba el país cuyos intereses se discutían, más le convenía. En tal caso el peligro estaba en los lapsus geográficos. Solía confundir los países con los generales que mandaban los ejércitos invasores. En cierta desgraciada polémica hubo de venir a las manos con el capitán Bedoya que le negaba la existencia del general Sebastopol.
También creyó que su fama de hombre de talento se afianzaría probando sus fuerzas en el ajedrez y aplicó a este juego mucha energía. Una tarde que jugaba en presencia de varios socios y llevaba perdidas muchas piezas, vio su salvación en convertir en reina un peoncillo.
—¡Este va a reina! —exclamó clavando con los suyos los ojos del adversario.
—No puede ser.
—¿Cómo que no puede ser?
Y el contrario, por instinto, retiró una pieza que estorbaba el paso del peón que debía ir a reina.
—A reina va, y lo hago cuestión personal —añadió envalentonado Trabuco, dándose un puñetazo en el pecho.
Y el contrario, sin querer, le dejó otra casilla libre.
Y así, de una en otra, jugándose la vida en todas ellas, convirtió el peón en reina, y ganó el juego el enérgico diputado provincial de Pernueces.

18 de agosto de 2019

Imperialismo Pagano


Julius Evola
Imperialismo Pagano (1928)

Entre os ensaios de juventude de Julius Evola, Imperialismo Pagão será, talvez, a obra de maior impacto. Editado quando o autor tinha 30 anos, é um duro manifesto anti-cristão, onde atribui à exógena religião oriental e à sua escala de valores a queda de Roma e, por arrasto, da Europa nórdico-germana, eclipsando os valores da Tradição. Mais ainda, é nessa Europa tornada cristã, com os seus princípios igualitários próprios de uma religião de deserdados e de escravos, que Evola vê as sementes do socialismo, da democracia, do colectivismo, do humanismo e do materialismo, a rejeição da hierarquia e da aristocracia que levaram ao ocaso do Ocidente.
Para um novo renascimento, Evola diz ser necessário fazer tábua rasa dos últimos 15 séculos — abre uma pequena excepção para o episódio medieval do Sacro Império Romano Germânico — e recuperar a ideia de um Imperium, como síntese de espiritualidade e realeza, na superação dos nacionalismos, um império sem imperialismo, muito diferente do significado actual da palavra.
O Imperialismo Pagão não se limita apenas a esse tema e oferece um amplo e interessante conjunto de reflexões sobre o seu tempo.

