Amosando publicacións coa etiqueta vários autores. Amosar todas as publicacións
Amosando publicacións coa etiqueta vários autores. Amosar todas as publicacións

25 de abril de 2019

Novo Vocabulário Filosófico-Democrático



Autor desconhecido
Novo Vocabulário Filosófico-Democrático (1831-32)

Este livro é a tradução anónima de um original italiano, de autor incógnito, publicado em Veneza em 1799. No Prólogo do Tradutor refere-se uma 2.ª edição madrilena de 1823, segundo a qual o autor seria Lourenço Thiuli, pertencente a uma família ilustre de Estocolmo. Na sua juventude, durante uma viagem marítima entre Espanha e Itália, Thiuli terá contactado com os jesuítas, expulsos do país vizinho com a extinção da ordem; daqui resultou a sua conversão e a vontade de integrar a Companhia de Jesus, onde fez os estudos. Conhecedor da perfídia subjacente às novas ideias revolucionárias, resolveu denunciar a traidora falsidade da sua linguagem numa série de opúsculos abertamente anti-republicanos e anti-liberais, destinados a defender a causa do Trono e do Altar entre um universo de leitores mais alargado.
Também se afirma que, em Portugal, a obra encontrou um admirador em José Agostinho de Macedo, que se propôs traduzi-la. A sua morte impediu esta realização, depois assumida por alguém que aparenta ter pertencido ao seu círculo próximo, talvez um clérigo. A versão original portuguesa repartida ao longo de vários cadernos, à semelhança da publicação italiana, reunidos em dois tomos, foi profusamente comentada para melhor explanação e ajuste à realidade nacional. Encontraram-se grandes semelhanças entre esta obra e o Mastigoforo, de Fr. Fortunato de S. Boaventura (referido em termos elogiosos na página 84), pelo que esta lhe tem sido, erradamente, atribuída. Uma editora online inglesa, especializada em reedições de livros antigos, atribui a autoria a Pedro de Sousa Holstein, Duque de Palmela, o que é incompatível com o seu posicionamento político.
À data da publicação deste livro, no reinado de D. Miguel, em plena Guerra Civil — consequência directa da Revolução Liberal de 1820 — a própria Revolução Francesa de 1789, e o Terror que se lhe seguiu, contava ainda testemunhas entre os vivos. Assim, o Novo Vocabulário Filosófico-Democrático é uma análise da linguagem e do seu conteúdo, numa denúncia da falsidade das ideias que moldavam aquele tempo, atacando a maçonaria, expondo ao ridículo os tiques republicanos e liberais, mantendo por isso uma surpreendente actualidade, até pela sua linguagem sarcástica e acutilante. Organizado em verbetes, como se espera de um dicionário, a dificuldade é a escolha de excertos significativos; aqui fica uma pequena amostra...

