26 de novembro de 2016

The Island of Doctor Moreau

H. G. Wells
The Island of Doctor Moreau (1896)

Outra obra de H.G. Wells que conta com várias adaptações ao cinema. Recordo ter visto na televisão excertos, pelo menos, da adaptação de 1932 possivelmente, intitulada Island of Lost Souls, com Charles Laughton e Bela Lugosi, realizada por Erle C. Kenton. Li também, em tempos, A Outra Ilha do Dr. Moreau, do britânico Brian Aldiss, que glosava o tema. Isto para dizer que o tema de The Island of Dr. Moreau é intemporal.
Edward Prendick, último sobrevivente de um naufrágio no Pacífico equatorial, é recolhido quase inconsciente num navio capitaneado por um marinheiro de mau génio, fretado por um misterioso médico, Montgomery, que se faz acompanhar por uma estranha carga de animais ferozes. A malfadada viagem termina no destino de Montgomery, uma ilha desconhecida onde se procede à descarga; Prendick, que se tinha inimistado com a capitão, é expelido do navio, e assim se torna num visitante forçado da ilha, onde conhece o Dr. Moreau.
Esta obra questiona os limites éticos da ciência, pois o Dr. Moreau, como todos devem saber ainda que não tenham lido o livro, faz experiências com animais – vivissecção, enxertos de corpos na tentativa de recriar um novo ser, dando-lhes uma condição semi-humana em corpos grotescos, condição que esses animais não pediram nem podem recusar, significando o aprisionamento da sua ampliada consciência num inferno vivo. Aquilo que no final do séc. XIX se traduzia em transfusões de sangue e serragem de ossos, tem um paralelo nos nossos dias com as manipulações de ADN, com cientistas a brincar aos deuses, convencidos que vão corrigir aquilo que consideram ser as imperfeições da Natureza.

A strange persuasion came upon me, that, save for the grossness of the line, the grotesqueness of the forms, I had here before me the whole balance of human life in miniature, the whole interplay of instinct, reason, and fate in its simplest form. The Leopard-man had happened to go under: that was all the difference. Poor brute!
Poor brutes! I began to see the viler aspect of Moreau's cruelty. I had not thought before of the pain and trouble that came to these poor victims after they had passed from Moreau's hands. I had shivered only at the days of actual torment in the enclosure. But now that seemed to me the lesser part. Before, they had been beasts, their instincts fitly adapted to their surroundings, and happy as living things may be. Now they stumbled in the shackles of humanity, lived in a fear that never died, fretted by a law they could not understand; their mock-human existence, begun in an agony, was one long internal struggle, one long dread of Moreau—and for what? It was the wantonness of it that stirred me.
Had Moreau had any intelligible object, I could have sympathised at least a little with him. I am not so squeamish about pain as that. I could have forgiven him a little even, had his motive been only hate. But he was so irresponsible, so utterly careless! His curiosity, his mad, aimless investigations, drove him on; and the Things were thrown out to live a year or so, to struggle and blunder and suffer, and at last to die painfully. They were wretched in themselves; the old animal hate moved them to trouble one another; the Law held them back from a brief hot struggle and a decisive end to their natural animosities.
In those days my fear of the Beast People went the way of my personal fear for Moreau. I fell indeed into a morbid state, deep and enduring, and alien to fear, which has left permanent scars upon my mind. I must confess that I lost faith in the sanity of the world when I saw it suffering the painful disorder of this island. A blind Fate, a vast pitiless mechanism, seemed to cut and shape the fabric of existence and I, Moreau (by his passion for research), Montgomery (by his passion for drink), the Beast People with their instincts and mental restrictions, were torn and crushed, ruthlessly, inevitably, amid the infinite complexity of its incessant wheels. But this condition did not come all at once: I think indeed that I anticipate a little in speaking of it now.