El hombre vivía en conexión orgánica y esencial con las fuerzas del mundo y del supramundo, de modo tal de poder decir, con la expresión hermética, que era "un todo en el todo, compuesto de todas las potencias": no otro es el sentido que trasunta de la doctrina ario-aristocrática del átmá. Y esta concepción fue la base sobre la cual se desarrolló, como un todo en su manera perfecta, el corpus de las ciencias sagradas tradicionales.
El cristianismo infringió esta síntesis, creó un abismo trágico. Y así, por un lado el espíritu se convirtió en el "más allá", lo irreal, lo subjetivo; de allí la raíz primera del abstractismo europeo; por otro, la naturaleza se convirtió en materia, exterioridad encerrada en sí misma, fenómeno enigmático. De allí la actitud que tenía que dar lugar a la ciencia profana. Y como al saber interior, directo, integral dado a la Sabiduría se le sustituyó el saber exterior, intelectual, discursivo-científico, profano, simultáneamente a la conexión orgánica y esencial del hombre con las fuerzas profundas de la naturaleza que constituía la base del rito tradicional, del poder del sacrificio y de la misma magia, se le sustituyó una relación extrínseca, indirecta, violenta: la relación propia de la técnica y de la máquina. He aquí pues en cuál manera la revolución judeo-cristiana contiene el germen de la misma mecanización de la vida.
En la máquina hallamos reflejado el aspecto impersonalista e igualitario de la ciencia que la produce. Así como con el oro es la dependencia reducida a no ser más persona, mecanizada; así como la cultura moderna tiene por ideal un saber universalista, bueno para todos, inorgánico y transmisible como una cosa, del mismo modo con el mundo de la máquina nos encontramos ante una potencia también impersonal, inorgánica, basada en automatismos que producen los mismos efectos con absoluta indiferencia en relación a quien actúa. Toda la inmoralidad de una tal potencia, que pertenece a todos y no es de nadie, que no es valor, que no es justicia, que por la violencia puede hacer más poderoso a alguien sin que antes lo convierta en superior, resulta claramente visible. Sin embargo, como también resulta que ello es posible sólo porque no se encuentra ni siquiera una sombra de un acto verdadero y propio en tal esfera, ningún efecto en el mundo de la técnica y de la máquina es directamente dependiente del Yo como de su causa, sino que entre el uno y el otro existe, como condición de la eficacia, un sistema de determinismos y de leyes que se conocen pero que no se comprenden, y que, con un puro acto de fe, se reputan constantes y uniformes. Por todo aquello que el individuo es y por una potencia individual directa, la técnica científica no dice nada, por el contrario: en medio de su saber acerca de fenómenos y de las innumerables diabólicas máquinas propias, el individuo hoy es más miserable e impotente como no lo fuera nunca antes, siempre más condicionado en vez que condicionador, siempre más inserto en una vida en la cual la necesidad de querer queda reducida al mínimo, el sentido de sí, el fuego irreductible de la entidad individual se va gradualmente apagando en un cansancio, en un abandono, en una degeneración.
[...]
Este sentido "humano" de la vida, tan típico en el Occidente moderno, confirma su aspecto plebeyo e inferior. De aquello de lo cual había unos que se avergonzaban —el "hombre"—, los otros en cambio se vanagloriaron. El mundo antiguo elevó al individuo hacia Dios, trató de disolverlo de la pasión para adecuarlo a la trascendencia, al aire libre de las alturas, sea en la contemplación como en la acción; conoció tradiciones de héroes no humanos y de hombres de sangre divina. El mundo judeo-cristiano no sólo privó a la "criatura" de lo divino, sino que terminó rebajando a Dios mismo a una figura humana. Volviendo a dar vida al demonismo de un substrato pelásgico, sustituyó las puras regiones olímpicas, vertiginosas en su radiante perfección, con las perspectivas terrificantes de sus apocalipsis, de las gehenas, de la predestinación, de la perdición. Dios no fue más el Dios aristocrático de los Romanos, el Dios de los patricios al que se reza de pié, ante el esplendor del fuego, con la frente alta y que se lleva a la cabeza de la legiones victoriosas; no fue más Donnar-Thor, el aniquilador de Thym y de Hymir, el "más fuerte entre los fuertes", el "irresistible", el señor del "asilo contra el terror", cuya arma temible, el martillo Mjólmir, es una representación correspondiente al vajra del Çiva, de la misma fuerza fulmínea que consagraba a los reyes divinos de los Arianos; no fue más Odín-Wotan, aquel que lleva a la victoria, el Águila, el huésped de los héroes que en la muerte sobre el campo de batalla celebran el más alto culto del sacrificio y se transforman en la falange de los inmortales, sino que se convirtió, para decirlo con León Rougier, en el patrono de los miserables y de los desesperados, el holocausto, el consolador de los afligidos que se implora con las lágrimas del éxtasis ante los pies del crucificado y en capitulación del propio ser. Así pues el espíritu fue materializado, el ánimo ablandado. No se conoció más sino lo que es pasión, sentimiento, esfuerzo. Ya no estuvo más el sentimiento supramundano por la espiritualidad olímpica, sino también fueron perdidas de a poco la dignidad viril nórdico-romana y, en un empobrecimiento general, un retorcido mundo de tragedia, de sufrimiento y de gravedad fue penetrando: el mundo "humano" en vez del épico y dórico.
[...]
Por lo que se refiere a la segunda potencia, Inglaterra, la misma debe ser considerada en su estrecha relación con Norteamérica, para poder valorar plenamente el antieuropeísmo de una cultura practicista, mercantil, democrático-capitalista, esencialmente laica y protestante, llegada justamente en Norteamérica a su conclusión última: al mamonismo, a la desmedida estandarización, a la tiranía de los trusts y del oro, a la humillante religión de la "socialidad" y del trabajo, a la destrucción de cualquier interés metafísico y a la glorificación del "ideal del animal". Así pues, desde este punto de vista, Inglaterra, cuyo imperio mundial se encamina a su ocaso, constituye un peligro menor respecto de Norteamérica, que objetivamente puede considerarse como la correspondencia occidental del mismo peligro que, en el límite oriental, representa para nosotros la Rusia de los Soviets. La diferencia entre las dos culturas no consiste sino en esto: aquellos temas que los Soviets tratan de realizar con una tensión trágica y cruel y a través de una dictadura y un sistema de terror, en Norteamérica, en cambio, prosperan con una apariencia de democracia y de libertad, en tanto que se presentan como el resultado espontáneo, necesariamente alcanzado a través del interés por la producción material e industrial, del desapego respecto de todo punto de referencia tradicional y aristocrático, a través de la quimera de una conquista técnico-material del mundo.