IGUALDADE — He tal o ruido, que se tem feito com este Vocabulo, que com razão se pode chamar o pandeiro republicano. A pratica com tudo tem manifestado até á evidencia que o famoso vox, vox prœtereaque nihil a nada se pode melhor applicar, que ao Vocábulo igualdade; porque nada ha neste mundo tão vasio de sentido, e significação. E se não, vamos a contas.
Ha por ventura hum só homem, que tendo senso commum se persuada que hum criado he hum ente desprezível, e vil, só porque traz huma libré, e que basta tirar-se-lhe para que de repente seja igual a seu amo? Que basta dar o nome de Cidadão a hum comico, a hum mendigo para faze-los iguaes ao lavrador honrado, e ao poderoso commerciante? Que tirando aos Nobres os Titulos de Condes, Marquezes, etc. e dando-lhes o de Cidadãos, immediatamente se estabelece a igualdade entre o rufião, e o bem educado, o civil, e o grosseiro, o brutal, e o civilisado? Logo o Vocábulo igualdade, em sentido republicano, não he mais que huma consummada loucura, e huma voz sem significado.
DEMOCRATISAR — Largo tempo se tem passado sem se poder comprehender, que cousa significasse positivamente esta palavra republicana em o idioma novo. Julgou-se ao principio, que teria alguma relação com o que antigamente se chamava formar hum governo popular. Porém, que loucura! A experiência mostrou immediatamente, quão errada era esta idéa, e o engano nascia principalmente da mudança de significado em a palavra Povo. Quando vimos democratisar aos Estados mais democraticos da Europa, comprehendemos, que democratisar hum Estado, em o moderno idioma, não quer dizer outra cousa, que denegrir, e abater o Governo, que existia, seja elle qual for; esbulhar delle os homens de bem, que mandavão; pôr em seu lugar, ou tolos, ou ímpios e bandidos; formar destes o Povo, e ao verdadeiro Povo escravisa-lo; roubar quanto haja de precioso; e anniquilar a Religião, especialmente a Catholica; sem se esquecer hum só instante de despojar e opprimir seus Ministros, etc. etc. He por este modo, que hão sido constante e invariavelmente democratisadas a Flandes, a Hollanda, Milão, Bolonha, Modena, Ferrara, etc. etc. Desta explicação se deduz naturalmente a intelligencia de muitos Vocabulos derivativos, como
DEMOCRATICO — Que pela activa significa atheo, ladrão, assassino, collocado em o mando e governo; e pela passiva, a parte honrada e religiosa de huma Nação ultrajada e opprimida, tyrannisada e roubada por bandidos, atheos, e assassinos.
DEMOCRACIA — Tem-se tentado dar a versão em idioma antigo com o nome etymologico de pirataria; porém não o explica perfeitamente, porque também se pode dizer atheistocracìa, e ladrocacia. Convertidos n’hum estes tres Vocabulos, formão o verdadeiro equivalente da democracia moderna. De sorte que em lugar de democracia deveria dizer-se demoniocracia, ou antes governo de demonios.
TOLERANCIA — [...] A penna recua, e o coração estremece quando quer progredir na descripção dos assassinatos, das matanças, e das proscripções, que se nos offerecem em o sangrento quadro da França tolerante! Attendei, Povos, a este quadro ainda mui recente para se entregar ao esquecimento: eis-aqui a tolerancia, que vos prepárão! sangue, morte, crueldades, sem respeito nem a Deos, nem aos homens, nem á razão, nem á natureza he a sua tolerancia!! Nunca de suas praguentas bôcas sahio palavra mais impia, mais blasfema, ardilosa, e traidora como esta!... Querem a tolerancia, mas he em quanto estão debaixo: isto he: attendei; querem que os Póvos, e os Governos os tolerem para que possão arranjar os seus planos; e, logo que se achão montados, começão a perseguição: eis-aqui qual he a sua tolerancia. [...]
RAZÃO — Segundo os Democraticos, a razão está vinculada a elles, e he o fundo principal de seu morgado. He deste modo, que podem fazer quanto lhes vier á cabeça (e nunca he cousa boa); e ainda que comettão as mais altas perfídias, os enganos mais vís, as mais horriveis traições, o mais tyrannico despotismo; e ainda que matem, roubem, blasfemem, e fação quantas graças não faria o mesmo demonio, sempre tem razão. E dizem muito bem; porque como em o idioma democratico razão e força são synonymos, já V.m. vê.... […]
