7 de maio de 2016

Angústia Para o Jantar


Luís de Sttau Monteiro
Angústia Para o Jantar (1961)

Luís Sttau Monteiro afirmou-se sobretudo como dramaturgo, a partir de Felizmente há Luar!, peça que tem no seu currículo a dúbia honra de ter sido proibida pela censura. Angústia Para o Jantar, datada do ano anterior e segunda novela, após Um Homem Não Chora (1960), denota na sua forma uma aproximação à escrita para teatro, dominada pelos diálogos curtos e pelo monólogo interior. Adaptada para série televisiva em 1975 com leve aura de escândalo, talvez, imagino – eu era demasiado novo para me deixarem ver “estas coisas” –, por uma linguagem um tanto crua e cínica na descrição das luzes e sombras de uma certa alta burguesia lisboeta de meados do século XX, sociedade que o autor devia conhecer bem, já que ele próprio era descendente de nobres e de altos funcionários do Estado.
Angústia Para o Jantar, encena (é a palavra certa) o contraste entre Gonçalo, um próspero industrial, e António, um funcionário humilde e falhado, antigos condiscípulos que há 30 anos se encontram num jantar mensal, que é, para ambos, um fardo do qual não querem ou não sabem como se libertar. Pelo meio, surge Alexandra, amante do primeiro, que acaba por ter um encontro fortuito com o segundo. Entretanto, a teorização sobre as “pegas”, meticulosamente feita em parte de alguns capítulos, ou as “regras dos jogos que não levam a nada”, estão entre os trechos mais interessantes de um livro cujo maior defeito será, talvez, a brevidade.

O jogador senta-se à mesa sozinho e dá as cartas. Tantas para si, tantas para o ser imaginário com quem vai jogar. Primeiramente pega nas suas. Estuda-se, escolhe uma e dá início ao jogo. Cabe agora a vez ao parceiro imaginário. O jogador pousa as suas próprias cartas e pega nas outras. Para que o jogo exista, é forçado a jogar pelo parceiro como se não conhecesse o seu próprio jogo e a ripostar como se não tivesse o jogo do parceiro. Primeira jogada, segunda jogada, terceira jogada.
Cada vez se torna mais difícil distinguir entre a cartada imposta pelo jogo que está na mesa e a cartada que deriva do conhecimento do jogo alheio. O jogador quer ganhar sem habilidades. Está na sua natureza detestar o caminho mais fácil. Está na sua natureza respeitar o outro jogador. Está na sua natureza respeitá-lo e destruí-lo assim que lhe for possível fazê-lo. Sabe que o adversário lhe pagará na mesma moeda. Presta-lhe essa homenagem. É a única homenagem que o jogador sabe prestar e que deseja receber. Quarta jogada, quinta jogada, sexta jogada. Quando joga sozinho, o jogador assume a posição do seu adversário e não se poupa. Antes pelo contrário: para conservar o respeito que tem por si próprio é ainda mais inteligente e mais prudente ao jogar com as cartas do outro. O resultado está duvidoso. Tanto o jogador como o ser imaginário que ele representa estão a jogar com técnica e prudência. Ao jogar pelo outro, o jogador não toma um só risco que não tomaria ao jogar com as suas próprias cartas. Um deles vai perder. O jogador sabe que o resultado pode ser definitivo. Sétima jogada, oitava jogada, nona jogada. É a última cartada. Como está a jogar sozinho, o jogador pode evitar a derrota, interrompendo o jogo. Pode e não pode. Se o fizesse não seria jogador. Não admite sequer tal hipótese. Uma vez dadas as cartas, o jogo seguirá até que um seja vencido. Ou eu ou ele. O jogador sente que se aproxima a última cartada. Não pode voltar atrás. Não o desejaria fazer. Respeita-se e respeita o adversário. Quando um homem se mede, mede-se até ao fim. Quando um homem é capaz de se medir até ao fim, confere ao seu semelhante o direito de fazer o mesmo. A única cartada é a hora da verdade. Quem vencerá. Talvez o adversário. O jogador admite-o sem rancor. Admite-o mesmo com certa ternura, a ternura que une os homens que andaram na mesma guerra. O jogador concentra-se. Joga.

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