Li anteriormente:
The Time Machine (1895)

12 de novembro de 2016

The Time Machine


H. G. Wells
The Time Machine (1895)

O britânico H. G. Wells tem uma curta série de obras bem conhecidas, datadas do virar do século XIX, a primeira das quais é A Máquina do Tempo. Acho incrível nunca ter tido a oportunidade de ler qualquer delas, e espero corrigir isso agora, tanto mais quanto sempre encontrei um certo encanto nesta proto-FC, então designada por «romances científicos», que encontrei em alguns dos seus contemporâneos, como Allan Poe, Conan Doyle, Stevenson ou Verne.
A história é conhecida: um inventor atirado para o ano 802701, encontra a Terra transformada num jardim decadente, povoada pelos Eloi, uma humanidade infantilizada. Aquilo que, numa primeira impressão lhe parecera uma «Idade do Ouro», a breve trecho se transforma num cenário sinistro, quando entram em cena os habitantes do mundo subterrâneo, os Morlocks. Dias depois, numa fuga apressada, o crononauta chega a 30 milhões de anos no futuro, numa Terra desolada, inóspita e povoada por bestas de pesadelo, já sem movimento de rotação, com o sol de tom alaranjado, em fase de extinção, onde acaba por presenciar um eclipse solar.
Lembro-me de ter visto na televisão, há muito tempo, a cena correspondente ao trecho que escolhi; já não me recordo se vi o filme completo, mas esta cena ficou-me na memória. Sei agora que era uma adaptação de 1960, de George Pal, com Rod Taylor, Alan Young e Yvette Mimieux como protagonistas, e está no YouTube com o preço «a partir de 2,99€». Mas, como diz um dos comentários mais acertados – «3€ for an online movie from 1960? Go back to work, fucking jews!»

'I drew a breath, set my teeth, gripped the starting lever with both hands, and went off with a thud. The laboratory got hazy and went dark. Mrs. Watchett came in and walked, apparently without seeing me, towards the garden door. I suppose it took her a minute or so to traverse the place, but to me she seemed to shoot across the room like a rocket. I pressed the lever over to its extreme position. The night came like the turning out of a lamp, and in another moment came to-morrow. The laboratory grew faint and hazy, then fainter and ever fainter. To-morrow night came black, then day again, night again, day again, faster and faster still. An eddying murmur filled my ears, and a strange, dumb confusedness descended on my mind.
'I am afraid I cannot convey the peculiar sensations of time travelling. They are excessively unpleasant. There is a feeling exactly like that one has upon a switchback—of a helpless headlong motion! I felt the same horrible anticipation, too, of an imminent smash. As I put on pace, night followed day like the flapping of a black wing. The dim suggestion of the laboratory seemed presently to fall away from me, and I saw the sun hopping swiftly across the sky, leaping it every minute, and every minute marking a day. I supposed the laboratory had been destroyed and I had come into the open air. I had a dim impression of scaffolding, but I was already going too fast to be conscious of any moving things. The slowest snail that ever crawled dashed by too fast for me. The twinkling succession of darkness and light was excessively painful to the eye. Then, in the intermittent darknesses, I saw the moon spinning swiftly through her quarters from new to full, and had a faint glimpse of the circling stars. Presently, as I went on, still gaining velocity, the palpitation of night and day merged into one continuous greyness; the sky took on a wonderful deepness of blue, a splendid luminous color like that of early twilight; the jerking sun became a streak of fire, a brilliant arch, in space; the moon a fainter fluctuating band; and I could see nothing of the stars, save now and then a brighter circle flickering in the blue.

1 de novembro de 2016

Esperando al Rey


José María Pérez
Esperando al Rey (2014)