POLITICO — A sublimidade, e delicadeza do pensar filosofico devia necessariamente estender-se á politica, muito mais em hum tempo em que, segundo o dicto de hum moderno Filosofo, hum Literato he hum Magistrado. Glorião-se os sábios Democraticos de ter descoberto a falsidade do significado antigo da palavra politica. O governar, prover, e defender hum Povo se julgava outróra a mais espinhosa e delicada sciencia, e para cujo desempenho se buscavão homens de talentos nada vulgares, da mais escrupulosa probidade, de huma prudência consummada, e de conhecimentos os mais vastos. Tudo loucura. Qualquer manicaca, qualquer farroupilha ignorante he, segundo os Democraticos, hum Politico consummado, capaz de governar o mundo inteiro. E leve Deos minha alma se os Democraticos não dizem muito bem. Porque como a sua intenção he transtornar todos os Governos, duvidamos que hajão muitos meios mais proporcionados que este, para conseguir aquelle fim. A difficuldade consistia em que houvesse quem os acreditasse. Mas, como havia de faltar, sendo tão grande a abundancia de cabeças ocas? Stultorum infinitus est numerus. He por este motivo, que não ha quasi hum canto do mundo, começando pelas Universidades, e acabando pelas tabernas e tascas, onde se não vejão enxames de vadios, tunantes, e franchinotes, que como mosquitos em bodéga, estejão mantendo perpetuamente discussões endiabradas sobre politica. Reis, Principes, Governos, Ministros, todos são por sua ordem chamados a juizo; e todos são examinados, censurados, criticados, e julgados sem misericordia por estes Richilieus de gaforina encrespada, e cigarro na bôca. [...]
LEI — Segundo os Democraticos, entre elles ninguém governa senão a Lei, e ella he a única Authoridade, a que todos obedecem: já se vê que ella he a alma republicana. Cousa maravilhosa! Republicas Democráticas conheço eu, que só n'hum anno fizerão vinte e duas mil Leis, sem que por isso houvesse entre ellas alguma. Pois eis aqui o segredo: esta Lei, que não existia, era a quem todos obedecião e esta Lei imaginaria era quem mandava, e regulava tudo. Então não diremos que he hum portento a alma das Republicas modernas?! […]
PROPRIEDADE — Vocábulo ad libitum. Entre os Republicanos (em quanto estão roubando) não tem nem uso, nem significação. Mas quando tem já guardados os roubos, oh! então já he outra cousa: Propriedade he hum nome sagrado. O melhor que tem he, que como os roubados, e os ladrões se succedem huns aos outros continuamente, e muitas vezes sem interrupção se transformão os segundos em os primeiros, não pode deixar de ser que este Vocábulo esteja em hum pleito eterno entre os Cidadãos felizes das Republicas Democraticas.
PERFEIÇÃO, APERFEIÇOAR — Segundo os principios da Filosofia Republicana, todo o homem tem direito a aperfeiçoar-se: e tem sido tão grande o uso, que os Republicanos tem feito, e vão fazendo deste Direito, que jamais se virão no mundo mais perfeitos ladrões, malvados, e assassinos. Se elles ainda não são perfeitíssimos, não he sem dúvida por culpa sua, pois a nada se tem poupado para bem desempenhar este ministerio.
Sem embargo, esta maxima de aperfeiçoar-se cada hum, apezar de tão bella na apparencia, encerra hum veneno terrivel em sua generalidade; e os ímpios, e sofistas modernos tem sabido dar-lhe tal voga, que nenhuma lhes ha produzido tão afortunados successos, nem ha embrulhado tanto os cérebros daquelles, que não vendo das cousas senão a casca, applicão qualquer verdade a qualquer assumpto; do mesmo modo que hum Curandeiro Charlatão applica seu balsamo exquisito a toda a classe de enfermidades.
He com este direito de aperfeiçoar-se, que os Filósofos pertendem romper, e quebrar todo o freio ao entendimento humano, e soltar as rédeas á vontade. Porque, como o aperfeiçoar-se não se póde conseguir sem ir sempre a mais, todo o obstáculo, que se lhe oppozer, he injusto, pois contrasta hum direito, que o homem recebêo da mesma Natureza. Logo, nem o entendimento, nem a vontade devem soffrer alguns ferros. E huma vez quebrados estes, quem não vê os espantosos precipícios, a que nos conduz o direito de aperfeiçoar-se?
O homem sensato, que raciocina justamente, não póde balancear muito tempo, e se vê obrigado a reconhecer que o tal direito não he mais que hum laço para enredar as gentes, e huma verdadeira quimera.
A perfeição absoluta he hum attributo do Ser Supremo; e o pertender possuí-la, he igualmente impossivel, que offensivo á Divindade. A perfeição he impossivel ao homem, porque não pertence á sua natureza; e portanto vale o mesmo dizer que o homem tem direito a aperfeiçoar-se, que dizer tem direito a hum impossivel. Ora pois, direito ao impossivel he huma quimera, e hum absurdo; e não podendo definir-se hum absurdo, tão pouco se poderá definir em que consista esta perfeição; e eis aqui como fica ao arbitrio de cada hum o definí-la, como mais conta lhe fizer, e como lhe agradar melhor. Não he pois maravilha que hajão muitos, que tendão ao Atheismo por perfeição, e que se inclinem a elle por tal modo, que nos queirão persuadir que não ha maior perfeição do que ser Athêo, e consequentemente que todo o direito do homem em aperfeiçoar-se se reduz em substancia ao direito de abraçar o Atheismo. [...]