Li anteriormente:
Revolta Contra o Mundo Moderno (1934)

6 de agosto de 2019

High-Rise


J.G. Ballard
High-Rise (1975)

Li há alguns anos o conto Billenium, de 1962, passado num futuro distópico, numa cidade sobrepovoada onde cada metro quadrado era avidamente disputado. Na altura, creio ter lido algo sobre High-Rise ser o desenvolvimento dessa ideia. Por essa razão esperava encontrar uma relação entre as duas obras semelhante à que existe, por exemplo, entre o conto A Sentinela e o romance 2001: Uma Odisseia no Espaço, de Arthur C. Clarke. Por certo fui induzido em erro, porque a relação entre Billenium e High-Rise, se a quisermos encontrar, existirá apenas na disposição do pesadelo urbano como pano de fundo. Sem a fina ironia que impregnava o conto Billenium, High-Rise é uma novela de tons escuros, doentia, onde se conta a história da desagregação de um edifício como estrutura social.
Num luxuoso empreendimento imobiliário ainda em construção, a primeira torre está terminada e, agora, completamente habitada: 40 andares, 1000 apartamentos, 2000 moradores. Mas o imóvel é aquilo que se designa hoje como um “edifício doente”, causador de insónia e problemas psicossomáticos. Em breve, o desleixo, as avarias, o vandalismo e a violência, sempre em crescendo, tomam conta da situação, começando por dividir o prédio em três zonas, inicialmente associadas a uma divisão por classes que estava latente na sua ocupação. Acompanhamos, assim, o olhar de três personagens: Richard Wilder, um produtor de documentários televisivos que mora num dos andares inferiores; Robert Laing, professor de medicina e residente num andar da metade superior; e Anthony Royal, o arquitecto do empreendimento, que ocupa um dos melhores apartamentos, no último piso.
Com a evolução da narrativa, a divisão entre os moradores acentua-se rapidamente até desembocar na mais completa barbárie. E, se há os que abandonam o edifício, e os que, sem o abandonar, fingem uma normalidade inexistente, voltando ao fim de cada dia de trabalho para esta selvajaria descontrolada, a narração foca-se naqueles que cortam todo o contacto com o exterior, fazendo da torre o horizonte apocalíptico da sua existência quotidiana.

