3 de xaneiro de 2017

O Véu Pintado

W. Somerset Maugham
O Véu Pintado (1925)

O Véu PintadoThe Painted Veil no título original – é uma história de adultério. Ao terceiro livro deste escritor, fico com a impressão de que Somerset Maugham parece ter uma especial propensão para escavar no lado mais obscuro das fraquezas humanas, num exercício metódico de dissecação psicológica.
Kitty Garstin, uma mulher de 25 anos, bonita mas fútil, é cortejada por Walter Fane, bacteriologista numa cidade do extremo oriente, que passa um temporada em Londres. Quando Walter lhe propõe casamento ela aceita, mesmo sem gostar dele, porque, já com escassez de pretendentes, considera que aquela poderá ser a sua última oportunidade. Com o marido de volta à China (à cidade fictícia de Tching-Yen, dado que Somerset Maugham foi impedido, por um processo em tribunal, de usar Hong Kong), Kitty é seduzida por Charlie Townsend, titular de um cargo secundário na administração local. Descoberta a traição, Kitty supõe, erradamente, que Charlie se divorciaria para se casar com ela, mas o escândalo significa o fim das suas ambições profissionais, das quais ele não abdicaria por nenhum preço. Kitty vê assim gorados os seus planos e com a obrigação de acompanhar Walter a outra cidade, Mei-tan-fu, assolada pela cólera, sem compreender inteiramente os motivos que levaram o marido, que passou a tratá-la friamente, a tomar essa decisão.
Com o desenrolar do tempo e dos acontecimentos, Kitty desenvolve uma auto-repulsão pelo seu comportamento, tanto mais angustiante quanto ela reconhece o seu mau proceder e se sente incapaz de conjurar a vontade para o evitar.

Ela fitou-o sem expressão. O que ele acabava de dizer era tão inesperado que no primeiro momento o sentido de suas palavras quase lhe escapara.
– Mas de que diabo está você falando? – gaguejou.
Até para ela essa pergunta soava falso, e no rosto grave de Walter a resposta foi um olhar de desprezo.
– Quer me parecer que você me julgou um tolo maior do que sou.
Ela não sabia ao certo o que dizer. Hesitava entre uma indignada manifestação de inocência e uma furiosa torrente de censuras. Ele pareceu ler-lhe os pensamentos.
– Tenho todas as provas necessárias.
Kitty começou a chorar. As lágrimas lhe caíam sem angústia, e ela não as enxugava; o choro lhe dava certo tempo para recompor-se. Mas nenhuma ideia lhe ocorria. Ele a observava sem interesse, e sua calma assustava-a. Walter impacientou-se.
– Não é chorando que você remediará a situação.
O tom áspero e frio com que ele disse estas palavras despertou nela certa indignação. Kitty começou a recuperar o domínio de si mesma.
– Pouco me importa. Acho que você não se oporá ao divórcio. Para um homem isso não significa coisa alguma.
– Permita-me perguntar-lhe por que motivo eu me daria o menor incómodo por sua causa?
– Isso não lhe fará nenhuma diferença. Não é muito pedir que você proceda como um cavalheiro.
– Tenho demasiada consideração pelo seu bem-estar.
Ela aprumou-se na cadeira e enxugou os olhos.
– Que quer dizer com isso?
– Townsend somente se casaria com você se houvesse um processo e o caso fosse tão vergonhoso que a mulher dele se visse forçada ao divórcio.
– Você não sabe de que está falando – exclamou ela.
– Sua tola!
Havia tal desprezo na voz dele que Kitty ficou vermelha de raiva. E essa raiva talvez fosse maior porque ela nunca lhe ouvira senão palavras doces, agradáveis e lisonjeiras. Estava habituada a vê-lo submisso diante de todos os seus caprichos.
– Se você quer saber a verdade, pode saber. Ele está ansioso por casar-se comigo. Dorothy Townsend está perfeitamente disposta a conceder o divórcio, e nós nos casaremos assim que estivermos livres.
– Ele lhe disse tal coisa com essas mesmas palavras ou é você que tem essa impressão?
Os olhos de Walter brilhavam com acerba zombaria. E faziam-na sentir-se um tanto inquieta. Ela não estava muito certa de que Charlie tivesse dito aquilo com tantas palavras.
– Disse e redisse.
– Isso é mentira, e você sabe que é mentira.

Li anteriormente:
Um Gosto e Seis Vinténs (1919)
Servidão Humana (1915)

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