25 de febreiro de 2024

O Mistério das Catedrais



Fulcanelli
O Mistério das Catedrais (1926)

Ninguém sabe quem se ocultou sob o pseudónimo Fulcanelli, à excepção de Eugène Canseliet, autor dos prefácios desta obra e seu pretenso discípulo. Especula-se que Canseliet poderia ser o verdadeiro autor, tal como Jean-Julien Champagne – responsável pelas gravuras que acompanhavam a edição original, entretanto substituídas por fotografias em edições posteriores –, entre outras hipóteses aventadas. O livro conheceu algum interesse no período entre guerras, mas foi sobretudo a partir do aparecimento d’O Despertar dos Mágicos, de Pauwels e Bergier, onde é profusamente citado, que a sua projecção aumentou.

Segundo Fulcanelli, as catedrais góticas eram o repositório do conhecimento da alquimia medieval, esculpido na pedra, à vista de todos, mas acessível apenas aos iniciados, capazes de apreender o significado dos símbolos e da doutrina hermética. Descrevendo a alquimia como ciência exacta, mas esotérica, cujo saber é transmitido de mestre a discípulo, faz alusão a uma série de segredos que não podem ser revelados a profanos – é legítimo, então, perguntar qual o sentido de editar um livro como este, por certo dirigido aos profanos, dado que as “revelações” no campo da alquimia serão o bê-á-bá de qualquer praticante digno desse nome.
O Mistério das Catedrais faz um estudo hermético da catedral gótica, tomando Notre-Dame de Paris como maior exemplo, analisando esculturas e pormenores arquitectónicos, fazendo depois o paralelo com a Notre-Dame de Amiens, acrescentando ainda dois exemplos adicionais de arquitectura civil em Bourges, e um cruzeiro em Hendaia. Poder-se-ia ser tentado a reconhecer uma apropriação de temas sagrados e cenas bíblicas, existentes nas catedrais, a posteriori, para a interpretação alquímica e esotérica; no entanto, torna-se mais verosímil ter existido alguma influência da alquimia no alto clero, pois não parece credível que a Igreja não encontrasse no seu seio alguém capaz de identificar aquela simbologia, à época, e financiasse as construções sem a mínima noção do seu significado, como parece sugerir Fulcanelli. Fica também por perceber se Paris e Amiens são casos isolados, ou até que ponto as catedrais góticas francesas (e fora de França) estarão recobertas de simbologia alquímica.

O século XVIII, reino da aristocracia e do belo espírito, dos abades da corte, das marquesas empoadas, dos gentis-homens de peruca, tempo abençoado dos mestres de dança, dos madrigais e das pastoras de Watteau, o século brilhante e perverso, frívolo e amaneirado que deveria afogar-se em sangue, foi particularmente nefasto para as obras góticas. 
Arrastados pela grande corrente de decadência que tomou, sob Francisco I, o nome paradoxal de Renascimento, incapazes de um esforço equivalente ao dos seus antepassados, completamente ignorantes da simbólica medieval, os artistas aplicaram-se a reproduzir obras bastardas, sem gosto, sem carácter, sem pensamento esotérico, mais do que a prosseguir e a aperfeiçoar a admirável e sã criação francesa.
Arquitectos, pintores, escultores, preferindo a sua própria glória à da Arte, dedicaram-se aos modelos antigos imitados em Itália.
Os construtores da Idade Média tinham como apanágio a fé e a modéstia. Artesãos anónimos de puras obras-primas, construíram para a Verdade, para a afirmação do seu ideal, para a propagação e a nobreza da sua ciência. Os do Renascimento, preocupados sobretudo com a sua personalidade, ciosos do seu valor, construíram para a posteridade do seu nome. A Idade Média deveu o seu esplendor à originalidade das suas criações; o Renascimento deveu a sua fama à fidelidade servil das suas cópias. Aqui, um pensamento; ali, uma moda. De um lado, o génio; do outro, o talento. Na obra gótica, a construção permanece submetida à Ideia; na obra renascentista, domina-a e apaga-a. Uma fala ao coração, ao cérebro, à alma: é o triunfo do espírito; a outra dirige-se aos sentidos: é a glorificação da matéria. Do século XII ao século XV, pobreza de meios mas riqueza de expressão; a partir do século XVI, beleza plástica, mediocridade de invenção. Os mestres medievais souberam animar o calcário vulgar; os artistas do Renascimento deixaram o mármore inerte e frio.
É o antagonismo desses dois períodos, nascidos de conceitos opostos, que explica o desprezo do Renascimento e a sua profunda repugnância por tudo o que era gótico.
Tal estado de espírito devia ser fatal à obra da Idade Média; e é a ele que, efectivamente, devemos atribuir as inúmeras mutilações que hoje deploramos.