The psychology of high-rise life had been exposed with damning results. The absence of humour, for example, had always struck Wilder as the single most significant feature—all research by investigators confirmed that the tenants of high-rises made no jokes about them. In a strict sense, life there was "eventless". On the basis of his own experience, Wilder was convinced that the high-rise apartment was an insufficiently flexible shell to provide the kind of home which encouraged activities, as distinct from somewhere to eat and sleep. Living in high-rises required a special type of behaviour, one that was acquiescent, restrained, even perhaps slightly mad. A psychotic would have a ball here, Wilder reflected. Vandalism had plagued these slab and tower blocks since their inception. Every torn-out piece of telephone equipment, every handle wrenched off a fire safety door, every kicked-in electricity meter represented a stand against decerebration.
What angered Wilder most of all about life in the apartment building was the way in which an apparently homogeneous collection of high-income professional people had split into three distinct and hostile camps. The old social sub-divisions, based on power, capital and self-interest, had re-asserted themselves here as anywhere else.
In effect, the high-rise had already divided itself into the three classical social groups, its lower, middle and upper classes. The 10th-floor shopping mall formed a clear boundary between the lower nine floors, with their "proletariat" of film technicians, air-hostesses and the like, and the middle section of the high-rise, which extended from the 10th floor to the swimming-pool and restaurant deck on the 35th. This central two-thirds of the apartment building formed its middle class, made up of self-centred but basically docile members of the professions—the doctors and lawyers, accountants and tax specialists who worked, not for themselves, but for medical institutes and large corporations. Puritan and self-disciplined, they had all the cohesion of those eager to settle for second best.
Above them, on the top five floors of the high-rise, was its upper class, the discreet oligarchy of minor tycoons and entrepreneurs, television actresses and careerist academics, with their high-speed elevators and superior services, their carpeted staircases. It was they who set the pace of the building. It was their complaints which were acted upon first, and it was they who subtly dominated life within the high-rise, deciding when the children could use the swimming-pools and roof garden, the menus in the restaurant and the high charges that kept out almost everyone but themselves. Above all, it was their subtle patronage that kept the middle ranks in line, this constantly dangling carrot of friendship and approval.
The thought of these exclusive residents, as high above him in their top-floor redoubts as any feudal lord above a serf, filled Wilder with a growing sense of impatience and resentment. However, it was difficult to organize any kind of counter-attack. It would be easy enough to play the populist leader and become the spokesman of his neighbours on the lower floors, but they lacked any cohesion or self-interest; they would be no match for the well-disciplined professional people in the central section of the apartment building. There was a latent easy-goingness about them, an inclination to tolerate an undue amount of interference before simply packing up and moving on. In short, their territorial instinct, in its psychological and social senses, had atrophied to the point where they were ripe for exploitation.

Li anteriormente:
Passaporte para o Eterno (1963)

21 de xullo de 2019

La Decadencia de Occidente

Oswald Spengler
La Decadencia de Occidente (1918-1923)

O primeiro volume de A Decadência do Ocidente, subintitulado Forma e Realidade, foi publicado em 1918. Aquando da publicação do segundo, Perspectivas da História Mundial, em 1923, o primeiro tomo, que tinha conhecido um sucesso assinalável, fora alvo de uma revisão, e a obra ganhou a sua forma definitiva. O impacto do livro despertou inveja e desdém em muitos historiadores e catedráticos contemporâneos, pois a popularidade da obra devia muito ao facto das suas ideias fundamentais não serem difíceis de explicar nem compreender, fora dos esquemas rígidos dos “historiadores científicos”, dando uma chave não só para a interpretação da História como para a previsão do seu rumo futuro. Para os críticos desta sua Filosofia da História, Spengler só tinha uma resposta: abram os olhos, vejam o que se passa em redor.
As ideias fundamentais que atravessam esta obra não são de Spengler, e eram difusamente apercebidas na época; as referências do autor são Goethe e Nietzsche, e afirma ter dado uma visão panorâmica do que neles aparecia como uma perspectiva fugaz. A novidade de A Decadência do Ocidente está contida em três grandes linhas suportadas pelo método comparativo: a visão cíclica da História, por oposição à habitual visão linear do progresso ilimitado; o conceito de “símbolo máximo” que domina cada uma das grandes culturas inscritas nestes ciclos e que determina as artes, as ciências, a tecnologia, a política e a religião; e, por fim, a noção da Alta Cultura como um organismo vivo, que nasce, desenvolve-se, floresce, e depois degenera e morre. Acresce a isto – e foi sobretudo neste ponto que se gerou a polémica – o enquadramento da contemporaneidade na fase final do ciclo histórico. Porém, longe de defender um posicionamento fatalista ou de resignação que alguns lhe quiseram atribuir, Spengler considerava que os seus contemporâneos deviam aproveitar as enormes oportunidades que ainda estavam disponíveis.
A Decadência do Ocidente, com as suas 1300 páginas, é um livro marcante, passível de alterar a forma como olhamos o mundo. Tematicamente, é muito mais abrangente do que o título deixa supor (o subtítulo é mais elucidativo: Esboço de uma Morfologia da História Universal). Esta versão espanhola foi traduzida do alemão por Manuel García Morente e tem um prólogo de José Ortega y Gasset.

