21 de abril de 2014

A Ilha do Dia Antes

Umberto Eco
A Ilha do Dia Antes (1994)

Pela voz de um narrador que acedeu aos escritos de Roberto de La Grive, um fidalgo italiano do séc. XVII, ficamos a saber do seu naufrágio e salvamento, após subir a bordo de um outro navio, ancorado e abandonado ao largo de uma ilha nos antípodas. O primeiro terço do livro relata a adolescência de Roberto e a sua experiência no cerco de Casale durante a Guerra dos 30 Anos, bem como as peripécias que depois o levaram à sua situação actual, algures no Pacífico à vista do meridiano 180. Depois do ajuste ao presente narrativo, a história prossegue, guiada sempre pela escrita de Roberto - dedicada à Senhora, Lilia, por quem se apaixonou em Paris - e pelo Romance dentro do Romance (dentro do Romance) com as façanhas de Ferrante, o seu imaginado irmão e némesis negra, como antagonista e rival.
Passado num mundo em transição entre o pensamento medieval e as novas concepções originadas pelos Descobrimentos, o livro explora a aventura do conhecimento humano, em diálogos e reflexões que se debruçam sobre questões intemporais, enquadradas pelos horizontes científicos e metafísicos de há 350 anos.

– Então na verdade não acreditais em Deus?
– Não vejo na natureza nenhum motivo para isso. Nem sou o único. Estrabão diz que os Galicianos não tinham nenhuma noção de um ser superior. Quando os missionários tiveram de falar de Deus aos indígenas das índias Ocidentais, conta-nos Acosta (que no entanto era jesuíta), tiveram de usar a palavra espanhola Dios. Não acreditareis, mas na sua língua não existia nenhum termo adequado. Se a ideia de Deus não é conhecida na natureza, deve portanto tratar-se de uma invenção humana... Mas não me olheis como se eu não tivesse sãos princípios e não fosse um fiel servidor do meu rei. Um verdadeiro filósofo não pretende de modo algum subverter a ordem natural das coisas. Aceita-a. Só pretende que o deixem cultivar os pensamentos que consolam uma alma forte. Para os outros, é uma sorte que existam papas e bispos para reter as multidões da revolta e do crime. A ordem do Estado exige uma uniformidade do comportamento, a religião é necessária ao povo e o sábio deve sacrificar parte da sua independência para que a sociedade se mantenha firme. Quanto a mim, creio que sou um homem probo: sou fiel aos amigos, não minto senão quando faço uma declaração de amor, amo o saber e, pelo que dizem, faço bons versos. Por isso as damas consideram-me galante. Queria escrever romances, que estão muito na moda, mas penso em muitos deles e não me atrevo a escrever nenhum...

Li anteriormente:
O Pêndulo de Foucault (1988)
O Nome da Rosa (1980)

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