9 de febreiro de 2024

O que Há-de Ser o Mundo no Ano Três Mil


Pedro José Supico de Morais
O que Há-de Ser o Mundo no Ano Três Mil (1860)

Este livro tem uma história algo nebulosa. Foi publicado em Lisboa em 1860, sem nenhuma referência ao nome do autor na capa ou no frontispício, e era preciso ler a primeira página de texto, a "Protestação", para encontrar o nome de Pedro José Suppico de Moraes. E só na página 179 se revela ao leitor o nome do autor original da obra O que Ha de ser o Mundo no Anno Tres Mil: E. Souvestre. Na verdade, o francês Émile Souvestre escreveu Le Monde tel qu’il Sera em 1846, mas Supico de Morais (pseudónimo de Sebastião José Ribeiro de Sá) não se limitou a fazer a tradução, antes uma adaptação para o leitor português do século XIX, com alterações significativas ao texto original.
Assim, Marta e Maurício, jovem casal na contemplação da paisagem nocturna parisiense, expressam o desejo de poder ver o belo futuro longínquo, dormir durante séculos para acordar num mundo perfeito. De imediato aparece um ente demoníaco, Sir John Progresso, que se dispõe a fazer-lhes a vontade, e eis que Marta e Maurício acordam no ano 3000, numa sociedade distópica, cuja descrição fantasiosa e caricatural destina-se sobretudo a ridicularizar, pelo exagero, o materialismo da burguesia novecentista. Este admirável mundo novo, entre a sátira corrosiva e alguma nota sentimental, não se enquadra propriamente na ficção-científica, ao modo de Júlio Verne ou H.G. Wells, tem mais afinidades com as viagens fantásticas de Jonathan Swift ou Cyrano de Bergerac.

O observatorio da cidade Sem-Egual estava edificado no centro de um espaçoso jardim, e ficava em altura propria, a fim de, sem obstaculo, descobrir o horisonte.
Era nesse recinto consagrado ás lentes e ás tabellas, que o maior astronomo da capital mantinha em escrupulosa exactidão o registro civil dos corpos celestes, contendo com fabuloso escrupulo, em muitas casinholas riscadas, as allianças e a época da sua morte. A lua era ha muito tempo o particular objecto da attenção do sabio. De dia andava à procura della, e á noite ficava horas inteiras em contemplação ante o pallido astro, como dizem os poetas.
Quando Palafox, o doutor, e seus hospedes entraram, o sabio tinha a mão esquerda sobre o joelho, e a direita no movimento do telescopio pelo qual olhava em extasis com queixo caido e as farripas erguidas em volta da espaçosa calva.
— Ainda os estou vendo, dizia elle a Palafox sem se voltar; são os mesmos de hontem.
— Estaes a vêr quem? perguntou o academico aproximando-se.
— Quem? replicou Palafox, que tinha estado aopé do astrologo, o mesmo par de amantes lunaticos, que o nosso illustre amigo está observando ha oito dias, tendo sido testimunha de todos os preliminares da paixão : signaes telegraphicos pelas janellas, troca de cartas, e saltos pelos muros.
— Eil-os que se aproximam, interrompeu o astronomo. Distingo tudo perfeitamente, menos o rosto da mulher, porque está cuberto com um veu. A scena é n'um jardim. . . com um kiosque. . . Lá se assentam á sombra de uma figueira.
— Mau signal, resmungou o doutor ; é a arvore perto da qual nossa primeira mãe encontrou Satanaz!
— A mulher parece assustada. . . disse o astrólogo, sem deixar de olhar pelos vidros do telescopio, nem um momento. . . Olha em roda de si como quem desconfia.
— Dar-se-ha caso que na lua também haja maridos! observou o corretor de narizes e generos coloniaes; e voltando-se para o academico Universal, como quem se lembra de uma coisa a proposito de outra, disse-lhe : Meu doutor se me explicasseis a fórma symbolica do crescente da lua muito vos agradeceria. . .
— Silencio pelo amor de Deus, bradou o astronomo ; a lua póde ter ouvidos. . . a mulher está resolvida a sentar-se.
Neste ponto começou o seguinte dialogo entre os dois académicos :
— Muito bem! e depois. . .
— Elle pede-lhe a mão com um gesto. . .
— E ella?
— Resiste.
— É para que peça as duas. . .
— Elle da-lhe um abraço. . .
— Bom signal.
— Ajoelha a seus pés. . .
— Ora essa, exclamou Palafox, em tal caso a vida na lua não é muito differente da que passamos por este mundo.
— Parece-me que deve haver alguma identidade, interrompeu sorrindo Mauricio.
— Mas por que razão deve existir essa identidade? perguntou o dr. Universal.
Maurício respondeu, porque o telescopio retomara a sua posição horisontal, e em vez de estar voltado para a lua, está na direcção do jardim.
O astronomo recuou dando um salto de cabrito.
— O jardim! repetiu elle . . . os coqueiros! . . o kiosque! . . . a figueira! . . .
— Tudo isto está diante da nossa vista.
O astronomo correu novamente para o telescópio.
— É verdade! disse elle. . . nunca tinha reparado em similhante coisa. E pondo-se em pé, espantado como um touro saido do curro ao estacar com a praça povoada de milhares de espectadores, eis que brada :
— Mas quem será a mulher que ia deixar cair o veu? . . . Dá nova investida ao telescopio, e com um grito sáem-lhe dos labios estas palavras :
— É minha mulher!
O que o pobre homem julgava vêr na lua é o que se estava passando em sua casa.
Houve um momento de perturbação geral. Palafox e o dr. Universal olharam um para o outro, Mauricio affastou-se um pouco da scena, e o dr. Telescópio foi cair sobre uma cadeira pallido e estupefacto.
— Não era o nosso querido satellite, balbuciou elle a final com terror.
— Era o vosso jardim o campo das observações que me admiravam, redargiu Palafox.