22 de setembro de 2018

Os Cem Melhores Contos Brasileiros do Século

Italo Moriconi / vários autores
Os Cem Melhores Contos Brasileiros do Século (2000)

Esta antologia partiu da iniciativa da Editora Objetiva, do Rio de Janeiro, que convidou Italo Moriconi para a selecção dos textos. Moriconi, poeta, crítico literário e professor universitário, explica na Introdução os critérios e os métodos utilizados, e esboça um percurso do formato conto na literatura brasileira do séc. XX. Depois, em cada uma das secções, faz uma brevíssima apresentação prévia; e assim, desde o início do século até aos anos 30 numa secção, anos 40 e 50 noutra, e, a partir dos anos 60 uma secção por década, Moriconi descreve o “espírito dos tempos” que presidiu a cada época, não ocultando o seu entusiasmo com o boom do conto brasileiro a partir dos anos 60 e 70, lamentando apenas não ter conseguido incluir Guimarães Rosa, devido a restrições de direitos de autor.
Não surpreende portanto que se encontrem aqui quase todos os nomes consagrados da literatura brasileira — Machado de Assis, Lima Barreto, Graciliano Ramos, Carlos Drummond de Andrade, Érico Veríssimo, Clarice Lispector e, certamente, outros que o meu desconhecimento não identifica — e aqueles que faltam, como Jorge Amado, deve-se ao facto de não terem cultivado o conto com a relevância que dedicaram ao romance ou à poesia. Entre os presentes, alguns atravessam várias secções e são reincidentes, por exemplo Rubem Fonseca, Lygia Fagundes Telles ou Sérgio Sant'Anna, com três ou mais inclusões.
No entanto, pessoalmente, prefiro de longe os contos da primeira metade do século, onde mais facilmente encontro a literatura tal como eu a entendo. Não me convencem determinados conceitos de realismo e visceralidade que passam pelo recurso sistemático à linguagem rudimentar dos guetos (uma linguagem básica para um pensamento básico que, neste português do Brasil, se torna um idioma impenetrável), ao palavrão e às cenas escabrosas assumidas como táctica de choque. Um animal atropelado e esventrado pode ser muito “visceral” (literalmente), mas nunca será inspirador; o meu conceito de arte não passa por aí. Também não sou partidário de um tipo de literatura que anda às voltas sem chegar a lado nenhum e se faz “difícil”, para aparentar uma profundidade que, frequentemente, não passa de um logro. Sem generalizar, porque evidentemente nem todos os contos mais recentes enveredam por esses caminhos, é um pouco como, em termos cinematográficos, comparar o cinema de Carl Th. Dryer (a preto-e-branco, mudo) com o de Pedro Almodóvar (símbolo de uma certa modernidade): o dinamarquês é intemporal, já o espanhol, com o decorrer dos anos, não passará de uma nota de rodapé. Pelas mesmas razões, neste livro, prefiro os contos mais antigos. Para o excerto escolhi «O pirotécnico Zacarias», de Murilo Rubião.

