7 de outubro de 2014

O Adeus às Armas

Ernest Hemingway
O Adeus às Armas (1929)

De Hemingway li um punhado de livros há já muitos anos, quase todos eles publicados depois de 1950; a excepção era O Adeus às Armas. Pretendendo agora ler algumas das obras pertencentes à sua primeira fase, decidi reler este livro, cujo argumento tinha praticamente esquecido.
O Adeus às Armas, largamente autobiográfico, narra a história de Frederic Henry, um norte-americano alistado no exército italiano durante a Grande Guerra, com a missão de condutor de ambulâncias, e o seu encontro com uma enfermeira inglesa, Catherine Barkley, com quem viverá uma grande paixão. Ferido num bombardeamento na frente de combate, o período de convalescença e o regresso à frente, decorridos muitos meses, trazem a Henry uma mudança de perspectiva e um sentimento anti-militarista à medida que se vai confrontando com o imobilismo, a perpetuação e a aparente inutilidade dos combates. Durante a confusão de uma retirada, a polícia do exército confunde-o com um espião, devido à sua nacionalidade estrangeira, e, na iminência de ser fuzilado, Henry foge, para se reunir a Catherine, e abandonar de uma vez o exército...

– Sou patriota – disse Gino –, mas não posso gostar de Brindisi nem de Tarento.
– Você gosta do Bainsizza? – perguntei.
– O solo é sagrado – disse ele –, mas preferia que desse mais batatas. Sabe, quando cá chegámos achámos batatais plantados pelos Austríacos.
– Tem havido realmente falta de abastecimentos?
– Eu próprio nunca tive o suficiente para comer, mas como muito, e não cheguei a passar fome. A messe é razoável. Nas trincheiras, as tropas são bem alimentadas, mas as de reforço nem tanto. Há algures qualquer coisa que não funciona bem. Devia haver víveres mais que suficientes.
– Os especuladores vendem-nos por outro lado.
– Sim, dão aos batalhões que estão nas trincheiras o mais que podem, mas os da retaguarda ficam prejudicados. Comeram todas as batatas dos Austríacos e as castanhas dos bosques. Era preciso que os alimentassem melhor. Somos grandes comilões. Tenho a certeza de que há comida em abundância. É muito mau para os soldados não comerem o suficiente. Já reparou alguma vez como isso influencia a maneira de eles pensarem?
– Reparei – disse eu. – Não é coisa que faça ganhar uma guerra, mas pode fazê-la perder.
– Não falemos em perder a guerra. Já se fala de mais nisso. O que se fez este Verão não pode ter sido em vão.
Eu não disse nada. As palavras "sagrado", "glorioso" e "sacrifício" e a expressão "em vão" deixavam-me sempre embaraçado. Tínhamo-lo ouvido, muitas vezes, de pé, à chuva, quase fora do alcance do ouvido, de forma que só nos chegavam as palavras gritadas, e tínhamo-las lido em proclamações que eram coladas sobre outras proclamações vezes sem conta, e eu não tinha visto nada sagrado, e as coisas que eram gloriosas não tinham glória e os sacrifícios eram como os matadouros de Chicago, com a diferença de que a carne servia só para ser enterrada. Havia muitas palavras que não se podiam suportar, e por fim só os nomes dos lugares conservavam ainda dignidade. Com certos números acontecia o mesmo, e também com certas datas, e estas, assim como os nomes dos lugares, eram tudo quanto significava ainda alguma coisa. Palavras abstractas como "glória", "honra", "coragem" ou "santidade" tornavam-se obscenas comparadas aos nomes concretos das aldeias, aos números das estradas, aos nomes dos rios, aos números dos regimentos e às datas. Gino era um patriota, e por isso dizia coisas que às vezes nos separavam, mas era ao mesmo tempo um excelente moço, e eu compreendia que ele fosse patriota. Tinha nascido assim. Regressou no carro a Gorizia, juntamente com Peduzzi.

Li anteriormente:
Ilhas na Corrente (1970)
Na Outra Margem entre as Árvores (1950)
O Jardim do Éden (1986)

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