5 de febreiro de 2024

Infiltración Mundial


Salvador Borrego
Infiltración Mundial (1968)  

Infiltração Mundial tem muitos pontos de contacto com Derrota Mundial, refazendo a mesma cronologia histórica, desta vez mais focado na infiltração marxista no coração do III Reich que, em última análise, o conduziu à derrota. Sabe-se que a doutrina de Marx não se destinava, originalmente, à Rússia (então um país quase medieval), mas aos países onde o capitalismo se encontrava mais desenvolvido, nomeadamente a Alemanha. A Revolução de Outubro foi uma oportunidade inesperada, consequência da 1GM, e o regime leninista passou a ser defendido com unhas e dentes, por políticos e banqueiros internacionais, com o fito de estender logo que possível a Revolução Mundial à Alemanha; a união do colosso industrial com o colosso de matérias-primas seria imparável. Durante a República de Weimar os dois países assinaram, em 1922, o Tratado de Rapallo, que teve como consequência a transferência massiva do avançado conhecimento técnico e industrial alemão para a URSS, permitindo aos soviéticos uma industrialização vertiginosa, sem que a Alemanha tenha tido contrapartidas visíveis. Com a chegada de Adolf Hitler ao poder o panorama mudou; no entanto, os dissimulados bolchevistas alemães conseguiram permanecer infiltrados no aparelho estatal, a todos os níveis, sem desistir do projecto revolucionário inicial. No desenrolar da 2GM essa teia de cumplicidades sabotou todo o esforço de guerra com o único fito de salvar o marxismo estalinista, procurando a derrota da Alemanha e a submissão a Moscovo. A infiltração estava colocada em postos cruciais: altas chefias do Estado Maior alemão, no Alto Comando, na Gestapo (surpreendentemente ingénua, apesar da imagem diabólica que dela se criou), até na própria SS. O Almirante Canaris, director do serviço de contra-espionagem e um dos traidores mais notórios, passou informação primordial ao inimigo durante cinco anos de guerra, ao mesmo tempo que ludibriava com informação falsa o lado alemão. Na verdade, o inimigo tinha todas as informações e todos os pormenores das movimentações militares seis a doze horas depois das decisões tomadas em Berlim, através de um contacto rádio via Suíça, o que lhe permitia anular o efeito surpresa e tomar as contra-medidas adequadas. Grande parte desta conspiração foi desmantelada após o atentado de 20 de Julho de 1944, demasiado tarde porém para mudar o curso da guerra. 

A infiltração estava também espalhada por todo o Ocidente, como se comprovou no pós-guerra, votada ao triunfo do marxismo (enquanto ele foi instrumento útil dos poderes nas sombras) e permite perceber, por exemplo, as razões profundas que levaram à designada "caça às bruxas" do senador McCarthy, que nada teve a ver com uma perseguição paranóica e injustificada, tal como tem sido apresentada ao grande público.