Numa noite de Inverno, tive a sorte de assistir a um documentário da TVE online sobre a catedral de Burgos. Tratava-se do início de uma série, em sete episódios, La Luz y el Misterio de las Catedrales, dedicada às catedrais góticas espanholas, que acompanhei semanalmente. Era apresentada por José María Pérez, arquitecto e desenhista (conhecido como «Peridis», publicou uma tira diária no El País de 1976 a 2011), cujo dom da palavra e capacidade comunicativa me fez lembrar o saudoso José Hermano Saraiva. Depois descobri que, anos antes, tinha apresentado uma outra série, Las Claves del Románico, muito mais extensa, com 33 episódios emitidos em três temporadas entre 2002 e 2007, que dão um panorama muito pormenorizado dos monumentos românicos no país vizinho, acompanhado de paisagens impressionantes e das necessárias explicações sobre o contexto histórico. Também os visionei a todos e recomendo-os vivamente – basta ir à página da TVE, ambas as séries estão disponíveis em streaming.
José María Pérez esteve na origem da Fundación Santa María la Real del Patrimonio Histórico, e, entre os seus muito projectos culturais destaca-se a Enciclopedia del Románico en la Península Ibérica (leia-se Espanha). Não será portanto uma surpresa que, nesta sua primeira incursão pela literatura, tenha escolhido por tema e cenário a época histórica na qual se especializou, com este Esperando al Rey, vencedor do Prémio Afonso X o Sábio de Novela Histórica em 2014.
Passado entre 1141 e 1180, o enredo centra-se basicamente na condessa Teresa Fernandes de Trava, filha de Teresa de Leão e de Fernão Peres de Trava (o que faz dela meia-irmã de Afonso Henriques – nesta época, todos os soberanos dos reinos peninsulares eram irmãos, primos ou de parentesco muito próximo), desde a sua infância até à vida adulta. Acompanha-se o final do reinado de Afonso VII de Leão e Castela, a divisão do seu reino pelos filhos Fernando II de Leão e Sancho III de Castela (uma vez mais se manifestou essa incompreensível e tão espanhola tendência à dispersão). Com a morte prematura de Sancho III e a passagem do título ao seu filho Afonso VIII, com apenas três anos de idade, os onze anos seguintes acompanham a regência até à maioridade do rei, coroado aos 14 anos. O regente de Castela era, nessa altura, Nuno Peres de Lara, casado com Teresa que, após a sua morte, se casou em segundas núpcias com Fernando II. Sobre este pano de fundo espraia-se uma narrativa viva e fluida acerca da vida medieval nesta parte da Hispânia, com um enfoque muito particular no surto românico – as obras da catedral de Santiago de Compostela servem algumas vezes de cenário –, e o seu enquadramento na sociedade de então.

Después de que el legado del papa terminara su predicación al grito de «¡Dios lo quiere!», se levantó vacilante el emperador.
—En nombre de Dios Todopoderoso —declaró solemnemente—, que ha creado todo lo que vemos y no vemos, yo, Alfonso, emperador de toda Hispania, os pongo a todos vosotros como testigos para que, cuando yo falte, se repartan los reinos que me pertenecen del siguiente modo: a mi hijo primogénito Sancho le corresponde....
Por un instante le pasaron por la cabeza todos los avatares del reino y las dudas se le agarraban a la garganta. «Sancho es prudente y diplomático, pero es enfermizo, tiene mal de estómago y no termina de curar un catarro cuando otro le sobreviene. Fernando es atolondrado. Primero se lanza y luego lo piensa... o no lo piensa y se olvida y a otra cosa. Si Fernando tuviera la sensatez y la prudencia de Sancho o Sancho la valentía y la fortaleza de Fernando, de cualquiera de ellos sacábamos un magnífico sucesor. Dividir el reino, tal y como me aconsejaron los condes Manrique de Lara y Fernando de Traba, me pareció lo más conveniente entonces, pero ahora que nos atacan los almohades... no sé qué pasará cuando yo falte. Si no le dejara el reino de León, sería capaz de matar a Sancho y se quedaría con todo como el abuelo».
La emoción le ahogaba, tenía la garganta reseca y las toses que ensayaba no le libraron de la afonía. Como los murmullos llegaban de todos los rincones de la basílica, pasó el documento al canciller y le señaló por gestos que leyera bien alto para que nadie tuviera dudas de cuáles eran sus designios.
—Con la venia del emperador: «A mi hijo primogénito Sancho le corresponde toda Castilla con las villas de Segovia y Ávila y todas las tierras al sur del Duero, y todas las villas, castillos y tierras que están detrás de la sierra y también el reino de Toledo... Y además, la Tierra de Campos hasta Sahagún».
—Esto no era lo que yo esperaba —murmuró entre dientes Fernando con un gesto de contrariedad que no pudo disimular—. De un plumazo ha regalado el pan de mi reino al imbécil de mi hermano.
—«Y a mi hijo el rey don Fernando —continuó el canciller— le asigno Asturias y toda Galicia, Zamora, Toro y todo el reino de León».
Sancho, que se había quedado sin la mitad de la herencia que le correspondía como primogénito, tampoco estaba satisfecho a pesar del regalo del granero del reino, pero se consoló al ver la cara de estupefacción de su hermano.
Pero la frontera entre los reinos de León y de Castilla, llana y sin ríos o cordilleras que la delimitasen, era de difícil trazado. Nada se decía del reparto de las tierras de infieles que se conquistaran en el futuro. Y este podía ser un motivo más de fricciones entre los reinos.