8 de setembro de 2025

A Túlipa Negra


Alexandre Dumas
A Túlipa Negra (1850)

Passado na Holanda da segunda metade do século XVII, esta novela clássica de Alexandre Dumas parte de alguns factos históricos, como o assassínio e linchamento de Johan De Witt e do irmão Cornelis De Witt, resultado do confronto entre a facção republicana e o movimento orangista, que pretendia o restabelecimento do poder real. Para colocar a trama em movimento temos Cornélio Van Baerle, afilhado do segundo, a quem foram confiadas certas cartas comprometedoras da autoria do primeiro, das quais Von Baerle, um jovem na posse de uma herança muito confortável, não tem conhecimento do conteúdo, interessando-se apenas pelo cultivo das tulipas.
Nessa altura a sociedade tulipista de Harlém oferece um considerável prémio monetário a quem conseguir cultivar uma orquídea negra, tarefa à qual se dedica Cornélio, bem como o seu invejoso vizinho Isaac Boxtel. Este sem meios financeiros para competir com Cornelio, passa a observar todos os seus movimentos com um telescópio e arquitecta um plano para se apoderar do seu esforço. Como espiou a entrega do maço de cartas, delata Cornélio que é julgado e preso; mas, sem conseguir deitar a mão aos bolbos dos quais nascerão as tulipas negras, muda de identidade, passa a chamar-se Jacob Gisels e segue no encalço de Cornélio que, na prisão, e com a ajuda de Rosa, a bela filha do carcereiro, por quem se apaixona, vai tentar criar a tulipa negra e ganhar o prémio.
As peripécias que se seguem são divertidas e a leitura absorvente, com o inevitável desenlace feliz.
Apesar do livro referir o preço elevado a que se transaccionavam os bolbos das tulipas naquela época, não faz referência ao estouro da bolha especulativa da tulipa, em 1637, o primeiro crash financeiro documentado — isso é que dava uma história edificante...

Assim é que, para se fazer uma ideia de um condenado esquecido por Dante, cumpria ver Boxtel durante este tempo. Enquanto Van Baerle sachava, estrumava, humedecia os seus alegretes, enquanto ele, de joelhos em cima do declive de relva, analisava cada veia da túlipa sua florescência e meditava nas modificações que se lhe podiam fazer, nas combinações de cores que se podiam experimentar, Boxtel, escondido por detrás de um sicômoro pequeno que plantara ao pé do muro e que lhe servia como de leque, seguia, com os olhos entumecidos, a boca escumando, cada passo, cada atitude do seu vizinho; e quando julgava vê-lo alegre quando o apanhava a sorrir, quando lhe lobrigava um raio de felicidade nos olhos, enviava-lhe tantas pragas, tantas ameaças furibundas, que se não poderia imaginar como estes hálitos empestados de inveja e de cólera não iam infiltrando-se nas hastes das flores, levar-lhes princípios de decadência e germes de morte.
Em breve, porém, tão rápidos são os progressos que faz o mal quando se apodera da alma humana, Boxtel não se contentou com ver somente Van Baerle. Também quis ver as suas flores; porque como era um verdadeiro artista, a obra-prima de um rival não podia ser para ele coisa de pouca monta.
Comprou um telescópio, com o auxílio do qual, tão bem como o próprio proprietário pôde acompanhar todas as evoluções da flor, desde o momento em que lança, no primeiro ano, o seu pálido rebento fora da terra, até àquele em que, depois de ter completado o seu período de cinco anos, arredonda o nobre e gracioso cilindro, sobre o qual aparecem as incertas mostras da sua cor e se desenvolvem as pétalas da flor, que só então revela os tesouros mais secretos do seu cálix.
Oh! Quantas vezes o desgraçado invejoso, empoleirado na sua escada, lobrigou nos alegretes de Van Baerle umas túlipas que o cegavam com a sua beleza e o sufocavam com o seu delicioso perfume!
Nestas ocasiões, passado o período de admiração que não podia vencer, Boxtel sentia-se atacado pela febre da inveja, essa enfermidade que lacera o peito e que transforma o coração em miríades de pequenas serpentes, que se devoram umas às outras, origem infame das mais horríveis dores.
Quantas vezes, no meio dos seus tormentos, de que nenhuma descrição poderia dar uma cabal ideia, Boxtel teve a tentação de saltar de noite ao jardim do seu vizinho, destruir as plantas, devorar as cebolas com os dentes e sacrificar o próprio dono, se este ousasse defender as suas túlipas.
Mas matar uma túlipa é, aos olhos de um verdadeiro horticultor, um crime tão espantoso!
Matar um homem, ainda passava.

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