El coloso pétreo de la ciudad mundial señala el término del ciclo vital de toda gran cultura. El hombre culto, cuya alma plasmó antaño el campo, cae prisionero de su propia creación, la ciudad, y se convierte entonces en su criatura, en su órgano ejecutor y finalmente en su víctima. Esa masa de piedra es la ciudad absoluta. Su imagen, tal como se dibuja con grandiosa belleza en el mundo luminoso de los ojos humanos, su imagen contiene todo el simbolismo sublime de la muerte, de lo definitivamente «pretérito». La piedra perespiritualizada de los edificios góticos ha llegado a convertirse, en el curso de una historia estilística de mil años, en el material inánime de este demoníaco desierto de adoquines.
Estas últimas ciudades son todo espíritu. Las casas no son ya —como eran todavía las casas jónicas y barrocas— las descendientes de la vieja casa aldeana, célula primaria de la cultura. Ya ni siquiera son casas en donde Vesta y Jano, los Penates y los Lares tengan santuarios; son viviendas que ha creado no la sangre, sino la finalidad, no el sentimiento, sino el espíritu del negocio. Mientras el hogar, en sentido piadoso, constituye el verdadero centro de una familia, es que aun sigue viva la última relación con el campo. Pero cuando esta relación se rompe, cuando la masa de los inquilinos y huéspedes surcan ese mar de casas errando de refugio en refugio, como los cazadores y pastores de las épocas primitivas, entonces ya está perfectamente formado el tipo del nómada intelectual. La ciudad es un mundo, es el mundo. Sólo como conjunto le sobreviene el sentido de habitación humana. Las casas son los átomos que componen ese cosmos.
Ahora las viejas ciudades adultas, con su núcleo gótico compuesto de la catedral, el ayuntamiento y las callejas de empinados tejadillos, alrededor de cuyas torres y puertas pusiera el barroco un cerquillo de espirituales y claras casas patricias, palacios e iglesias espaciosas; ahora las viejas ciudades comienzan a prolongarse en todas las direcciones con masas informes, cuarteles de alquiler y construcciones útiles que van invadiendo el campo desierto. Ábrense calles, derríbanse edificios, destruyese en suma el rostro noble y digno de los antiguos tiempos. El que desde lo alto de una torre contempla ese mar de casas reconocerá al punto en esa historia petrificada el instante en que, acabado el crecimiento orgánico, comienza el amontonamiento inorgánico que, sin sujetarse a límites, rebasa todo horizonte. Ahora surgen los productos artificiales matemáticos, ajenos por completo a la vida del campo; esos engendros, hijos de un finalismo intelectual; esas ciudades de los arquitectos municipales, que en todas las civilizaciones reproducen la forma del tablero de ajedrez, símbolo típico de la falta de alma. Herodoto contempla admirado en Babilonia esos cuadrados regulares. Los españoles los ven también en Tenochtitlán. En el mundo antiguo comienza la serie de las ciudades «abstractas» con Thurioi, que «diseñó» en 441 Hippodamos de Mileto. Siguen a ésta Priene, donde el tipo cuadrático ignora la movilidad de la superficie; Rodas, Alejandría.
[...] El «sinequismo» que en los primeros tiempos de la antigüedad empujó hacia las ciudades a la población campesina y creó así el primer tipo de polis, se repite al final en forma absurda. Todas esas ciudades son exclusivamente City, ciudad interior. Este nuevo sinequismo crea el mundo de los pisos superiores, que es como nuestras actuales zonas de extrarradio. [...]
