8 de marzo de 2020

Contacto

Carl Sagan
Contacto (1985)

Carl Sagan foi um dos meus heróis da adolescência. Tinha descoberto a literatura FC pouco antes, e a sua série televisiva “Cosmos” mostrava-me como a realidade podia ser tão empolgante como a ficção. Cerca de 15 anos depois, por altura da sua morte, o site de Richard C. Hoagland, do qual eu era um fiel seguidor, deu-me uma face diferente, mais sombria, de Sagan. Mais ou menos por essa altura surgiu a adaptação cinematográfica do seu primeiro romance, Contact, que fazia parte da minha longa lista de possíveis leituras futuras. O filme, com Jodie Foster, passou várias vezes na TV e não resisti a ver excertos, que tentei esquecer rapidamente com receio que me estragassem o prazer da leitura que um dia encontraria no livro.
Contacto tem um tema-base interessante e bem desenvolvido: a busca SETI (um projecto realmente existente) leva à captação de um sinal rádio vindo do espaço, naquela que é, comprovadamente, a primeira mostra da existência de vida extra-terrestre inteligente. A análise aprofundada da mensagem permite extrair a informação necessária à construção de uma máquina, cujo fim último não é revelado na mensagem. A personagem principal é Ellie Arroway, formada em radio-astronomia, que acaba por trabalhar para o SETI onde tem um papel preponderante na descoberta e descodificação da mensagem extra-terrestre. Activada a máquina, que atravessa o espaço-tempo, Ellie faz uma estranha viagem, acompanhada de outras quatro pessoas ligadas ao projecto. No regresso enfrenta uma céptica comissão de inquérito que, de argumento em argumento, destrói toda a sua descrição da viagem, da qual não existem provas nem evidência.
No pano de fundo da narração fica a eterna oposição entre a religião revelada e a ciência, com a última a ganhar praticamente todos os assaltos por KO, como seria de esperar no ponto de vista de um cientista. Nisto revela uma certa obsessão por algo que teima escapar à sua compreensão, como acontece frequentemente entre os cientificistas, na posição algo ridícula de um esbracejar sem sentido, como se pretendesse abraçar o vento. No final do livro, a comissão de inquérito denota o mesmo tipo de oposição, dentro da própria ciência. Por fim surge a prova da criação artificial do Universo — uma prova material, evidentemente, a única que um cientista estará disposto a aceitar — que aparenta remeter para aquilo que hoje em dia é conhecido como o “intelligent design”.
Escrito em 1985, Contacto é de uma correcção política a toda a prova, e o mais penoso é precisamente a leitura desse embrulho ideológico, do modo pouco subtil com que Sagan tenta empurrá-lo com a narração — não é, infelizmente, o único autor FC a fazê-lo. Mas se, em 1985, isto era um posicionamento contra-cultura, que podia dar ainda uma “medalha” nos sectores marginais, 35 anos depois é este o discurso estabelecido e dominante, a “voz do sistema”. Contacto tem bons bocados de prosa, sem dúvida, mas não faz de Carl Sagan um escritor de primeira categoria, nem sequer na área limitada à FC. A tradução também não ajuda muito; é demasiado literal e cheia de imprecisões e barbarismos desnecessários — a expressão “flesh and blood” (cap. XX) traduz-se por “carne e osso”, não “carne e sangue”, tal como “event horizon” (cap. XIX) se traduz por “horizonte de acontecimentos” e não por “horizonte coincidente”, por exemplo.

Uma parte dela estava estupefacta por Joss a submeter àquela prova, mas, por outro lado, sentia-se decidida a dar boa conta de si. Deixou a mala escorregar-lhe do ombro e descalçou os sapatos. Ele saltou, com um movimento gracioso, o gradeamento de segurança de latão e ajudou-a a passar para o outro lado. Desceram a vertente de mosaico, meio a andar, meio a escorregar, até pararem ao lado do pêndulo. Tinha um revestimento preto-baço e ela perguntou-se se seria feito de aço ou de chumbo.
— Terá de me dar uma ajuda — disse Ellie.
Conseguiu passar facilmente os braços à volta do pêndulo e, juntos, empurraram-no até ficar inclinado, a formar um bom ângulo com a vertical e nivelado com a cara dela. Joss observava-a atentamente. Não lhe perguntou se estava certa, absteve-se de a advertir do perigo de cair para a frente, não lhe recomendou que desse ao pêndulo um componente horizontal de velocidade quando o largasse.
Atrás dela havia um bom metro ou metro e meio de chão plano, antes de começar a inclinar-se para cima e se transformar numa parede circunferencial. Se mantivesse a serenidade, disse a si mesma, aquilo ia ser canja. Largou. O pêndulo afastou-se dela. O tempo de duração da oscilação de um pêndulo simples, pensou um pouco tonta, é 2π, raiz quadrada de C sobre g, sendo C o comprimento do pêndulo e g a aceleração devida à gravidade. Em consequência de atrito na chumaceira, o pêndulo nunca pode ultrapassar, no regresso, a sua posição primitiva. Tudo quanto tenho de fazer é não cambalear para a frente, recordou a si própria.
Perto do gradeamento oposto, o pêndulo afrouxou e parou. Invertendo a trajectória, desatou subitamente a avançar muito mais depressa do que ela calculara. À medida que se inclinava na sua direcção, o seu tamanho aumentou alarmantemente. Era enorme e estava quase em cima dela. Ellie soltou um ofego abafado.
— Recuei — disse, decepcionada, quando o pêndulo se afastou dela.
— Só um bocadinho pequeníssimo.
— Não, eu recuei.
— Você acredita. Você acredita na ciência. Existe apenas um niquinho de dúvida.
— Não, não se trata disso. Foi um milhão de anos de inteligência a lutar contra mil milhões de anos de instinto. É por isso que o seu trabalho é muito mais fácil do que o meu.
— Nesta questão, o nosso trabalho é o mesmo. Agora é a minha vez — disse, e agarrou desequilibradamente o pêndulo no ponto mais alto da sua trajectória.
— Mas nós não estamos a pôr à prova a sua crença na conservação da energia.
Ele sorriu e tentou firmar os pés.
— Que estão a fazer aí em baixo? — perguntou uma voz. — São doidos? — Um guarda do museu, numa ronda para se certificar de que todos os visitantes sairiam até à hora do encerramento, vira-se perante o espectáculo inesperado de um homem, uma mulher, um fosso e um pêndulo num recesso do cavernoso edifício onde não havia mais nada.
— Oh, não há novidade, senhor guarda — tranquilizou-o Joss, bem-humorado. — Estamos apenas a pôr à prova a nossa fé.
— Não podem fazer isso na Smithsonian Institution — respondeu o homem. — Isto é um museu.


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