30 de agosto de 2014

O Lobo da Estepe


Hermann Hesse
O Lobo da Estepe (1927)

O Lobo da Estepe (Der Steppenwolf) é um romance com uma estrutura peculiar: inicia-se por um Prefácio redigido pelo sobrinho da senhoria de Harry Heller, o protagonista, onde narra as circunstâncias em que o conheceu e como lhe chagaram à mão os seus apontamentos. O resto do livro são os apontamentos de Harry Heller, onde se inclui ainda o "Tratado do Lobo da Estepe", um breve ensaio sobre questões espirituais, que lhe foi oferecido e é transcrito na íntegra.
Harry Heller descreve-se como um lobo da estepe, um cinquentão oriundo da burguesia, que simultaneamente almeja e despreza, transformado em ser intelectualizado que acaba à margem da sociedade, tão incapaz de se integrar quanto falho da vontade para o fazer. Do seu encontro com Hermínia, uma jovem mundana que o arrasta para os salões de baile, lhe dá a conhecer os seus amigos e lhe propõe um estranho pacto de morte, aprende uma nova forma de estar e sentir.
Passado nos Loucos Anos da década de 20, com a música de jazz por fundo e onde se fala da inevitabilidade da próxima guerra, O Lobo da Estepe é um livro tão mais interessante quanto se vai afastando da realidade objectiva, rumo a um surrealismo espesso, onde se representam os medos e as angústias da sua época.

Ah, é difícil achar esse trilho de Deus em meio à vida que levamos, na embrutecida monotonia de uma era de cegueira espiritual, com sua arquitetura, seus negócios, sua política e seus homens! Como não haveria de ser eu um Lobo da Estepe e um mísero eremita em meio de um mundo de cujos objetivos não compartilho, cuja alegria não me diz respeito! Não consigo permanecer por muito tempo num teatro ou num cinema. Mal posso ler um jornal, raramente leio um livro moderno. Não sei que prazeres e alegrias levam as pessoas a trens e hotéis superlotados, aos cafés abarrotados, com sua música sufocante e vulgar, aos bares e espetáculos de variedades, às Feiras Mundiais, aos Corsos. Não entendo nem compartilho essas alegrias, embora estejam ao meu alcance, pelas quais milhares de outros tanto anseiam. Por outro lado, o que se passa comigo nos meus raros momentos de júbilo, aquilo que para mim é felicidade e vida e êxtase e exaltação, procura-o o mundo em geral nas obras de ficção; na vida parece-lhe absurdo. E, de fato, se o mundo tem razão, se essa música dos cafés, essas diversões em massa e esses tipos americanizados que se satisfazem com tão pouco têm razão, então estou errado, estou louco. Sou, na verdade, o Lobo da Estepe, como me digo tantas vezes — aquele animal extraviado que não encontra abrigo nem alegria nem alimento num mundo que lhe é estranho e incompreensível.

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