22 de marzo de 2015

Lendas de Portugal, vol. 4


Gentil Marques
Lendas de Portugal, vol. 4 (1965)

O quarto volume é dedicado às Lendas Religiosas. A abrir o livro encontra-se a Lenda do Milagre da Nazaré, centrada na personagem, também ela lendária, de D. Fuas Roupinho, cavaleiro de D. Afonso Henriques, e o modo prodigioso como a sua vida é salva in extremis depois de ter sido ludibriado pelo diabo. A narrativa é bem conhecida, mas o que mais me chamou a atenção, antes do ponto culminante, foi a referência ao último rei visigodo, Rodrigo, e ao seu túmulo em Viseu.
A primeira vez que li sobre o assunto foi na Historia Total de España de Ricardo de la Cierva, o que me levou ao documento original, a Crónica de Afonso III, o Magno, que faz a resenha dos reis visigodos e asturianos, que se consideravam seus sucessores, desde Wamba (no séc. VII), até Ordonho I, seu pai e antecessor (séc. IX). No excerto dedicado a Ruderico (ou Rodrigo, derrotado pelos mouros em Guadalete e posto em fuga após a batalha), pode ler-se o seguinte: «Não se conhece a causa da morte do rei Ruderico; nos nossos tempos, quando repovoamos a cidade de Viseu e as suas cercanias, encontrou-se em certa basílica um monumento no qual estava escrito um epitáfio que diz: Aqui descansa Ruderico, último rei dos godos.» O túmulo encontrar-se-á na envolvente da Igreja de São Miguel do Fetal, reconstruída sobre um templo muito mais antigo, do qual não existem vestígios.

Cumprindo o prometido, manhã cedo, D. Fuas Roupinho leva consigo a jovem princesa moura e vai mostrar-lhe a imagem de Nossa Senhora, entre duas rochas, na Nazaré.
Pela primeira vez na sua vida, a filha do rei Gamir cai de joelhos diante de uma imagem cristã.
– É linda a Vossa Senhora... Muito linda!
E D. Fuas Roupinho conta-lhe então, docemente, a história maravilhosa daquela imagem.
Um monge grego fugira com ela para Belém de Judá, dando-a a São Jerónimo. Este, por sua vez, mandara-a a Santo Agostinho. E Santo Agostinho entregara-a ao Mosteiro de Cauliniana, a uns doze quilómetros de Mérida. Aí puseram à imagem o nome de Nossa Senhora da Nazaré, por ela ter vindo da própria terra natal da Virgem Maria.
Quando os mouros derrotaram os cristãos, obrigando o rei Rodrigo a fugir para Mérida, Rodrigo levou consigo a preciosa imagem. Mas nem mesmo assim se sentiu absolutamente seguro. E resolveu fugir de novo, agora na companhia do abade Frei Romano, possuidor duma preciosa caixa de relíquias que pertencera a Santo Agostinho.
Após uma aventura dramática, quase mortos, os dois homens chegaram ao sítio da Pederneira, na costa do Atlântico. Então, resolveram separar-se.
Rodrigo ficou no monte que se chama de São Bartolomeu e Frei Romano foi viver para o monte fronteiro.
Combinaram, porém, corresponder-se por meio de fogueiras, que acendiam à noite.
Mas, certa noite, a fogueira de Frei Romano não se acendeu. Não mais se acenderia!
Rodrigo acudiu inquieto, e foi encontrá-lo morto. Apavorado, escondeu a imagem e a caixa de relíquias numa lapa, e abalou dali, correndo como um doido.
Segundo conta a tradição, veio a morrer perto de Viseu, num sítio denominado Fetal...
Concluindo a sua história, D. Fuas Roupinho acrescenta, olhando a imagem:
– Só há bem pouco tempo alguns pastores a descobriram, e eu logo me tornei num dos seus maiores devotos. Venero-a com todas as forças da minha alma.
A jovem princesa parece alheada e distante. Olhos fitos na imagem, repete como em oração:
– É linda, a Senhora!... É linda a Senhora!...
D. Fuas afaga-lhe a cabeça e diz-lhe meigamente:
– Olha, minha filha... Podes ficar aqui a adorá-la o tempo que quiseres. Eu vou caçar. Depois, voltarei a buscar-te.

Li anteriormente:
Lendas de Portugal, vol. 3 (1964)
Lendas de Portugal, vol. 2 (1963)
Lendas de Portugal, vol. 1 (1962)

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