El Movimiento de Infiltración no tenía muchos miembros, pero se hallaban colocados en sitios importantísimos. Su meta esencial era salvar al marxismo. Primero quisieron enganchar a Alemania con la URSS, como había empezado a hacerlo el Tratado de Rapallo, y cuando vieron que esto no era posible empezaron a enviar secretos a Moscú para que derrotara a las tropas alemanas.
Dicho movimiento permaneció siempre con este claro propósito. Sus miembros no cambiaron jamás de actitud, ni en los años en que Alemania iba de triunfo en triunfo, ni cuando la victoria estaba cerca, ni cuando era factible lograr una paz ventajosa. Ellos luchaban por el marxismo, según lo reiteró después de la guerra Rudolf Roessler, el intermediario entre la Infiltración radicada en Alemania y el Alto Mando soviético.
Es importante distinguir que además de la Infiltración había un pequeño grupo cambiante de descontentos que no simpatizaban con Hitler, o que creían en otra línea política menos audaz, o que ante las grandes dificultades perdían la moral. Estos hombres no eran propiamente infiltrados, aunque el movimiento de infiltración los cultivó y los utilizó ocasionalmente para sus fines.
Estos últimos buscaban categóricamente la derrota de Alemania como un medio para erigir un nuevo Régimen que fuera adicto a Moscú. Eso mismo había ocurrido en Rusia en 1916-1917, cuando los comunistas encabezados por Lenin, Trotzki, Stalin, Kamenev, Zinoviev, querían la derrota de Rusia en la primero guerra mundial para que sobreviniera el caos y pudiera luego surgir un régimen marxista.
Por eso la Infiltración que operaba en Alemania maniobró para que Hitler no lograra la paz con occidente; saboteó el esfuerzo bélico; transmitió secretos a fin de hacer fracasar la lucha en diversos frentes occidentales y, finalmente, desde que se inició la invasión de la URSS, desplegó un esfuerzo supremo para ayudar de mil modos al Ejército Rojo.
Los generales Hammerstein, ex jefe del ejército y Ludwig Beck, ex jefe del Estado Mayor General, nunca aportaron una idea ni movieron un dedo a favor de la lucha que su país realizaba, pero sí estuvieron siempre conspirando para provocar un cataclismo interno. Canaris, Schacht, Hassell, Oster y otros más quizá cientos eran de la misma condición. 

[...] 

Heydrich desconfiaba, y más por intuición que por huellas concretas, pensaba que había una filtración en el Alto mando Alemán. Concretamente recelaba del almirante Canaris.
A principios de 1942 la Gestapo capturó a un tal Dr. Strassman, sospechoso, y se averiguó que tenía conexiones con dos empleados del general Oster, o sea el segundo de Canaris. Heydrich quiso continuar las investigaciones con sumo tacto, sin tocar por de pronto a Oster para no alertar a los posibles culpables y evitar que se "sumergieran".
También con sumo cuidado Heydrich estaba haciendo espiar a Canaris. ¿Desconfiar del almirante, que había realizado una carrera intachable y que había sido uno de los primeros partidarios de Hitler cuando este llegó al poder?... Parecía insensato, pero algo le decía a Heydrich que Canaris era falso, que realizaba un doble juego.
Canaris también hacia espiar a Heydrich. Por el general Nebe —infiltrado en la Gestapo— Canaris sabía que Heydrich recelaba de él.
En ese punto las huellas desaparecen (porque muchísimos de los pasos de los pasos de los conjurados no dejaron huellas), pero alguien pensó en un audaz golpe para matar a Heydrich, precisamente en esos días. ¿Fue Canaris? ¿Hizo saber a sus cómplices en el extranjero que estaba en gravísimo peligro y que él no podía liquidar a Heydrich porque enseñaría las manos?
Eso se ignora. Lo que sí se sabe a ciencia cierta es que el israelita J.E. Sireni, partidario de la URSS y radicado en Londres, aconsejó al "Inteligence Service" británico que arrojara un comando de paracaidistas judíos detrás de las líneas alemanas para matar a Heydrich. En efecto, a mediados de mayo un avión de la RAF arrojó en Checoslovaquia a Jan Kubis, Joseph Gabeik y otros varios.
Estos sabían que Heydrich se alojaba en una casa de campo cerca de Praga y que usaba un Mercedes descapotable para ir a su oficina de la capital checa. No llevaba escolta, iba uniformado y únicamente lo acompañaba su chofer. Lo acecharon en el camino y le arrojaron una bomba de manufactura inglesa.
Mortalmente herido, Heydrich sacó su pistola e hizo fuego, pero enseguida se desplomó moribundo y cinco días después falleció. [...] El asesinato de Heydrich fue, por dos años más, la salvación de los inminentes infiltrados.


Li anteriormente:
Derrota Mundial (1953)