Um dos moços, rapazola forte e imberbe — o único que se impressionara com o acidente e permanecera calado e aflito no decorrer dos acontecimentos —, propôs que se deixassem as garotas na estrada e me levassem para o cemitério. Os companheiros não deram importância à proposta. Limitaram-se a condenar o mau gosto de Jorginho — assim lhe chamavam — e a sua insensatez em interessar-se mais pelo destino do cadáver do que pelas lindas pequenas que os acompanhavam.
O rapazola notou a bobagem que acabara de proferir e, sem encarar de frente os componentes da roda, pôs-se a assoviar, visivelmente encabulado. Não pude evitar a minha imediata simpatia por ele, em virtude da sua razoável sugestão, debilmente formulada aos que decidiam a minha sorte. Afinal, as longas caminhadas cansam indistintamente defuntos e vivos. (Este argumento não me ocorreu no momento.)
Discutiram em seguida outras soluções e, por fim, consideraram que me lançar ao precipício, um fundo precipício, que margeava a estrada, limpar o chão manchado de sangue, lavar cuidadosamente o carro, quando chegassem a casa, seria o alvitre mais adequado ao caso e o que melhor conviria a possíveis complicações com a polícia, sempre ávida de achar mistério onde nada existe de misterioso.
Mas aquele seria um dos poucos desfechos que não me interessavam. Ficar jogado em um buraco, no meio de pedras e ervas, tornava-se para mim uma idéia insuportável. E ainda: o meu corpo poderia, ao rolar pelo barranco abaixo, ficar escondido entre a vegetação, terra e pedregulhos. Se tal acontecesse, jamais seria descoberto no seu improvisado túmulo e o meu nome não ocuparia as manchetes dos Jornais.
Não, eles não podiam roubar-me nem que fosse um pequeno necrológio no principal matutino da cidade. Precisava agir rápido e decidido:
— Alto lá! Também quero ser ouvido!
Jorginho empalideceu, soltou um grito surdo, tombando desmaiado, enquanto os seus amigos, algo admirados por verem um cadáver falar, se dispunham a ouvir-me.
Sempre tive confiança na minha faculdade de convencer os adversários, em meio às discussões. Não sei se pela força da lógica ou se por um dom natural, a verdade é que, em vida, eu vencia qualquer disputa dependente de argumentação segura e irretorquível.
A morte não extinguira essa faculdade. E a ela os meus matadores fizeram justiça. Após curto debate, no qual expus com clareza os meus argumentos, os rapazes ficaram indecisos, sem encontrar uma saída que atendesse, a contento, às minhas razões e ao programa da noite, a exigir prosseguimento. Para tornar mais confusa a situação, sentiam a impossibilidade de dar rumo a um defunto que não perdera nenhum dos predicados geralmente atribuídos aos vivos.
Se a um deles não ocorresse uma sugestão, imediatamente aprovada, teríamos permanecido no impasse. Propunha incluir-me no grupo e, juntos, terminarmos a farra, interrompida com o meu atropelamento.
Entretanto, outro obstáculo nos conteve: as moças eram somente três, isto é, em número igual ao de rapazes. Faltava uma para mim e eu não aceitava fazer parte da turma desacompanhado. O mesmo rapaz que aconselhara a minha inclusão no grupo encontrou a fórmula conciliatória, sugerindo que abandonassem o colega desmaiado na estrada. Para melhorar o meu aspecto, concluiu, bastaria trocar as minhas roupas pelas de Jorginho, que me prontifiquei a fazer rapidamente.
Depois de certa relutância em abandonar o companheiro, concordaram todos (homens e mulheres, estas já restabelecidas do primitivo desmaio) que ele fora fraco e não soubera enfrentar com dignidade a situação. Portanto, era pouco razoável que se perdesse tempo fazendo considerações sentimentais em torno da sua pessoa.

6 de xuño de 2016

A Sonda do Tempo


Arthur C. Clarke / vários autores
A Sonda do Tempo (1966)