Pero ni la miseria, ni la fuerza, ni la clara percepción de la locura que lleva consigo este desarrollo son capaces de contener la fuerza atractiva de esos centros demoníacos. La rueda del destino ha de seguir corriendo hasta el término de la carrera. El nacimiento de la ciudad trae consigo su muerte. El principio y el fin, la casa aldeana y el bloque de viviendas son uno a otro como el alma a la inteligencia, como la sangre a la piedra. Mas la palabra «tiempo» no en vano designa el hecho de la irreversibilidad. Siempre adelante. Nunca puede volverse atrás. Los aldeanos antaño dieron vida al mercado, a la ciudad rural y la alimentaron con su mejor sangre. Pero ahora la ciudad gigantesca chupa la sangre de la aldea, insaciablemente, pidiendo hombres y más hombres, tragándoselos, hasta que al fin muera en medio de los campos despoblados. Quien cae en las redes de la belleza pecadora de este último prodigio de la historia, no recobra nunca más su libertad. Los pueblos primitivos pueden desprenderse del suelo y emigrar a remotos países. El nómada intelectual no puede hacerlo ya. La patria para él es la ciudad. En la aldea más próxima siéntese como en el extranjero. Prefiere morir sobre el asfalto de las calles que regresar al campo. Y no lo liberta ni siquiera el asco de esa magnificencia, el hastío de tanta luz y tanto color, el taedium vitae que de muchos se apodera al fin. El hombre de la gran urbe lleva eternamente consigo la ciudad; la lleva cuando sale al mar; la lleva cuando sube a la montaña. Ha perdido el campo en su interior y ya no puede encontrarlo fuera.
[...]
En las ciudades mundiales es donde, junto a una minoría que tiene historia, que vive en sí la nación, que siente en si representada la nación y quiere dirigirla, se produce otra minoría de hombres literarios sin tiempo, sin historia, hombres de razones y causas, no del sino, hombres que, ajenos ya por dentro a la sangre y a la existencia, son pura conciencia vigilante, y no ven en el concepto de nación ningún contenido «racional». Y es la verdad que estos hombres ya no pertenecen a una nación. Todo «pueblo culto» es una corriente de existencia; pero el cosmopolitismo es mera asociación de «inteligencias». Hay en todo cosmopolitismo odio al sino y sobre todo a la historia como expresión del sino. Todo lo nacional es racial, hasta el punto de no encontrar lengua expresiva; y en todo lo que exige pensamiento manifiéstase inhábil y desamparado. El cosmopolitismo es literatura: fuerte en argumentos y muy débil cuando ha de defenderse no con argumentos, sino con la sangre.
Precisamente por eso, esta minoría espiritualmente superior combate con las armas del espíritu, porque las ciudades mundiales son puro espíritu, sin raíces, posesiones mostrencas del hombre civilizado. Los «ciudadanos del mundo», los entusiastas de la paz universal y unión de los pueblos —en la China de los imperios en lucha, como en la India budista, como en el helenismo y como en la actualidad son los directores espirituales del felahismo. ¡Panem et circenses! He aquí la otra fórmula del pacifismo. En la historia de todas las culturas ha habido siempre un elemento antinacional, aunque no tengamos noticia de él. El pensamiento puro, orientado hacia si mismo, ha sido siempre enemigo de la vida, y, por tanto, hostil a la historia, antiguerrero, sin raza. Recordad el humanismo y el clasicismo, los sofistas de Atenas, Buda y Laotsé. Y no hablemos del apasionado menosprecio que los grandes defensores de las cosmogonías sacerdotales y religiosas sintieron siempre hacia toda ambición nacional. Muy distintos, sin duda, son estos ejemplos entre si. Pero todos concuerdan en reprimir el sentimiento cósmico de la raza, el sentido político y, por tanto, nacional de los hechos —¡right or wrong, my country!— la decisión de ser sujeto y no objeto de la evolución histórica —pues no hay mas que esas dos actitudes posibles— en suma, la voluntad de poderío, substituyéndola por una propensión o tendencia, cuyos directores son muchas veces hombres sin instintos originarios y por lo mismo esclavos de la lógica, hombres que viven en un mundo de verdades, de ideales, de utopías, hombres librescos que creen poder reemplazar la realidad por la lógica, la fuerza de los hechos por una justicia abstracta, el sino por la razón. Esto empieza con los hombres del eterno miedo, los que se apartan de la realidad y se retiran a los claustros, a los cuartos de trabajo, a las comunidades espirituales y declaran que la historia universal es indiferente; y termina en toda cultura con los apóstoles de la paz universal. Cada pueblo en el curso de su historia llega a tal punto de decadencia.


25 de maio de 2019

História Secreta de Portugal

António Telmo
História Secreta de Portugal (1977)

A História Secreta de Portugal é interpretação esotérica e simbólica da nossa História, que aponta para um conhecimento iniciático que ficou plasmado, por exemplo, na arquitectura monumental dos Jerónimos ou nos próprios Lusíadas. Assumidamente ao arrepio de todas as convenções académicas e científicas – o que poderá parecer tanto mais inesperado quanto se sabe que António Telmo fez carreira profissional como professor – este livro propõe um ponto de vista heterodoxo, através de um filtro tradicional, onde o historiador veste a pele do filósofo, procurando um sentido último e transcendente para Portugal.

O ódio à natureza ou, num grau menor, a indiferença pela natureza têm como contraponto a criação de condições que permitam anular os sentimentos que resultam da ideia de Deus presente na Natureza (Shekînah). Seja o medo e o espanto. O espanto que Platão e Aristóteles punham como origem da filosofia e o temor dos Deuses que o segundo considerava o princípio da tragédia, foram expurgados da alma do homem, exconjurados pela filosofia moderna, a qual, ao interpretá-los como produções da subjectividade enganada, cortou o contacto com os «mistérios» do destino e da ideia. A filosofia moderna da história, assente sobre o elogio do homem civilizado (como se os contemporâneos de Aristóteles fossem selvagens!), atribuiu aqueles sentimentos a um estado de alma rudimentar e primitivo. Órgãos do nosso conhecimento subtil, foram amputados. Equivale isto a defender a cegueira física e o ensurdecimento do homem numa filosofia que considerasse os dados da vista e do ouvido perturbadores de um conhecimento real do mundo. Como só a razão constrói um sistema de certezas, tudo quanto apreendemos e aprendemos pelos sentidos ou pelos sentimentos, por mais evidente que se afigure, deve ser banido do domínio da ciência e só admitido como um dado suspeito que deve passar pela «crítica da razão pura».
Pensava, pelo contrário, Aristóteles que a razão não deve proceder sem a experiência da alma. A tragédia, segundo ele, terá por fim suscitar o terror e a piedade, levando à catárse desses sentimentos. A actividade do intelecto era uma espécie de visão dos inteligíveis, análoga à visão dos sensíveis. Assim, o homem conhece com todo o seu ser. Não há pensamento sem imagens, senão em Deus.

5 de maio de 2019

Salazar’s Estado Novo

Wolfgang Adler
Salazar’s Estado Novo (2017-18)