Uma antologia de contos de vários autores de FC, organizada por um dos nomes sonantes do género, não é um acontecimento raro; já tive oportunidade de ler obras neste formato, editadas ou organizadas por Isaac Asimov ou Bruce Sterling. A Sonda do Tempo (Time Probe no título original) compõe-se de 11 contos que incluem o Take A Deep Breath (ou Respire Fundo), do próprio Arthur C. Clarke, que eu já conhecia da sua colectânea O Outro Lado do Céu. Os outros autores incluídos são Isaac Asimov, Robert A. Heinlein, Julian Huxley (irmão de Aldous Huxley), Cyril M. Kornbluth, Philip Latham, Murray Leinster, James H. Schmitz, Robert Silverberg, Theodore L. Thomas e Jack Vance. Os contos datam entre 1927 e 1962, e Arthur C. Clarke fez a sua selecção de modo que cada um deles ilustrasse um aspecto particular da ciência ou tecnologia – matemática, arqueologia, medicina, biologia, etc.
É difícil – para não dizer injusto – destacar qualquer dos contos; mas, para o excerto abaixo citado escolhi o primeiro, de Robert A. Heilein, intitulado ... E Ele Construiu Uma Casa Torta, que tem por tema uma casa tetradimensional, por aplicação da geometria não euclidiana, concebida por um arquitecto chamado Quintus Teal que, após uma conversa com um amigo, bem regada de conhaque, o convence a financiá-la. Depois de considerarem as dificuldades burocráticas, decidem-se por um desdobramento tridimensional dessa forma geométrica (da mesma forma que a cruz latina é um desdobramento bidimensional de um cubo). Uma vez construído o edifício, e na consequência de um pequeno incidente, o arquitecto, o amigo e a mulher deste, na visita inaugural, vêem-se aprisionados numa casa de geometria inesperada onde, por exemplo, se se caminhar sempre no mesmo sentido volta-se ao ponto de partida, ou ao espreitar por uma janela nunca se vê o que seria de esperar (e, a partir daqui. as coisas só tendem a piorar...)

Do ponto de vista dos Baileys ele simplesmente desapareceu.
Mas não do seu. Levou alguns segundos para recuperar o fôlego. Então, cautelosamente, soltou-se da roseira com a qual ficara quase que irrevocavelmente entrelaçado, tomando mentalmente nota de nunca mais encomendar ajardinamento que incluísse plantas com espinhos, e olhou em volta.
Estava do lado de fora da casa. O volume compacto da sala do andar térreo elevava-se ao seu lado. Aparentemente, caíra do telhado.
Dobrou a esquina da casa correndo, abriu a porta da frente, com violência, e subiu correndo as escadas. — Homer! — chamou. — Sra. Bailey! Encontrei uma saída!
Bailey pareceu mais aborrecido do que contente em vê-lo. — O que foi que aconteceu com você?
— Caí para fora. Estive do lado de fora da casa. Vocês podem fazer isso com a mesma facilidade — apenas atravessem essas portas-janelas. Cuidado com a roseira, talvez tenhamos que construir outra escada.
— Como foi que voltou a entrar?
— Pela porta da frente.
— Então sairemos da mesma maneira. Venha, querida. — Bailey enfiou, resolutamente, o chapéu na cabeça e desceu as escadas com passo firme, a esposa agarrada ao seu braço.
Teal encontrou-os na saleta. — Eu podia ter-lhes dito que isso não funcionaria — observou. — Agora, eis o que devemos fazer: do modo como vejo as coisas, numa figura quadridimensional, um homem tridimensional tem duas escolhas cada vez que cruza uma linha de junção, como uma parede ou um limiar. Comumente, ele fará uma volta de noventa graus na quarta dimensão, só que não sentirá isso nas suas três dimensões. Olhem. — Teal atravessou a mesma janela pela qual caíra há poucos momentos. Atravessou-a e chegou à sala de jantar, bem onde estava, ainda falando.
— Observei onde ia e cheguei onde tencionava. — Voltou para a saleta. — Da outra vez não prestei atenção, desloquei-me através do espaço normal e caí para fora da casa. Deve ser um caso de orientação subconsciente.
— Detestaria ter de depender de orientação subconsciente quando saio de manhã para apanhar o jornal.
— Você não terá de fazê-lo; tornar-se-á automático. Bem, para sair da casa, desta vez — Sra. Bailey, se a senhora ficar de pé aqui, com as costas para a janela e pular para trás, tenho absoluta certeza de que a senhora aterrissará no jardim.
O rosto da Sra. Bailey expressava sua opinião sobre Teal e suas idéias. — Homer Bailey — disse ela com voz esganiçada, —, você vai ficar parado aí e deixar que ele sugira uma coisa des...
— Mas, Sra. Bailey — tentou explicar Teal —, podemos amarrar uma corda na senhora e baixá-la fácil.
— Esqueça, Teal — interrompeu Bailey, bruscamente. — Vamos ter de encontrar coisa melhor do que essa. Nem a Sra. Bailey nem eu estamos em condições de pular.