Reunindo uma série de artigos publicados por Wolfgang Adler no socialmatter.net, entre Maio de 2017 e Abril de 2018, Salazar’s Estado Novo é uma análise cuidada aos fundamentos e práticas do Estado Novo, tentando interpretar as causas dos seus êxitos e as razões das suas falhas à luz do conhecimento actual, com o objectivo assumido de procurar a sua inspiração doutrinária, passível de ser melhorada e adaptada ao tempo presente, traçando paralelos com determinadas orientações presentes na administração governamental norte-americana, avaliando outras que se possam enquadrar uma “Restauração Americana” neo-reaccionária, num futuro próximo, tendo em vista um cenário pós-Trump onde poderão surgir as condições para a sua aplicação.
Aparte uma ou outra ligeira incorrecção que não põem em causa o valor destes ensaios, aqui se pode aprofundar o conhecimento sobre o decurso daquela época e as suas vicissitudes: as origens do Estado Novo; os meios da subversão comunista no derrube do regime; o golpe falhado de 1961; o combate geoestratégico e a frente diplomática; a importância das Aparições de Fátima no contexto nacional e, sobretudo, internacional; o afastamento da elite empresarial e, por fim, a traição de Roma pelo Concílio Vaticano II.

To be a proper imperialist, one needs, crucially, to maintain an authentically Imperial Mindset—no matter how much he aged, Salazar nonetheless exuded such qualities up until the very end as the above manful and energetic response showcases. The same, however, cannot be said of his successors. The following decade, the supporting cast of the 1961 Abrilada—most notably Marcelo Caetano and future post-coup president General Costa Gomes—assumed the reigns of Portuguese government, bringing plausible deniability and copious technocratic efficiency according to the British and American press. However, these men and the generation they led tossed the cohesive ideology of their predecessors and bent to oscillations of near-term politics—which is unsurprising, as the wellspring of their “third way” approach was a Washington security apparatus where the Portuguese Empire was never more than an afterthought intermixed amongst more pressing issues facing the globalist henchmen.
Lacking Salazar’s fully delineated ideological outlook and knack for power politics, these leaders proved no match for a highly regimented, ideologically unified, and hierarchically organized leftist opposition that rightfully approached the “colonial problem” as a truly long game. Although not the case in the short-term for Costa Gomes, the long-term fate of both men shared the same ignominy: the shame of failure in not one, but two Portuguese coups—while forfeiting her Império in the process.
[…]
The long reign of Salazar’s Estado Novo was in no small part the result of his methodical approach to policy decisions. Salazar’s ideology was highly developed, and the policy positions originally were holistic and aimed towards rebuilding the honor Portugal had lost in the period through the First Republic.
Whatever his strengths as a theorist, Salazar was nonetheless helpless to alter certain actualities of Portugal. And grim indeed were many of these realities: impoverished by European standards; fighting political, social, and cultural wars in direct opposition to what emanated from Washington and Moscow; and trying to arrest the dismembering of an empire whose heyday had been five centuries Salazar’s predecessor.
Still, via decisions that maximized short-term gains—averting economic crises, strengthening alliances, and scoring political points for friends and against foes—Salazar and team helped unleash dynamics that cost him one of his key pillars of support. With no other way to fund the Colonial Wars, Salazar had to open to the same foreign trade and foreign investment that would ultimately destabilize the vision of Portugal he had cultivated. And destabilize it did: by inviting foreign ideas opposed to corporatism; by sowing division among the nation’s leading businessmen; and by creating new classes of elites whose interests were no longer aligned with the success of the Império.
[...]
The final years of the Catholic opposition saw great efforts to subvert traditional sexual morality, on a scale hither unseen in Portugal—as evident in the publications of Livraria Morais in the late ‘60s and early ‘70s. The mild degeneracy in Republican Portugal paled in comparison to what came a mere year after the Revolution; even a correspondent from The New York Times could not fail but to notice that the bookstores in 1975 featured large stacks of communist literature interspersed with publications with pornographic content.
None of this political and social tumult would have ultimately surprised Salazar in the slightest. A pre-Conciliar Catholic fundamentally believed that his duty was to preserve the grand inheritance of the faith for future generations; Salazar believed it, too, was his solemn duty to preserve the achievements of Portuguese history for posterity. That Portugal’s grandest days were many centuries behind it did not matter in the slightest to Salazar; the duty remained all the same to preserve the glories of yesteryear and make them palpable in the present day. Just as the Church’s hierarchy existed to preserve Tradition, so should the state be ordered in a similar fashion.